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DIÁRIO DAS SESSÕES — N.° 176
torial, que lhe está na base, faz com que o legislador vulgar, ao sentir a necessidade de organizar tribunais especializados para o julgamento de certas matérias que exijam especialização de conhecimentos e indagações, se veja perante o dilema — ou de criar tantos tribunais quantas as comarcas (o que em geral será absurdo), ou de instituir tribunais especiais (o que, bem desnecessàriamente, tirará aos órgãos instituídos o prestígio e a fôrça que lhes adviria de terem a qualificação de justiça ordinária, e franqueará a via fácil das influências da Administração sôbre a Judicatura).
Os tribunais devem ser independentes, sentir-se independentes e parecer independentes. Ora um sistema que obriga, mesmo sem fortes razões de Estado, a lançar quaisquer tribunais especializados na categoria dos tribunais não ordinários vai abertamente contra êste postulado e, logo, merece ser revisto.
6. Se a finalidade da alteração ao artigo 116.° se afigura de aplaudir, já algumas objecções devem pôr-se ao modo por que se procura dar-lhe realização.
A fórmula da proposta de lei — «tribunais... hieràrquicamente ordenados em, relação ao Supremo Tribunal de Justiça» — não parece suficientemente clara e precisa, nem se pode dizer perfeitamente exacta.
Em que consiste a ordenação hierárquica dos tribunais em relação ao Supremo Tribunal de Justiça? Será a ordenação formal que figura no Estatuto Judiciário? Deverá surgir uma lei definindo tal ordenação? Ou dever-se-á recorrer a leis avulsas?
Neste último caso, com que critério? Considerar-se-á o ponto de vista da concatenação administrativa dos tribunais? ou antes o aspecto de uns aos outros poderem ordenar a prática de actos por meio de mandado (artigo 176.° do Código de Processo Civil)? ou o ponto de vista do acesso e promoção dos juízes? ou ainda o aspecto dos recursos a interpor de uns tribunais para os restantes?
Estas e outras interrogações do mesmo género mostram que a fórmula, sendo sugestiva, tem alguma ambiguidade.
Por outro lado, a aplicação aos tribunais da idea de ordenação hierárquica comporta certas reservas. É verdade que o Código de Processo Civil adoptou o conceito de competência em razão da hierarquia (artigos 70.° e seguintes). Porém não só os tribunais que aí se contemplam são apenas os próprios que o actual artigo 116.° da Constituïção já considera ordinários, mas sobretudo a necessária independência da magistratura judicial torna desaconselhável o emprêgo de expressões que acordem a idea de subordinação a autoridade superior. Como diz o artigo 241.° do Estatuto Judiciário, a independência é característica dos magistrados judiciais e consiste «no direito de exercer as funções de julgar sem sujeição a ordens de outros juízes ou tribunais ou de quaisquer autoridades, salvo nos casos expressamente consignados na lei».
Convirá procurar outra fórmula.
7. Temos para nós que a idea central da redacção constante da proposta de lei está na questão dos recursos.
É o julgamento que caracteriza a função judicial, e, em matéria de julgamento, só na possibilidade de recurso se pode ver a ordenação entre dois tribunais.
Mas não é só isto. Se se fôr ao fundo das cousas e se procurar um critério racional (formal, mas não arbitrário) para aos tribunais ordinários acrescentar outros que com êles tenham homogeneidade, encontrar-se-á que êsse critério deve ser o da unidade de orientação nos julgamentos.
Ora tal unidade é assegurada através dos recursos.
São, pois, os tribunais de que normalmente se recorre de uns para os outros que devem ter a mesma qualificação. Como no quadro dos tribunais ordinários hão-de estar, antes de mais nada, os tribunais comuns (Supremo Tribunal de Justiça, Relações e Tribunais de Comarca), segue-se que os tribunais ordinários deverão ser, além dêles, os outros tribunais que os tenham normalmente como órgão de recurso — sem que se importe saber qual a área em que exercem jurisdição.
Note-se que se trata de qualificar o tribunal em si mesmo, e não determinada porção da sua actividade.
Assim, não será necessário que em todos os casos haja recurso; nem que, cabendo recorrer para algum dos tribunais ordinários comuns, por fôrça haja de haver recurso até ao Supremo. Basta que os tribunais comuns, ou algum dêles, sejam órgão normal de recurso.
Entende a secção de Justiça ser nesta base que o acrescentamento ao artigo 116.º deve ser aprovado. Mas caberá então redigir o texto de modo a dizê-lo incisivamente.
Daí, a redacção que adiante se sugere para o corpo do artigo 116.°. Pareceu mais aconselhável manter nela a especificação dos tribunais ordinários que sejam comuns (não esquecer que uma disposição há na Constituïção, o artigo 78.º, § único, que aos tribunais comuns se refere), e aditar-lhe um número em que se acolham os outros tribunais ordinários que sejam especializados.
8. Assente a orientação fundamental, importa entrar em aspectos de pormenor — já que nos domínios da legislação há freqüentes repercussões que podem transtornar as modificações aparentemente mais generosas e louváveis.
Primeiro ponto a destacar. Se a fórmula da proposta, ou outra rigorosamente equivalente, fôsse convertida em lei, passariam a ser tribunais ordinários - e portanto a ter na íntegra o respectivo
Regime — todas os tribunais que estão hieràrquicamente ordenados em relação ao Supremo (ou seja, todos os tribunais de que normalmente se recorre para os tribunais comuns). Ora semelhante resultado é excessivo. Mais: afigura-se impossível de realizar e seria decerto contraproducente.
a) Impossível de realizar. Basta pensar em que os tribunais municipais (Estatuto Judiciário, artigo 20.°) e outros órgãos em condições semelhantes (por exemplo, certos tribunais marítimos ou os serviços da propriedade industrial) ficariam com a qualificação constitucional de tribunais ordinários e ingressariam por conseqüência no regime de juízes vitalícios, inamovíveis e insusceptíveis de ter outras funções remuneradas do Govêrno. Não faltaria até quem pretendesse — embora, aí já sem razão, dado faltar o poder de julgar — que os modestos juízos de paz, a quem o Estatuto Judiciário chamou «tribunais de paz», estariam também incluídos, por se encontrarem hieràrquicamente ordenados em relação aos tribunais de comarca.
Na redacção vigente do artigo 116.º os juízos municipais e os juízos de paz não estão declarados