26 DE FEVEREIRO DE 1944 141
venção. Assim o nota, por exemplo, Ugo Conti, no seu relatório apresentado ao Congresso Penal e Penitenciário de Berlim de 1935, sobre a questão «Quelle doit être la compétence du juge penal dans l'exécution des peines (Actes, II, pp. 1 e seguintes), onde escreve, ao indicar os factores que concorreram para determinar a nova orientação da doutrina e das legislações no sentido da aceitação do princípio da intervenção do juiz no decurso da execução da pena: «A introdução, entre os meios de luta contra a criminalidade, das medidas de segurança contribuiu ainda para acentuar a intervenção do juiz. No que respeita às medidas de segurança, o momento da sua aplicação revela-se mais estreitamente ligado ao momento da sua execução. An passo que a pena se refere a um facto passado, fixando-lhe as consequências jurídicas, a medida de segurança refere-se ao estado actual de perigo, de modo que, se este muda ou dessa, o juiz deve modificar, substituir ou pôr fim à medida de segurança».
Pelas considerações que precedem, é a Câmara Corporativa de parecer que é juridicamente exacta e bem fundamentada pela proposta a jurisdicionalização do cumprimento das penas e das medidas de segurança.
Importa, porém, não deixar de apreciar uma objecção de princípio oposta àquela jurisdicionalização.
Essa objecção consiste em dizer que a execução das penas tem carácter administrativo e que, por isso, mesmo, as modificações possíveis da pena durante a sua execução, para tornarem efectiva a sua individualização, constituem sempre actos administrativos e ficam fora da esfera de acção do Poder Judicial.
Cremos que a objecção não tem subsistência teórica, nem pode ter valor prático para obstar à jurisdicionalização do cumprimento da pena.
A sua subsistência teórica esvai-se perante a concepção da individualização das penas e das medidas de segurança no decurso da sua execução, concepção cuja discussão seria fútil, tam profundamente radicada ela está já na prática e tam conforme ela é às ideas sociais humanitárias é às teorias hoje admitidas sôbre a etiologia do crime, como nota Cornil no seu relatório apresentado ao mesmo Congresso de Berlim de 1935 (Actes, II, p. 12) sôbre a questão acima indicada, e perante a necessidade de dar efectividade prática a essa concepção.
Como já foi dito, a individualização da pena só começa e nunca pode dar-se por finda no momento da condenação, tendo de continuar durante a sua execução e podendo exigir modificação na duração e modo de execução da pena aplicada. Desta maneira, b julgamento penal tem de deixar de ser peremptoriamente definitivo, para se converter, em certo modo, em decisão provisória, sempre susceptível de revisão, como nota ainda o mesmo Cornil (obra citada, p. 11).
Mas, se o julgamento não é peremptòriamente definitivo, e pode ser revisto para adequar a pena, na sua duração ou no seu regime, ao modo de ser e ao grau de delinquência do condenado, não deverá ser competente para o rever e modificar o mesmo poder que foi competente para o preparar e pronunciar?
Uma vez traçada a linha da execução da pena, quem executa é a administração prisional, mas quem pode e deve traçar essa linha é quem tem o poder de punir as infracções à lei penal, isto é, o Poder Judicial.
Além de que a concepção e a prática da individualização da pena no período do seu cumprimento ainda justifica a intervenção da jurisdição nesse período por. outra ordem de considerações, posta em relevo por Ugo Conti no seu citado relatório (p. 2), o qual observa que a nova orientação foi determinada, em primeiro lugar, pela substituição, ao critério segundo o qual o acusado
e ainda mais o condenado eram considerados como objecto do processo penal e da execução, do critério segundo o qual o indivíduo é considerado como sujeito de uma relação jurídica, constituída na fase da instrução, e prolongando-se na fase da execução, isto é, como sujeito de obrigações jurídicas, mas ao mesmo tempo como sujeito de direitos, que merecem protecção jurisdicional. E é exactamente a necessidade de manter o justo equilíbrio entre as necessidades da defesa social e a protecção dos direitos do condenado nas modificações eventuais da pena no decurso do seu cumprimento que, sob o ponto de vista prático, torna legítima a intervenção da justiça na aplicação das medidas que traduzem essas modificações.
E, por isso, supondo mesmo que as modificações da pena no período do seu cumprimento eram actos administrativos, esses actos deveriam, pela sua importância, ser cercados de garantias jurisdicionais e confiados ao organismo judiciário, na fórmula de Ugo Conti (obra citada; p. 5), que viu o problema com elevação e justeza.
E, pois, segura a conclusão de que as modificações dás penas e das medidas de segurança durante a sua execução, quer na sua duração quer no seu regime, devem ser confiadas a um tribunal de justiça.
4. ORGANIZAÇÃO DO PRINCÍPIO. - Aceite o princípio da jurisdicionalização do cumprimento das penas e das medidas de segurança, segue-se naturalmente estabelecer os elementos da sua organização, que são dois:
I) A determinação do seu conteúdo e limites;
II) A determinação do tribunal que deve torná-lo efectivo.
I) Conteúdo e limites da jurisdicionalização do cumprimento das penas e das medidas de segurança. - Ao estudo do problema da determinação do tribunal que há-de realizar a jurisdicionalização do cumprimento das penas e das medidas de segurança, deve antepor-se o problema do conteúdo e limites desta jurisdicionalização, pois o órgão que há-de torná-lo efectivo há-de ser adaptado à função que exerce è que determina a sua criação.
O problema dos limites entre a competência da judicatura e a competência da administração, no que respeita à execução das penas, é um problema delicado, como acontece com todos os problemas de limites entre actividades diferentes que colaboram para o mesmo resultado, importando resolvê-lo de modo que não haja mútua usurpação de funções, para que o fim da pena se realize com eficácia.
A proposta formula o problema, aponta a sua delicadeza, indica divergências doutrinais e legislativas, mas não precisa um critério jurídico à luz do qual deverá fazer-se a delimitação, contentando-se com seguir o critério prático que resulta dos preceitos da reforma prisional de 1936, a qual demarca a competência dos órgãos directivos dos estabelecimentos prisionais e a competência do Conselho Superior dos Serviços Criminais e do Ministro da Justiça, atribuindo a estes, com exclusão daqueles, a aplicação das principais medidas tendentes a realizar a individualização das penas e das medidas de segurança no decurso da sua execução.
A competência aí atribuída ao Conselho e ao Ministro da Justiça passaria a pertencer ao tribunal da execução das penas e «desta maneira - diz o relatório (n.º 2) - tudo ficará definitivamente arrumado com uma pura transferência de funções do Conselho Superior dos Serviços Criminais e do Ministro da Justiça para os órgãos judiciais encarregados da jurisdicionalização que 50 pretende estabelecer». E assim se fez na base I.