30 DE JANEIRO DE 1948 231
as plantas, mas também na sua maior parte de uma pequena espessura, aflorando em muitos pontos a rocha ou o subsolo improdutivo.
Os chamados «barros», mais ou menos de origem diorítica, formam, além de manchas dispersas, uma faixa bastante irregular, que se estende, atravessando o distrito, de leste para oeste, desde o concelho de Moura, passando pelos de Serpa, Beja, Cuba, Ferreira e Aljustrel.
Mesmo estes terrenos, mais conhecidos por «barros de Beja», são de uma constituição físico-química muito variável e desequilibrada, o que nos levou a agrupá-los em diversas classes, e, apesar da sua lendária fertilidade, são na sua maior parte de uma extrema pobreza, o que levou Miguel Fernandes a dizer que «se eles eram célebres nalguma coisa, era no equilíbrio da sua pobreza em elementos fertilizantes».
Apenas os barros chamados «forneiros», de que são tipo a pequena mancha dos afamados barros da Salvada, e os idênticos, mas menos conhecidos de Ervidel, são mais favorecidos nalguns elementos químicos, mas a sua maior produtividade é principalmente devida a um maior equilíbrio na sua constituição física, por entrarem na sua formação arguas vermelhas provenientes dos xistos. Têm, no entanto, estes barros o mérito de, por meio de boas lavouras e dispendiosas adubações, se poderem elevar em anos de chuvas favoráveis às mais altas produções de cereais que se conseguem no Alentejo, 20 ou 30 sementes, ou seja 2:000 a 3:000 quilogramas por hectare.
Mas estas produções na grande cultura são raras e excepcionais e só se conseguem em anos bons com boas adubações mistas, orgânicas e químicas, ou, dada a escassez de matéria orgânica na região, com fortes adubaçoes azoto-fosfatadas, cujo custo, com os preços actuais do trigo e dos adubos, atingem o valor de três sementes e mais. Todas as despesas de cultura regulam nestes terrenos por 13 a 14 sementes.
No distrito para o sul desta faixa predominam os xistos, que produzem os terrenos conhecidos por «terras galegas», que é um sinónimo de «pobre». «A fome e o frio fazem o gado galego», diz um velho rifão.
Ao norte da faixa dos barros os terrenos são muito variados do tipo «galego», em grande parte provenientes dos xistos, outros dos pórfiros e rochas metamórficas, na sua maior parte arenosos, magros e pedregosos; outros ainda provêm dos granitos, outros são formados por detritos em que entram mais ou menos elementos de todas estas formações, constituindo nalgumas partes bons terrenos para muitas culturas e uma grande parte terrenos também magros e pobres.
Ao poente do distrito predominam os detritos muito variáveis e grandes manchas de terrenos arenosos pobres do miocénio que se encontram desde o mar até Ferreira. A maior parte destes terrenos são de natureza muito pobre e por isso conhecidos, como os dos xistos, também pelo nome genérico de «terras galegas».
Os provenientes dos xistos são, como se disse, o protótipo das aterras galegas», estruturalmente pobres e desequilibrados na sua constituição físico-química e mecânica, dando terrenos com características dos arenosos nos pontos mais altos, e nos pontos mais baixos, para onde as águas pluviais arrastaram a argila, terrenos fortemente argilosos, compactos, impermeáveis à água e ao ar, difíceis de trabalhar. Constituem estes terrenos unia zona clássica no Baixo Alentejo para a cultura dos cereais praganosos, conhecida por «Campo Branco», devido à cor mais ou menos esbranquiçada que apresentam, principalmente no Verão (como se pode ver na Etnografia Portuguesa, vol. in, pp. 563 e 564, de J. Leite de Vasconcelos).
Esta região tem como centro Castro Verde, mas encontram-se terrenos agricolamente muito semelhantes em todo o sul do distrito, desde Barrancos até Ourique e noutros concelhos. São os terrenos clássicos da cultura extensiva do trigo estruturalmente pobres, endurecendo extraordinàriamente no Verão, secando até grande profundidade, mas sem fenderem, o que os distingue dos barros dioríticos, que se contraem e abrem grandes e profundas fendas.
Esta característica torna impraticáveis as lavouras de Verão nas terras galegas, em seco, devido à sua extrema dureza. No Inverno encharcam fàcilmente, e neste estado dão péssimo fabrico, tanto em lavouras de sementeira como em alqueive, secando depois e «entaipando» quando mobilizadas moles, tornando impossível a vida das plantas.
Sr. Presidente: toda esta enfadonha exposição para quem não é técnico agrícola julguei-a indispensável para mostrar quanto é ingrato para a cultura cerealífera o meio «terra», que produz mais de metade do trigo que o País come, e justificar as suas baixas produções e fraco rendimento líquido das culturas.
Todos estes terrenos e uma grande parte dos chamados «barros» ainda há cerca de sessenta anos estavam cobertos por extensos matagais, a lendária «charneca alentejana», coió de lobos e javalis, porque, dada a sua pobreza em fósforo, pouco produziam e só eram cultivados em pequenas áreas em volta dos longínquos montes e povoados, mas só o indispensável para produzir o trigo necessário para o sustento dos habitantes da região.
Apesar da escassez quase absoluta de vias de comunicação, pois o distrito de Beja já em 1903, cerca de quinze anos depois de começarem as arroteias, ainda possuiu apenas, segundo o Anuário Estatístico, 60 metros de estrada por quilómetro quadrado de superfície (a Bélgica possuía em 1908 1:200 metros de estradas macadamizadas por quilómetro de superfície-territorial); apesar, repito, desta falta de vias de comunicação, base essencial do progresso agrícola, da pobreza dos seus terrenos, da irregularidade do clima e da falta de garantia para colocação do produto, bastou a descoberta e introdução dos superfosfatos e, depois, doa guanos e adubos azotados, que permitiram fornecer a estas terras o elemento mais deficiente e determinante da produção - o fósforo -, para que as charnecas tombassem adiante do lavego e do churrueco do lavrador e do seareiro, a princípio lentamente, como era natural, e depois da lei de 1899 (que garantiu aos produtores o consumo do trigo nacional a um preço julgado remunerador) em ritmo acelerado, e assim estes terrenos, que dantes, pareciam incapazes de produzir outra coisa que não fosse o anato, azinheiras e sobreiros, se desentranhavam em trigo, chegando a produzir em anos seguidos searas que davam de 12 a 18 e até 26 sementes.
Assim se consumiu em anos sucessivos de cultura a elevada percentagem de matéria orgânica proveniente dos detritos da charneca, acumulada durante milénios.
O que depois se seguiu é do domínio público, por ser mais recente; foi por nós relatado e resumido no último Congresso de Ciências Agronómicas e publicado na folha de divulgação, intitulada «A matéria orgânica nas regiões cálido-áridas e a defesa da fertilidade da terra», 1943.
O alargamento da área cultivada de trigo à custa da redução dos pousios representava uma ameaça grave de esgotamento da fertilidade de fundo destes terrenos pelo desgaste e consumo de matéria orgânica, aumento consequente da sua acidez fisiológica e maior predisposição para a erosão, e como técnico lancei então o grito de alerta, com a publicação (1935) da folha de divulgação (em que foi ampliada uma outra de 1930) intitu-