O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

10 DE DEZEMBRO DE 1947 79

O Orador: - Bom. Já é uma conquista!

O Sr. Soares da Fonseca: - Conquista não; esclarecimento...

O Orador: - Também me serve essa interpretação. Disse o Sr. Dr. Bustortf da Silva que eu tinha leito uma apreciação baseada em hipóteses teóricas. Ora são várias as funções que tem de desempenhar uma assembleia como esta.
Quando discutimos uma proposta ou projecto de lei, quando criticamos uma política ou um acto isolado, temos de aduzir razões, teóricas ou práticas, temos de fazer hipóteses, temos de tirar conclusões, temos enfim de proceder como homens cultos. Ninguém se pode admirar disso porque é assim que se procede em todo o Mundo civilizado. Mas o nosso primacial dever é representar a Nação, porque somos os seus representantes legais, e portanto os intérpretes autorizados do seu modo de pensar e de sentir.
E quando subimos, a esta tribuna não podemos esquecer esse mandato.
Eu tenho sempre essa preocupação, mas isso não me dispensa de averiguar se os números justificam as queixas que chegam aos meus ouvidos. E quando isso sucede é para mim fora de dúvida que essas queixas são fundadas.
Ora, infelizmente, as queixas que ouvi pelo País fora a comerciantes, industriais e lavradores, as queixas que ouvi às donas de casa, a começar pela minha, todas são concordes com os números que pude obter.
Há dias um amigo íntimo, em quem tenho a máxima confiança, depois de uma conversa que tinha tido pouco antes com ele, encontrou-se com um industrial da Covilhã e começou, como vulgarmente costuma dizer-se, «a tirar nabos da púcara».
- Então como vão as coisas lá pela Covilhã? perguntou.
O industrial, com aquela cobardia que caracteriza as nossas forças vivas, respondeu:
- Não vão mal.
- Mas então quantos dias trabalham por semana? insistiu o meu amigo.
- Trabalhamos dois.
- Acho pouco! observou aquele.
- Os maquinismos estão cansados...
- E com esses dois dias de trabalho satisfazem a clientela?
- Satisfazemos e não vendemos tudo. Vemos os armazéns cheios!
Quer dizer: trabalhavam dois dias, pagavam a semana por inteiro e tinham os armazéns cheios de fazenda.

O Sr. Cancela de Abreu: - E ainda ganham para isso e não faliram!

O Orador: - Isso é que é gravíssimo. Então é possível ganhar em tal regime? Não! Os industriais não faliram por estarem a ganhar, mas porque os bancos são dirigidos por portugueses e muitos dos seus directores deixam-se ainda levar pelo coração. Senão tinha falido muita gente. Não deram os bancos tantas facilidades aos produtores como eles precisavam e como é exigido pelo actual nível dos preços.
Mas, não obstante, ainda abriram créditos este ano e em muito maior força do que no ano passado.

O Sr. Pinto Basto: - Mas não o fazem por coração, creia V. Ex.ª

O Orador: - Talvez não, mas fizeram-no. Agora o que eu digo a V. Ex.ª é que eles têm no Banco de Portugal mais de 6 milhões de contos improdutivos e eu começo a não compreender por que motivo é que os bancos têm lá esse dinheiro.
Não percebo: ou eles desconfiam tanto do comércio, da indústria e da lavoura que, apesar de terem dinheiro improdutivo, não emprestam, ou então não sei a causa.
Eu em todas as minhas coisas procuro perceber, mas esse procedimento dos homens não o compreendo bem.
No que respeita ao fundo de cambiais, eu não disse ao Sr. Dr. Bustorff da Silva que os que se gastaram foram todos por água abaixo, mas apenas grande parte. E tive esse cuidado porque, realmente, algumas coisas se importaram que eram necessárias, como as matérias-primas, por exemplo. Mas de que grande parte dos cambiais gastos o foram em pura perda não pode restar dúvida. Basta ir à rua e ver o que por lá vai de carros de luxo, empadas, como agora se diz, até em serviço de táxis!
Risos.
Eu estive o ano passado em Vigo e vi que os espanhóis tinham ficado embasbacados com os estupendos automóveis de luxo e barcos de recreio que apareceram numa regata que se realizara pouco antes naquela cidade. Ficaram boquiabertos.
Há quem queira atribuir ao comércio a culpa deste desregramento das importações. Não concordamos com isso. O comércio compra para vender e, portanto, compra o que tem procura. Se o público é tolo, a culpa não é do comércio. Se os artigos de luxo têm grande procura, o comércio importa artigos de luxo, e faz muito bem, porque está na sua função.
Agora quem governa é que tem obrigação de ver essas coisas e não permitir que se importem mercadorias que não são precisas.
A baixa verificada na posição cambial do Banco de Portugal alarmou-me e vou mostrar que o meu alarme é justificado.
Pessoa amiga chamou-me a atenção para uma noticia vinda no «Foreign Report» do The Économist Intelligence Unit de 30 de Outubro próximo passado sobre a Suécia. A notícia em questão diz o seguinte:
A economia sueca desorganizou-se nos últimos meses, e porquê?
Em Junho de 1946 ela tinha 3:229 milhões de coroas de reservas em ouro e moeda estrangeira. Em Março deste ano já só tinha 1:675 milhões e em Setembro apenas 589 milhões.
Em pouco mais de um ano estoirou as reservas que a guerra lhe metera pelas portas dentro.

O Sr. Bustorff da Silva: - São os efeitos de um governo vincadamente socialista.

O Orador: - Se na Suécia isso fez estragos, o que nos sucederia a nós, que não temos exportação nem de ferro nem de madeiras, como tem a Suécia, nem de outras matérias-primas indispensáveis, a nós, que só exportámos artigos de luxo?
Isto basta para mostrar que o meu alarme não é sem fundamento. Mas não foi só isto que me fez falar.
Quis ter a coragem de romper esta nuvem de enganos que pesa sobre o País.
Nós estamos em vésperas de uma reviravolta nos preços.
Os índices de Setembro já são superiores aos de Agosto. O movimento ascensional vai continuar, sob pena de se desorganizar toda a economia nacional e de continuar a desbaratar-se o precioso fundo cambial a cargo do Banco de Portugal, fundo que é o único penhor do nosso futuro.
É preciso que o País esteja prevenido para isso e não seja tomado de surpresa.