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DE JULHO DE 1945
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O Sr. Ulisses Cortês: — Sr. Presidente: sôbre a questão que se debate agora tive desde a primeira hora uma posição nítida e coerente.
Defini-a na Comissão de Redacção. Reeditei-a nas sessões de estudo. Tive ensejo de a marcar mais uma vez a quando da minha intervenção na generalidade.
Fui sempre partidário de uma disciplina financeira que limitasse a liberdade da Assemblea em matéria de aumento de despesas e de deminuïção de receitas.
Porquê?
Trata-se porventura de uma atitude leviana e irreflectida?
Procedi assim por simples teimosia?
Suponho que me farão a justiça de crer que não tomaria tal posição se não estivesse profundamente convencido da verdade desta doutrina, e não tivesse razões sólidas em que fundamentá-la.
A primeira dessas razões é a necessidade de acautelar as bases da nossa política financeira.
Foi por esta política que se iniciou a Revolução.
Foi ela que permitiu a estabilização da moeda, a redução da dívida pública, a política de reconstituïção económica, de defesa militar, de melhoramentos rurais, emfim, a política que conduziu à situação de prestígio interno e externo de que gozamos.
A obra iniciada tem de continuar, porque ela é a própria Revolução.
Não posso, pois, concordar com qualquer medida que comprometa ou dificulte, directa ou indirectamente, o equilíbrio financeiro ou a política de saldos que previdentemente tem sido seguida.
Esta a minha primeira razão.
Mas a ela outras vêm acrescer.
Tenho o grave defeito de acreditar que nos livros se aprende alguma cousa.
O que dizem aqueles que estudaram estes problemas?
Não estou aqui a fazer um discurso, mas apenas a produzir documentação em abono do meu ponto de vista.
Nitti, professor e homem de Estado, que alia ao saber uma longa experiência política, escreve o seguinte a p. 673 da Ciência das Finanças: «A iniciativa parlamentar em matéria de despesas revela-se cada vez mais nociva; os deputados, quando se trata de gastar, são de uma prodigalidade de soberanos orientais. O mal é que as suas liberalidades são custeadas pelo contribuinte».
Nesse mesmo livro cita-se uma frase de Gladstone que me parece oportuno reproduzir.
É a seguinte: «A iniciativa de todo o aumento de despesas deve pertencer ao Govêrno, e não ao Parlamento, cuja única função é conceder ou recusar».
Idêntica é a posição de Jèze, Tardieu e Barthélemy.
Esta opinião dos teóricos está convertida em testos legais.
Citarei a Constituïção de Weimar, artigo 85.°, a Constituïção da Prússia, artigo 67.°, a da Finlândia, artigo 68.°, a da Jugo-Eslávia, artigo 113.°
Peço licença a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para ler o que a tal respeito se dispõe nas Constituições da Irlanda e do Brasil.
Diz o artigo 37.° do primeiro dêstes diplomas: «Nenhum voto, nenhuma resolução, nenhuma lei poderão decidir afectar créditos a um fim que não tenha sido recomendado durante a sessão por mensagem do representante da Coroa, agindo em conformidade com o parecer do Conselho Executivo».
Preceitua, por sua vez, o artigo 64.° da Constituïção do Brasil: «Não serão admitidos como assunto de deliberação projectos ou emendas de qualquer das Câmaras em matéria tributária ou de que resulte aumento de despesa».
E em Inglaterra?
Continuo apenas a fazer documentação.
Maurice Ordinaire, no seu livro Revision de la Constitution, diz: «O exemplo da Inglaterra podia servir-nos nesta matéria: os membros da Câmara dos Comuns não podem propor nem a criação nem o aumento de despesas; Só o Govêrno tem qualidade para pedir a abertura ou a anulação de créditos».
Entre nós foi o assunto regulado na lei da contabilidade de 20 de Março de 1907. Segundo o artigo 13.º dêste diploma, «não podem os membros das duas Câmaras, na discussão do Orçamento, apresentar quaisquer propostas que envolvam aumento de despesa ou deminuïção de receita».
Êste preceito foi reproduzido no artigo 1.° da lei-travão de 1913.
Contra a doutrina da proposta, na parte relativa à iniciativa da Assemblea em matéria de aumento de despesas, manifestam-se, pois, a doutrina financeira, o direito constitucional de vários países, a nossa tradição legislativa e a proverbial prodigalidade das Assembleas.
Não me parece impertinente evocar as palavras proferidas nesta sala pelo Deputado Jorge Nunes, em sessão de 7 de Março de 1913: «Justificam-se plenamente estas limitações. Em Portugal não há Deputado ou Senador que não traga na algibeira, embora animado das melhores intenções, um projecto de lei que deminua as receitas ou aumento as despesas, defraudando inoportunamente os interêsses do Estado e impedindo o equilíbrio financeiro».
Isto no que respeita a despesas.
Quanto à deminuïção de receitas não fixadas em lei anterior, todos estamos de acôrdo.
Existem, porém, duas fórmulas para realização do nosso pensamento comum: a da proposta e a da Câmara Corporativa.
Embora haja diferença entre elas, a divergência é insignificante no plano prático.
Abstenho-me, por isso, de tomar posição a favor de qualquer delas, se bem que julgue mais perfeita a fórmula da Câmara Corporativa, até por que ela impedirá atritos e colisões entre o Govêrno e a Assemblea quanto aos decretos-leis sôbre matéria tributária publicados no intervalo entre duas leis de meios.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Mas dir-se-á: com estas limitações cerceiam-se as prerrogativas parlamentares e inutiliza-se o direito de iniciativa da Assemblea.
Responderei: suponho que não é assim.
À Assemblea será legítimo reduzir despesas, aumentar receitas, deminuir receitas não fixadas em leis anteriores e estabelecer os grandes princípios a que deve subordinar-se o orçamento na parte relativa a despesas não determinadas em leis preexistentes nos termos do n.º 4.° do artigo 91.° da Constituïção.
Através dêste preceito poderá a Assemblea impor ao Govêrno uma política de fomento económico, de valorização colonial, de reconstituïção da marinha mercante, de melhoramentos rurais, de assistência social, educação popular ou qualquer outra da mesma transcendência no plano nacional.
E isto é o que interessa verdadeiramente a uma assemblea política.
Poderão ainda apresentar-se projectos de lei que não envolvam aumento de despesa ou deminuïção de receitas, semelhantes a tantos que nesta Câmara têm sido apresentados.
Poderá finalmente a Assemblea votar moções, convidando o Govêrno, inclusivamente, a estabelecer desa-