19 DE MARÇO DE 1947 895
Apresso-me a proclamar que, embora mereçam o melhor da minha simpatia, estou longe de lhes dar, neste momento, a minha concordância.
Porquê?
Porque o óptimo é inimigo do bom.
A proposta ministerial foi precedida de um cauteloso estudo justificativo.
Este estudo obedeceu em todas as suas linhas a uma série de cálculos de natureza económica ou fiscal cuja afectação, em maior ou menor grau, directa ou indirectamente, conduz à alteração completa da economia da proposta e ao risco de, merco da preocupação de se querer fazer melhor, prejudicarmos e anularmos completamente o que de muito oportuno e vantajoso se encontra na proposta em discussão.
É certo que a Câmara Corporativa, num relatório sem sombra de dúvida doutíssimo, considera exageradas algumas das previsões do relatório ministerial, e, assim, afirma que o relatório da proposta calcula em 45:000 contos, baseando-se na média do último triénio, a redução das receitas públicas provocada pelas isenções em projecto.
Parece haver nesta avaliação um certo pessimismo, acrescenta a Câmara Corporativa.
Não há. Quem se der ao trabalho de seguir de perto os números publicados nas últimas estatísticas do Ministério das Finanças relativos a contribuições e impostos chega à conclusão de que não há exagero mas apenas uma previsão cautelosa e prudente na fixação desta verba de 45:000 contos.
Em seguida, e laborando, sem sombra de dúvida, num equívoco de natureza monetária, a Câmara Corporativa diz que há igualmente que considerar a alta dos preços resultante da desvalorização da moeda.
Sabe-se, porém, que a desvalorização da moeda não interessa à importância das contribuições percebidas pelo Estado e que se não alteram ao ritmo da valorização ou da desvalorização da moeda.
Depois, a Câmara Corporativa vai mais longe, e pondera que há ainda que levar em linha de conta para o cálculo das cifras das transmissões os títulos de crédito ao portador abrangidos pêlos preceitos contidos no decreto n.° 35:594, de 13 de Abril de 1946.
Esta afirmação da Câmara Corporativa, aliás justificável à face do texto da lei, desconhece, contudo, a realidade, pois é facto averiguado que a maior parte dos títulos de crédito ao portador não chega a ser relacionada nos processos de liquidação do imposto sucessório.
Relativamente à previsão de uma diminuição de cerca de 15:000 contos nas receitas das custas judiciais de inventários orfanológicos de valor abrangido pela nova proposta, colhi a informação de que este cálculo foi feito rigorosamente no Ministério da Justiça sobre elementos elaborados com absoluta cautela, e, portanto, em termos que me levam a considerar que, realmente, a estimativa do Sr. Ministro da Justiça não deverá afastar-se da verdade.
Por último, e estou muito perto do fim, a Câmara Corporativa sugeriu que o adicional sobre a contribuição predial, em vez de ser de 1,5 por cento, como consta da proposta ministerial, baixasse para 1 por cento, e voltou a insistir na vantagem que haverá em isentar do pagamento da taxa de compensação todos os títulos ao portador das empresas particulares.
É indiscutível que estas duas últimas sugestões da Câmara Corporativa afectam a economia da proposta e poderão dar origem a uma alteração substancial dos cálculos relativos à compensação das receitas.
Ora não me canso de repetir que sou dos que entendem que o óptimo ó inimigo do bom; satisfaço-me plenamente com aquilo que se vai obter desde já com a aprovação da proposta do Sr. Ministro das Finanças, e, nesta
orientação, entendo do meu dever observar que, a todas as propostas, a todas as sugestões, sem sombra de dúvida merecedoras do nosso melhor aplauso, que impliquem o adiamento da imediata execução da proposta ministerial, prefiro a aceitação pura e simples desta última, deixando tudo o mais como meras fórmulas a submeter à consideração do Ministro, que no largo período de tempo que tem diante de si até à próxima reunião da Assembleia poderá perfilhar o que nelas houver de útil e atenuar o que do gravoso se cria no capitulo de novas incidências de impostos.
Mais precisamente, ao meu espírito o problema aparece colocado assim: ou voto a proposta do Sr. Ministro das Finanças, introduzindo-lhe ligeiras modificações que melhorem o seu texto, e não entro em alterações que afectem a sua economia, pois sei de certeza certa que deste modo evito o escolho do artigo 97.° da Constituição, ou arrisco-me a inutilizar todos os nossos esforços, agarrado à miragem de atingir uma fórmula ideal.
A primeira atitude garante-me que dentro de semanas ou de um curto prazo de tempo, que não irá além de um mês ou mês e meio, todas as sucessões de pais para filhos, até ao limite de 100 contos por cada herdeiro legitimário, estarão isentas do pagamento do imposto sucessório e gozarão do beneficio quanto a custas consignado na proposta de S. Ex.ª o Ministro.
Voto, nesta conformidade, qualquer coisa de certo, encaminho-me decididamente no sentido de obter uma solução rápida e definitiva. Nem por isso o Sr. Ministro das Finanças ficará impedido de estudar outras taxas de compensação, encarando a hipótese do agravamento do imposto sucessório das heranças de grande valor, tal como há meses sugeri, ou inclinando-se para as modalidades defendidas por ilustres colegas nossos, nomeadamente o Sr. Deputado Botelho Moniz, com a sua ideia de se sobrecarregarem as sucessões para colaterais e estranhos.
Acresce que uma rápida consulta de números que fiz há momentos lança-me na suspeita de que as fontes de compensação por S. Ex.ª indicadas serão insuficientes. Logo, entre o imediato e o remoto ou duvidoso, inclino-me por aquele.
O Sr. Botelho Moniz: - É preciso ser realmente muito hábil para conseguir falar contra a sua própria opinião.
O Orador: - Engana-se V. Ex.ª A minha opinião no sentido de obter compensação de receitas no agravamento das taxas das grandes heranças mantenho-a; mas, como realista que sou, não hesito entre o certo e o incerto.
E aqui termino.
O Sr. major Botelho Moniz propôs que a discussão incidisse sobre o texto apresentado pela Câmara Corporativa. Será arriscado fazê-lo.
Essa douta Câmara, porque propõe a eliminação do artigo 3.° da proposta ministerial, exclui-o.
Ora esse texto é precisamente aquele que determina a ampliação da taxa de compensação aos títulos ao portador das sociedades particulares.
Consequentemente, eliminando-se este artigo 3.° desaparece uma das fontes de compensação de receita com que contou o Ministro. E se o fizermos entramos abertamente naquele caminho que já descrevi como prejudicial para o objectivo em vista.
O que V. Ex.ªs não podem é deixar de rectificar as gralhas tipográficas das alíneas a) e b) do artigo 5.° da proposta da Câmara Corporativa, cuja redacção, aliás, é preferível à da proposta ministerial.