180 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 66
tacões dos seus serviços, em virtude da queda, do poder de aquisição da moeda, se quiser que eles continuem a trabalhar no ritmo normal.
Assim, o Governo tem de ir buscar dinheiro onde o houver, e é precisamente à contribuição predial, à sisa, ao imposto sucessório, além de outras fontes, que ele precisa de recorrer.
Mas, se realmente não vale a pena discutir a necessidade absoluta e imperiosa do aumento das receitas, outro tanto não sucede quando se trata de ver qual a aplicação a dar ao milhão de contos que se vai gastar em despesas extraordinárias no próximo ano. E isso para que o sacrifício que se vai exigir principalmente às actividades económicas tenha como contrapartida a concessão de um certo número de facilidades que lhes garantam uma boa eficiência na sua actuação e lhes proporcionem um conveniente desafogo que lhes permita pagar o que se pede.
É que hoje em dia, e possivelmente nos dois ou três anos mais próximos, o problema da produção domina todos os outros, e, portanto, é sobre ele que se deve concentrar a maior atenção dos Governos.
A nossa população, ainda que em menor grau do que a do restante continente europeu, encontra-se sujeita a um regime de sub-alimentação, devido a deficiências resultantes de circunstâncias várias. E se é certo que algumas delas se filiam na imperfeição do funcionamento de certos órgãos administrativos, também é certo que as principais nada têm que ver com a actuação governamental, como sejam os três maus anos agrícolas e as dificuldades de importação.
O País nestes últimos anos tem vivido principalmente sobre si, e não será tão depressa que as coisas mudarão, a continuarem as dificuldades actuais; portanto há que intensificar a produção nacional.
De resto, precisamos de nos preparar para suportar a concorrência estranha quando o ritmo da produção estrangeira se restabelecer, e por isso eu insisto em que tudo quanto contribua para colocar a nossa produção nas melhores condições, sob o ponto de vista de melhoria da quantidade de produtos - compatível com as possibilidades nacionais -, da qualidade e dos preços que lhe permitam concorrer com o estrangeiro, deverá merecer o nosso apoio. O presente exige uma produção excepcional em quantidade, e o futuro em qualidade e preço.
Nestas condições, convém forçar o ritmo de todos os trabalhos que influam no fenómeno da dita produção. E eu emprego a palavra forçar, para significar bem claramente a necessidade imperiosa de tal actuação. Os trabalhos hidráulicos, os das estradas, os dos portos, os dos caminhos de ferro e outros deste género devem ter prioridade e ser dotados com verbas incomparavelmente superiores aos de edificações para instalações de serviços que não tenham aquelas características, como sejam quartéis, escolas, cadeias, etc.
De resto, já no ano passado esta Assembleia, ao examinar as contas do ano anterior, votou uma moção em que se convidava o Governo a dar prioridade à execução de obras de carácter principalmente reprodutivo.
Portanto, tudo quanto acabo de dizer não é mais do que a repetição do que aqui afirmei o ano passado e que motivou a votação daquela moção.
Ora, pergunto a V. Ex.ª esta proposta que é submetida à nossa aprovação estará elaborada de harmonia com o critério que venho expondo e que foi o que norteou a Assembleia o ano passado quando aprovou a referida moção?
Embora no seu artigo 10.º ela disponha que o Governo distribuirá verbas para a execução do plano de reconstrução, especificando a hidráulica, os portos, as estradas, etc., omitindo, porém, os caminhos de ferro - e neste ponto acompanho o ilustre Deputado Sr. Dr. Mário de Aguiar nas considerações que fez há pouco -, ela não nos dá ideia nenhuma sobre o montante das verbas que se vai atribuir a cada uma dessas obras, e por conseguinte sobre o volume que se lhes vai dar.
Entretanto, como à Câmara foram enviadas juntamente com a proposta vários esclarecimentos sobre ela, deles se podem tirar elementos que nos permitam ajuizar de tal, não só no que se refere ao próximo ano, como aos nove seguintes.
Antes de entrar propriamente no assunto, permitam-me V. Ex.ªs um pequeno desvio.
Pelo que tenho visto nesta Câmara, por vezes, às críticas que se fazem à actuação ministerial é dado por certos dos nossos colegas um significado que julgo absolutamente infundado. Pretende-se ver nelas uma intenção reservada contra este ou aquele Ministro e o desejo de o fazer cair, quando afinal nada há de menos exacto. Julgo, e creio que comigo a maioria de V. Ex.ªs, que o espírito que nos norteia a todos é o de colaboração com o Governo; que essa colaboração, mesmo quando revestida de certos aspectos críticos, não visa mais que a facilitar a sua tarefa; que nesta Casa não há uma oposição sistemática, género ancien regime, apostada em atacar à tort et à travers; que nenhum de nós, enfim, procura na sua actuação a cooperação sequer daqueles colegas com quem tem melhores relações pessoais ou afinidades de ideias, de modo a constituir um bloco oposicionista. Julgo, pois, não errar afirmando que o espírito crítico que norteia as considerações que frequentemente aqui se ouvem tem características diferentes daquele que presidia às discussões aqui feitas há trinta anos e que ele é uma das criações originais dos tempos que surgiram com o 28 de Maio.
Por tudo quanto fica dito, admiro-me da vivacidade de certas defesas de actos ministeriais, que parecem denotar a preocupação de evitar a queda de um ou outro titular desta ou daquela pasta.
É esta, parece-me, uma preocupação baseada em reminiscências antigas de factos que nós julgamos bem enterrados e que não desejamos ressuscitar enquanto formos o que somos. Aqui critica-se administração, não se faz política de substituições ministeriais. Isto não quer dizer, porém, que concorde com a exteriorização de certas ideias em determinados momentos da vida nacional, por elas poderem constituir motivo de especulação de políticos internos e externos.
Os dias e as horas que nós, defensores da situação, estamos vivendo requerem uma coesão e uma combatividade da nossa parte que façam com que o inimigo não encontre brecha por onde penetre na fortaleza que tem resistido aos seus assaltos durante vinte anos.
A gravidade das declarações oficiais de certas entidades governativas coloniais nossas vizinhas no Oriente e a consumação de certos factos por parte de organismos internacionais, que, embora nos não afectem directamente, sempre impressionam a opinião pública, devem obrigar-nos a ser o mais discretos possível sobre certos aspectos da vida nacional, que, adulterados pelo inimigo, lhes podem fornecer alvos para campanhas inconvenientes.
Mas, mesmo quando tal discrição não é observada por qualquer de nós, mercê de uma interpretação diferente daquela que deixamos exposta, não parece justificado o ar de represália e de acrimónia de certas respostas. Solidariedade e combatividade deve ser o lema actual de quantos defendem a situação, e principalmente de quantos têm assento nesta Câmara!
Dito isto, posso agora falar à vontade, tanto mais que o que vou dizer não é uma crítica àquilo que se fez, e portanto a factos consumados, mas àquilo que se