152 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 49
A proposta não constitue, porém, o início do rigor do nosso direito no que respeita à admissão aos cargos públicos.
Já o. próprio Código Penal, ao lado do princípio geral do artigo 78.º, que determina que a incapacidade de ser nomeado para quaisquer funções públicas cessa com a extinção da pena, dispôs no artigo 71.º que a pena de demissão ou perda de emprego pode ser com declaração de incapacidade para tornar a servir qualquer emprego e pode ser sem essa declaração, acrescentando, no seu § único, que será sempre pronunciada a demissão do empregado público quando este, fora do exercício das suas funções, for encobridor de cousa furtada ou roubada, ou cometer o crime de falsidade ou de furto, de roubo, de burla, de abuso de confiança, e que a pena decretada na lei seja a pena correccional nos casos em que o Ministério Público acusa independentemente da acusação da parte.
A Carta Orgânica do Império Colonial Português, aprovada pelo decreto-lei n.º 23:228, de 15 de Novembro de 1933, e de que foi mandada fazer nova publicação pela portaria n.º 8:699, de 5 de Maio de 1937, determina no artigo 129.º que não pode ser nomeado ou contratado para cargos públicos quem tiver anteriormente sido condenado a pena maior ou correccional, aposentado ou demitido por decisão tomada em processo disciplinar, pelos crimes de furto, roubo, burla, abuso de confiança, falsidade, difamação ou calúnia, provocação pública ou crime, prevaricação, peculato e concussão, peita, suborno e corrupção, inconfidência, incitamento à indisciplina ou outros que se devam considerar deshonrosos.
Por seu lado, o Estatuto Disciplinar dos Funcionários Civis do Estado, aprovado pelo decreto-lei n.º 32:659, de 9 de Fevereiro de 1943, determina no artigo 13.º, § único, n.º 6.º, que a pena de demissão de um cargo público importa a perda de todos os direitos de funcionário e a impossibilidade de ser nomeado funcionário público ou administrativo ou contratado como tal.
A alínea 1.º da base VII não é assim anais que um termo na evolução do nosso direito no sentido do rigor no recrutamento do funcionalismo.
á porém, necessário ir tam longe para defender a dignidade da função pública?
A Câmara Corporativa, tendo ponderado o assunto com toda a reflexão e procurado encontrar uma solução que defendesse a dignidade da função pública, sem sacrificar escusadamente os direitos individuais, formulou o seu modo de ver sobre a base das seguintes considerações:
1.ª Que há crimes que, pelo grau de inferioridade moral que revelam nos seus autores, devem constituir sempre obstáculo ao acesso aos cargos públicos;
2.º Que os criminosos classificados de difícil correcção, exactamente pela frequência ou pela perversidade com que cometem crimes de gravidade, não devem ser. admitidos nunca ao exercício daqueles cargos;
3.º Que há crimes que poderão ser considerados mais ou menos graves e reveladores de maior ou menor idoneidade moral para o desempenho de funções públicas, segundo as circunstâncias e o momento em que foram praticados, os móbiles que os determinaram e a repercussão social que tiveram, e que deverão ser ou não motivo de exclusão do provimento em cargos públicos, segundo o prudente arbítrio do tribunal da rehabilitação;
4.ª Que os crimes culposos e os crimes intencionais de ínfima gravidade não deverão ser nunca motivo de exclusão das funções públicas.
Em conformidade com estas considerações se redigiram os bases correspondentes às bases VII e VIII.
b) Omissão das condenações nos certificados do registo criminal. - Segundo o artigo 10.º do decreto de 8 de Dezembro de 1936, o registo criminal abrange todas as sentenças e acórdãos de condenação.
Em princípio, estas sentenças e acórdãos devem ser transcritos nos certificados do registo (artigos 24.º e seguintes). Como, porém, a rehabilitação suprime os efeitos não civis das condenações (base VI), determina a base IX que dos certificados não constarão as condenações anteriores à rehabilitação.
A esta regra formula a base IX as cinco excepções de os certificados serem passados:
1.ª Para investigação científica ou elaboração de estatísticas oficiais;
2.º Para instruir processos criminais;
3.º Para o provimento de cargos públicos;
4.ª A requisição de autoridades;
5.ª Para instrução de processos em que haja de se tomar decisão judicial acêrca da interdição do poder paternal ou da tutela, quando a rehabilitação tenha sido concedida com restrições de efeitos relativamente àquela interdição.
I) As excepções 1.º e 4.º já se liam no artigo 24.º do decreto de 1936 sobre registo criminal e não levantam dificuldades.
II) A excepção 3.º tem a sua explicação na base VII da proposta, pois a rehabilitação nunca pode suprimir a incapacidade de exercício de cargos públicos provinda da condenação por certos crimes ou de determinados criminosos e, por isso, é necessário que as sentenças de condenação anteriores à rehabilitação constem dos certificados do registo criminal destinados a instruir processos de provimento em empregos públicos.
III) A excepção 2.ª levanta certa dificuldade, pois manda mencionar as condenações de delinquentes rehabilitados proferidas antes da sentença de rehabilitação, quando os certificados se destinarem à instrução de processos criminais, sem limitar as consequências dessa menção.
A rehabilitação suprime os efeitos penais da condenação e um destes efeitos consiste em as condenações deverem ser tidas em conta para verificar a existência das circunstâncias agravantes da reincidência, da sucessão de crimes e da habitualidade.
Claro é que, se a rehabilitação persiste, os efeitos penais das condenações não revivem e não podem ser tomados em conta para aqueles fins.
A rehabilitação pode, porém, ser revogada, quer pelo juiz da execução das penas dentro dos prazos estabelecidos na base x, - alínea 1), quer de direito, quando o rehabilitado, seja qual for o prazo decorrido depois da condenação, sofra condenação em pena maior (base X, alínea 2).
Se a rehabilitação é revogada pelo juiz durante o período em que ela é provisória ou caduca pela sua revogação de direito, a revogação faz reviver os efeitos penais da condenação e, portanto, esta será contada para a reincidência, sucessão de crimes e habitualidade.
No regime da proposta de rehabilitação provisória revogável pelo juiz, seguida de rehabilitação definitiva quanto aos condenados em geral, e de rehabilitação sempre revogável de direito para os condenados em pena maior, a nova condenação do rehabilitado efectuada durante o período de revogabilidade faz reviver os efeitos das condenações anteriores à rehabilitação, mas a efectuada(no período em que a rehabilitação já é definitiva não tem a virtude de os fazer reviver.
Se a rehabilitação é sempre revogável, uma nova condenação tem sempre como consequência fazer reviver os efeitos das condenações que lhe são anteriores.
Cremos que é nestes termos que deve determinar-se o alcance da excepção que acabamos de analisar.