522 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 87
O Orador: - Vou acabar de ler o artigo e pego a V. Ex.ª me reserve a palavra para amanhã e para as sessões seguintes.
Diz ainda o artigo:
O Padroado é o símbolo de Portugal de antanho, que conquistou um mundo, mas deixou-o perder, não por culpa da índia, antes, talvez, pêlos íamos que ela criou em muitos cérebros de outras eras. Todos choram a sua perda - e historiadores insuspeitos à farta provam como é que tão grande Império das índias se esboroou, tal qual frágil castelo de cartas... Ela, a índia de outrora, foi o pelicano que tirou o sangue do próprio peito para alimentar a cupidez dos que até aqui vinham ao cheiro do cravo e da pimenta...
Estas referências do Sr. governador ao caminho de ferro de Mormugão e ao Padroado são contraproducentes.
O caminho de ferro de Mormugão não é da responsabilidade do actual Governo nem do actual governador. Foi construído em 1878, em virtude do tratado anglo-luso. que suponho ter sido imposto pela Inglaterra aos portugueses. Esse caminho de ferro em nada aproveitou à economia da colónia. A colónia nunca o solicitou. Ele foi construído por uma companhia inglesa, em troca do monopólio do fabrico e exportação de sal e do abcári ou destilação de bebidas alcoólicas derivadas do coqueiro, da cajuri ou tamareira e do caju. O caminho de ferro de Mormugão deu sempre déficit, pelo que a sua exploração foi entregue a uma companhia inglesa -Southern Mahrata Raihvay - por arrendamento. Tudo isto foi obra dos governantes de então; não da colónia. Hoje, essa companhia está extinta; a sua linha férrea pertence ao governo da Grande índia. Mas isto representa um grande perigo, visto que a índia Portuguesa pode ser invadida em vinte e quatro horas, pela circunstância do o nosso caminho de ferro estar nas mãos do mesmo governo da Grande índia.
A colónia só teve de lamentar o prejuízo enorme que teve de pagar a companhia construtora, em juros elevadíssimos. Foi esta a outra fonte de voragem.
O Padroado é uma despesa da soberania; é feita para a manutenção de velhas glórias religiosas da Nação. Não ora justo que a colónia a pagasse, porque não tinha com ela proveito algum.
O Sr. Presidente: - Se V. Ex.ª pode concluir hoje as suas considerações num prazo de cinco minutos, eu concedo-lhos. Se V. Ex.ª vê que não, peço que encerre as suas considerações, embora noutra sessão use da palavra sobre o mesmo assunto.
Quanto à reserva da palavra antes da ordem do dia, regimentalmente V. Ex.ª não podo ficar com a palavra reservada.
O Orador: - Estava explicando aos Srs. Deputados a origem do caminho de ferro de Mormugão.
Foi por isso que tanto o caminho de ferro como a despesa do Padroado foram transferidos para o orçamento da metrópole, em virtude de relatórios sucessivos apresentados pelo antigo director de finanças da índia conselheiro Navarro de Andrade, que depois foi director geral no Ministério das Colónias.
Eu voltarei a pedir a palavra sobre o assunto, e entretanto afirmarei a V. Ex.ªs que, se o actual governador não for demitido imediatamente, ter-se-ão de suportar as consequências lamentáveis da sua nomeação. Ele só tem prejudicado na índia a soberania de Portugal, tantas e tão grandes são as antipatias que ali tem criado para si e para a Nação que representa.
Disse.
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Froilano de Melo: - Sr. Presidente: devia eu ter produzido estas considerações durante o esplêndido debate que nesta Casa teve lugar sobre a situação financeira das câmaras de Portugal. Juntaria a minha voz ao coro das vozes que aqui profligaram o peso da tutela que tanta vez, em contravenção com as tradições sociais da alma nacional, abafa e por vezes estrangula as iniciativas e as liberdades municipais. Os elementos que requisitei para comprovar as minhas afirmações chegaram-me, porém, longo tempo após o encerramento desse debate, e vejo-me, por isso, forçado a pedir à gentileza de V. Ex.ª Sr. Presidente, mo permita tratar do assunto antes da ordem do dia, com o simples fito de pôr a Assembleia Nacional ao corrente dos óbices que tem de enfrentar a administração municipal no nosso Estado da índia e de levar ao conhecimento das altas entidades responsáveis as queixas do povo que represento, a fim de se darem a esses problemas as soluções que forem convenientes para o bem da Nação.
Quem viaja pelo nosso ultramar constata o magnífico progresso que só nota nessas formosas e elegantes cidades de Luanda, Lourenço Marques e Beira, que são o orgulho dos seus habitantes e o encanto dos olhos de forasteiros. Em doloroso contrasto, porém, as cidades da nossa índia jazem na rotina e na estagnação, sem um plano de urbanização, sem movimento, sem estética e sem higiene, num apático cruzar de braços em que governantes e governados se deixam mergulhar no dolce farniente da moleza tropical.
O progresso de uma terra depende em grande parte dos recursos das suas câmaras municipais. As da nossa índia não têm dinheiro para cumprir a sua missão! E o pouco que têm esvai-se em despesas improdutivas que muitas vezes a tutela lhos impõe, à sombra de interpretações sibilinas dos articulados da Reforma Administrativa Ultramarina.
Pague, pague, pague! Institui-se uma caixa de crédito rural? As câmaras paguem! Funda-se o Montepio dos Servidores do Estado, uma instituição de proveito meramente particular? As Câmaras paguem, o permanentemente, para o seu funcionamento! São mal pagos pelo Estado os professores primários? Movem-se as camarinhas, graves discussões se agitam no seio do Conselho de Instrução Pública, formula o governo um projecto de diploma, a galeria está cheia de pedintes e a vítima são as câmaras! Paguem uma gorjeta mensal a esses pobres funcionários! Mas a Reforma Administrativa Ultramarina manda subsidiar o ensino, não, porém, por meio de espórtula aos agentes do ensino. Mesmo por uma questão de dignidade, porque não apartar um N por cento das receitas municipais para entrar nos cofres do Estado a titulo desse subsídio, a que o Estado dará o destino que for mais conveniente? O despacho da tutela diz que não, porque não! Manda quem pode. As câmaras que obedeçam !
Ora, quem manda porque pode suprimiu as taxas de licença que as lojas de comércio pagavam às câmaras desde a reforma de Rebelo da Silva. Este imposto estava nos hábitos do povo. Era quase secular! Porque foi suprimido ? Porque a Reforma Administrativa Ultramarina, de quem a tutela se considera o intérprete infalível, só falava de imposto a vendedores ambulantes no seu artigo 501.º, n.º 2.º, alínea k).
Ponderou-se que era uma omissão, que não havia na Reforma Administrativa Ultramarina nada que se opusesse a esse imposto secular. Mas a tutela despachava ex catedral! E os fiscais camarários tiveram de lançar mão da medida ridícula e picaresca de correr atrás de umas mulheres vendendo eventualmente mangas e melancias, com cestos à cabeça, para ir à caça do multas, a fim de se cobrarem receitas. Consequência: ódio à câmara, ódio aos zeladores, que a alturas tantas acharam melhor fazer