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10 DE DEZEMBRO DE 1946 49

recebeu a consagração popular que lhe deram as grandiosas manifestações a que se associou tão eloquentemente o povo da capital do Império. Uma dúvida, no entanto, poderá surgir. Será o problema que essa sugestão envolve compatível com o regime de separação previsto na Constituição Política? A dúvida não tem fundamento algum. Ninguém como nós quer e exige a independência completa das duas soberanias, ninguém como nós deseja e reclama que ambas vivam com inteira autonomia na esfera das suas actividades próprias. Mas independência não significa mútuo alheamento ou recíproca indiferença. Traduz apenas aquela leal compreensão e a união moral impostas pela natureza mesma das realidades que afectam uma e outra. As realidades católicas não são abstracções no espaço; são realidades vivas que abarcam o homem todo, que é um ser naturalmente social e político.
Por seu lado, as realidades políticas, como realidades humanas, consideram o homem como ele é na plenitude da sua personalidade, e por isso não podem desconhecer o que no homem há de mais humano, que é a sua vida religiosa. O próprio Estado, como pessoa moral que é, tem deveres religiosos, embora só tenha os direitos religiosos inerentes no cumprimento daqueles deveres. Assim o entendem alguns dos maiores Estados do Mundo, promovendo dias oficiais de oração e de penitência nacionais.
Nem podia ser de outro modo. A finalidade primária, do Estado é estabelecer, assegurar e aperfeiçoar a ordem e a disciplina, sociais. Mas a disciplina implica uma hierarquia, a hierarquia uma dependência, e não há dependência, justificada, humana, racional que se não fundamente, próxima ou remotamente, na dependência, de Deus. Aqueles mesmos que combatem esta doutrina, julgando que ela inferioriza o homem, se desmentem na prática, pois que todos os regimes totalitários começam por divinizar o Estado para justificarem a obediência, que impõem aos súbditos. Se, com efeito, a autoridade é uma superioridade que gera a obediência, não há obediência que não suponha uma autoridade transcendente.
Bem sei, Sr. Presidente, que não falta quem, ao ouvir-nos expor e defender esta doutrina, nos acuse de defensores de uma condenável teocracia política, mas sabemos também que o fazem não para combater essa teocracia, que não existe, mas para nos impor uma teocracia abominável, que está fazendo caminho em povos de tradições e civilização opostas à nossa. Nós não queremos uma teocracia, no sentido político do termo, porque a julgamos prejudicial aos direitos de Deus e do Estado; com maioria de razão nós repelimos toda u forma de a teocracia, por oposta à compleição nacional, lesiva da nossa dignidade, destruidora das liberdades individuais e colectivas, nefasta aos supremos interesses da Nação.
Filhos e agentes de uma civilização que levou aos povos a glória da liberdade, não queremos ser escravos na nossa terra nem em terra alheia.
Posta a questão neste plano, não nos parece que o regime de separação previsto na Constituição Política impeça, de qualquer forma, esta Assembleia de resolver, dentro das suas funções normais, o problema, aqui trazido pelo ilustre Deputado Sr. Dr. Carlos Mendes.
Trata-se, afinal, não de um facto exclusivamente religioso, mas de um projecto verdadeiramente nacional.
Pelo que toca à homenagem prestada por S. Ex.ª à gloriosa Padroeira, a ela me uno efusivamente. Fica bem à Assembleia associar-se-lhe também, porque exprime o sentido de toda a Nação.
Com justificada visão desta realidade se dignaram o digno Chefe do Estado, o Governo e o corpo diplomático honrar com a sua presença o solene Te-Deum ontem cantado na Sé de Lisboa; bem o compreendeu o povo da capital, com a agudeza do seu instinto, quando, ao realizar-se a entrada da imagem da Padroeira na Sé catedral, após uma grande manifestação de entusiasmo patriótico, cantou o hino nacional, significando que entrava a Rainha do Céu, que é também Rainha de Portugal. Essa multidão não representava apenas a maioria da população de Lisboa, mas a imensa maioria da Nação inteira.
O Chefe do Governo disse há pouco que se não governava contra a Nação, e aquelas manifestações constituíram um autêntico plebiscito.
Disse ainda que as grandes linhas da nossa construção política têm a sua inspiração na história, na tradição, no temperamento, na grande realidade portuguesa. Que realidade há aí mais portuguesa, pelo sentido e pela continuidade, do que o Padroado de Nossa Senhora?
Quando D. João IV proclamou Nossa Senhora Padroeira de Portugal não cumpria apenas um voto feito numa hora solene e grave da vida nacional; exprimia, consagrava, cinco séculos de história, toda a história da Nação. O ilustre Deputado Sr. Dr. Carlos Mendes expôs, a traços largos, os lances mais expressivos dessa história. Mas a Padroeira não interveio apenas nos lances da história, foi também a muralha de aço contra a qual se partiram as investidas protestantes, defendendo assim a nossa personalidade histórica. Agora mesmo a nossa independência encontra nela forte e eficaz defesa, porque os princípios que nela fulguram constituem a mais sólida barreira contra as vagas de barbarismo que rolam outra vez dos escuros confins asiáticos. Nela se criou a nossa vocação nacional e por ela se continua ainda nesta hora solene. A explosão de Fátima, lançando por todo o Mundo clarões de luz e de graça, leva consigo o nome de Portugal. Muito deve o prestígio do Portugal à actuação patriótica e clarividente do Governo, mas não podemos esquecer que nela concorreu essa explosão miraculosa. A glória da Padroeira outra vez a afirmar a glória de Portugal.
A revisão do problema dos feriados nacionais ficará também como afirmação perene da glorificação da Padroeira.
Mas por outros motivos essa revisão se impõe. Ela vem dar satisfação aos direitos da consciência nacional, consignados na Constituição e na Concordata com a Santa Sé. Depois oferece a solução de um problema nacional ainda em suspenso.
Há datas religiosas que são autênticas datas nacionais, há feriados nacionais que perderam talvez um tanto do carácter político que os ditou e há datas nacionais que não são feriados nacionais. Estão no primeiro caso os dias 8 de Dezembro elo de Agosto, ligados a grandes datas da Nação. Está entre as últimas o 28 de Maio. Precisa, na verdade, de ser revisto este problema, e creio que a Câmara não lhe negará o trabalho necessário a uma solução ajustada à doutrina da Constituição e ao sentido da Concordata. Espero trazer a esta Assembleia, em breves dias, um projecto do lei neste sentido. Tenho confiança em que a Assembleia o acolherá com benevolência, interpretando, como costuma, o sentimento da Nação, à qual prestará desta maneira mais um alto e assinalado serviço.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Não concederia hoje a palavra a mais nenhum orador antes da ordem do dia, para entrarmos já na discussão da proposta de lei de autorização