146 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 49
combinação da rehabilitação de direito com o sistema da rehabilitação por uma declaração de justiça. Isto é, à proposta estabelece como princípio fundamental a completa jurisdicionalização da rehabilitação.
Mas, se os condenados e os imputáveis submetidos a medidas de segurança só podem rehabilitar-se por uma decisão de justiça, todos eles podem pedir a rehabilitação e a podem obter, se justificarem a sua boa conduta e satisfizerem a determinadas condições de viabilidade do seu pedido, as quais são estabelecidas na base V e consistem em o rehabilitado ter pago a indemnização de perdas e danos em que tenha, sido condenado e era terem decorrido certos prazos depois do cumprimento da pena ou depois da sua extinção. Isto é, a rehabilitação é um, direito do condenado baseado na sua boa conduta, verificada por um tribunal de justiça.
Será justificado este rigor sistemático da proposta prescrevendo absolutamente a rehabilitação de direito, para só admitir a rehabilitação judicial?
Procuraremos responder a esta questão na crítica que adiante faremos do sistema da proposta. Para melhor a podermos fazer, determinaremos primeiro o alcance do regime que ela pretende estabelecer e as modificações que este regime introduziria no direito vigente.
II) Alcance do regime de rehabilitação estabelecido pela proposta. - A nossa análise visará, sob este aspecto, dois pontos:
a) O seu alcance relativamente às incapacidades e efeitos resultantes das condenações penais;
b) O seu alcance quanto a regime do registo criminal em vigor.
a) Incapacidades e efeitos das condenações penais. - Como foi dito, o artigo 78.º do Código Penal estabelece o princípio de que as incapacidades resultantes das penas cessam pela sua extinção. É este ainda o princípio geral do nosso direito penal. Será ele, porém, modificado pela proposta se ela fôr convertida em lei?
Não é. Em nenhuma das suas bases a proposta contém qualquer preceito tendente a modificar aquele princípio, e, antes, a base vil e o comentário que lhe faz o relatório (n.º 12) mostram que a proposta apenas quis disciplinar a rehabilitação quando ela seja necessária para suprimir os efeitos das penas e que, só por excepção, ela se desvia desse seu destino quando suprimiu ou condicionou a capacidade dos condenados para o exercício de cargos públicos.
A proposta não cria, pois, como princípio, a necessidade da rehabilitação para eliminar os efeitos das condenações penais. Apenas a regula para os casos já existentes, para aqueles que ela estabelece expressamente (base VII) e para aqueles que venham a ser estabelecidos por novas leis, em que os efeitos das penas não cessem pela sua extinção, nos termos do artigo 78.º do Código Penal.
b) Modificações do regime do registo criminal em vigor. - Segundo acima se disse, o decreto-lei n.º 27:304, de 8 de Dezembro de 1936, que regula actualmente o registo criminal, estabelece duas formas de rehabilitação: a rehabilitação de direito para delinquentes primários e a rehabilitação administrativa, pelo Ministro da Justiça, para quaisquer delinquentes, com excepção dos delinquentes por tendência ou habituais.
A primeira forma de rehabilitação resulta de os artigos 28.º e 29.º determinarem que se consideram cancelados para os efeitos de não serem transcritos nos certificados do registo criminal:
1.º Um ano depois do cumprimento da pena, os registos das sentenças dê condenação por contravenções ou transgressões de regulamentos;
2.º Cinco anos depois do cumprimento da pena, os registos das sentenças de condenação em penas correccionais ou especiais para os empregados públicos;
3.º Quinze anos depois do cumprimento da pena, os registos das sentenças de condenação a qualquer pena maior;
4.º Os registos, relativos a crimes cujas penas estão prescritas.
Esta forma de rehabilitação, que nos casos dos n.ºs 2.º, 3.º e 4.º só podia aproveitar a delinquentes primários, é excluída pela proposta, não só porque a base IV diz que a rehabilitação só pode ter lugar por decisão de justiça, mas ainda porque o relatório, depois de criticar o sistema da rehabilitação de direito, a ela se refere expressamente para a excluir, escrevendo: «Ao cancelamento parcial adoptado na nossa lei não se podem opor, com a mesma força, críticas idênticas, visto só aproveitar a primários e ter ainda uma repercussão menor sôbre o interesse público. Mas as considerações precedentes conduzem logicamente à conclusão de que, mesmo nesses limitados termos, não é de manter. Preconiza-se por isso aqui a abolição pura e simples da rehabilitação de direito».
A rehabilitação graciosa pelo Ministro da Justiça é formalmente excluída pelo § 1.º da base IV quando diz que nenhuma autoridade poderá ordenar o cancelamento do registo criminal, salvo o caso de revisão de sentença ou despacho, ou de rehabilitação.
Mais uma vez aparece a questão. Será plausível este rigor sistemático em reduzir absolutamente a rehabilitação à rehabilitação judiciária?
10. CRÍTICA DO SISTEMA DA PROPOSTA ACÊRCA DA NATUREZA DA REHABILITAÇÃO. - A proposta exclue absolutamente o sistema da rehabilitação de direito pelas razões seguintes:
1.º Porque a rehabilitação de direito trataria, igualmente os delinquentes de boa conduta e os que levam vida depravada e imoral, e esta igualdade de tratamento de delinquentes de valor moral desigual não só seria revoltante, mas prejudicaria a defesa da sociedade;
2.º Porque não seria procedente a razão, que se invoca para a defender, dizendo-se que a rehabilitação administrativa ou judiciária, tornando por vezes necessário proceder a inquéritos sôbre a conduta do rehabilitado, implicaria uma indiscreta publicidade, que poderia prejudicá-lo na reputação em que é tido socialmente, pois os inquéritos podem fazer-se com discrição e sob sigilo e sem abalar a reputação do rehabilitando;
3.º Porque a rehabilitação de direito seria desnecessária, pois, em iguais prazos ou mesmo em prazos mais curtos, poderiam os interessados obter a rehabilitação, provando a sua boa conduta.
Parece-nos que estas razões não são decisivas no sentido de se admitir exclusivamente a rehabilitação baseada na boa conduta provada do delinquente e que poderia também tomar-se em conta a presunção de boa conduta quando, sobre o cumprimento ou extinção da pena, tenha decorrido um prazo suficientemente largo sem que ele não tenha incorrido em nova condenação e possa considerar-se corrigido e readaptado ao convívio social.
De modo que o sistema mais completo seria, porventura, um sistema mixto, em que a rehabilitação de direito se combinasse com a rehabilitação por decisão do Poder Judicial, facultando-se esta dentro de prazos mais curtos, mediante provas decisivas da regeneração do rehabilitando, e a rehabilitação de direito dentro de prazos mais largos, admitindo-se também, em matéria de rehabilitação, a acção do tempo, cujo papel no campo do direito penal é bem conhecido.