16 DE JUNHO DE 1945
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mente formal e destina-se a abrir dois regimes diferentes, num dos quais há mais garantias constitucionais do que no outro.
a) É de carácter puramente formal: na verdade tal distinção nada tem que ver com a classificação material, que atende à existência de tribunais com plenitude de jurisdição e de tribunais com jurisdição só para determinadas matérias.
Trata-se de duas classificações paralelas e independentes, que procedem de critérios perfeitamente distintos. Há o perigo de fazer confusão entre elas — porque as palavras que a cada passo se empregam são as mesmas ou semelhantes —, mas há, exactamente por isso, a necessidade de bem as diferenciar, até na terminologia.
Assim, na classificação material, ao dividirem-se os tribunais consoante tiverem competência: para a generalidade das causas ou só para determinadas categorias de questões, deve dar-se aos primeiros o nome de tribunais comuns e aos segundos o nome de tribunais especializados. É o problema da especialização de matérias que aí vai pôsto. Deste problema se ocupa o Código de Processo Civil quando define o grande esquema sôbre competência em razão da matéria (artigos 66.° e 67.°); mas não é a êste problema que visa a Constituïção no artigo 116.°.
No artigo 116.° o que se procura é sòmente delimitar, por meio de critérios exteriores às matérias julgadas, quais os tribunais que participam de certo regime de garantias e quais os que ficam fora dêsse regime.
Mesmo na redacção actual do artigo 116.°, embora se declarem tribunais ordinários só o Supremo, as Relações e os tribunais com competência comarcã, nem daí resulta que os tribunais ordinários sejam todos comuns. Ao contrário, há tribunais ordinários comuns (tais os tribunais de comarca, nas comarcas em que há um só juiz de direito) e há tribunais ordinários especializados (como são, por exemplo, os tribunais de menores, que existem em todas as comarcas mas cuja competência é limitada a assuntos relativos a menores, ou os tribunais meramente criminais, que funcionam em algumas comarcas, ou ainda os tribunais de pequenos delitos) (vide Estatuto Judiciário, artigos 8.° e 16.° a 19.°).
E isto, que já acontece com o texto actual do artigo 116.° da Constituïção, só mais acentuadamente se verificaria com o novo texto proposto para o mesmo artigo.
Não se julgue, pois, que a denominação constitucional de «tribunais especiais» significa que só êsses têm jurisdição especializada. Trata-se, sim, de uma designação convencional, empregada para referir quaisquer tribunais não qualificados como ordinários, os quais por isso mesmo não têm as garantias próprias dêstes últimos.
Noutras constituïções políticas, em que figuram distinções semelhantes à do artigo 116.°, é freqüente ver a designação de tribunal extraordinário ou outras equivalentes, que mais vincam o carácter formal da discriminação.
Sem dúvida se conjugam de algum modo as duas classificações, a formal e a material: por elementar bom senso vê-se que os tribunais comuns hão-de ser ordinários, e não extraordinários ou constituídos ad hoc. Doutrinalmente pode até organizar-se o seguinte esquema:
1.° Tribunais ordinários: são ou comuns ou especializados;
2.º Tribunais especiais: são só especializados.
Mas isto resulta, por coincidência, da natureza das cousas; e o esquema meramente formal que o artigo 116.° da Constituïção estabelece não vai até êste ponto de desenvolvimento.
b) Passemos ao segundo traço: a distinção constitucional entre tribunais ordinários e especiais destina-se a abrir dois regimes diferentes, sob o ponto de vista das garantias asseguradas a cada classe de tribunais.
Segundo o antigo 120.º da Constituïção, os juízes de todos os tribunais são irresponsáveis nos seus julgamentos. Mas, de harmonia com o artigo 119.°, só os juízes dos tribunais ordinários têm de ser vitalícios, inamovíveis e não podem aceitar do Govêrno outras funções remuneradas. Dêste modo, os tribunais ordinários distinguem-se por só os seus juízes terem constitucionalmente assegurados os três seguintes caracteres: vitaliciado, inamovibilidade e exclusão de outras funções remuneradas — o que assegura a total independência em relação ao Govêrno.
Não está em causa saber se tais garantias são suficientes e eficazes e se os tribunais especiais não deveriam beneficiar de parte delas. Esta Câmara não tem iniciativa para se pronunciar sôbre semelhante ponto, que a proposta de reforma não abrange. Cabe apenas evidenciar o regime que está na Constituïção.
Deve todavia lembrar-se que, sendo naturalmente sintéticas e fundamentais as afirmações de princípios contidas na lei constitucional, elas têm na prática um alcance que transcende o seu sêco enunciado: marcam orientações que a realidade social tende a assimilar e desenvolver. É assim que, apesar de pouco a Constituïção dizer sôbre os tribunais ordinários, existe formada a noção de ser neles, que se reúnem as verdadeiras garantias de uma justiça estável e universal, objectiva e serena, dotada de toda a competência técnica e isenta de quaisquer influências políticas. Há aqui uma idea-fôrça. A só designação de justiça ordinária está plena de sentido latente e desempenha na organização jurídica um papel de saliente importância.
Demais, a garantia do vitaliciado aponta a solução de dever tratar-se de magistrados de carreira, de magistrados togados, e não de juízes improvisados, sem adequada preparação técnico-jurídica. E neste traço reside em grande parte a segurança de a justiça ser de alta qualidade.
É por todas estas razões que o artigo 117.° da Constituïção, permitindo a existência de tribunais especiais para a apreciação de quaisquer matérias em geral (civis, comerciais, económicas, financeiras, etc.), põe no entanto proïbição a respeito da mais importante de todas: veda a criação de tribunal especial «com competência exclusiva para julgamento de determinada ou determinadas categorias de crimes» (salvo se forem fiscais, sociais ou contra a segurança do Estado). Em tal zona exige a Constituïção o tribunal ordinário, ou seja: um tribunal integrado no regime de garantias, expressas e implícitas, que ficou desenhado.
5. Fácil se torna agora apreciar na generalidade a alteração proposta para o artigo 116.°. Tratando-se de alargar o quadro dos tribunais ordinários — e, por conseguinte, de estender as respectivas garantias constitucionais a tribunais que hoje não as têm —, a secção de Justiça encontra-se perante uma orientação que só lhe merece aplauso.
A enumeração do actual artigo 116.º é demasiadamente apertada. O critério da competência terri-