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264 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 132

Tive a sorte de entrar na vida prática no preciso momento em que se abandonavam os escombros de um triste passado e, pela mão de Linhares de Lima, se abriam largos horizontes à inquietação da nossa juventude agrária. Dei os primeiros passos da minha vida de técnico sob a divisa O trigo da nossa terra é a fronteira que melhor nos defende.
Depois, sempre os problemas ligados à agricultura ocuparam a minha actividade.
E até, ultimamente, ao fazer um passageiro quarto de serviço no Governo Nacional, os Ministros com quem tive a honra de servir quiseram ter a generosidade de me colocar na posição simpática da defesa dos interesses dos homens da terra e guardaram para si a ingrata e dura missão de defenderem o interesse geral.
Sr. Presidente: mesmo subindo a esta tribuna para pôr perante V. Ex.ª apenas algumas dúvidas, elas não podem deixar de trazer a marca da minha possível deformação.
Devia a VV. Ex.ªs esta explicação prévia.
Sr. Presidente: não vou entrar na discussão da tese se devemos ou não consumir o pão amassado com cereais produzidos na nossa terra.
No condicionalismo actual do Mundo, dentro do qual a nossa economia está enquadrada, parto da premissa, que não me seria difícil defender, de que é imperativo do interesse nacional produzirmos, tanto quanto pudermos, os produtos agrícolas que dêem o pão que precisamos de comer.
Dispomos de clima irregular e solo sáfaro. Não vale a pena lamentarmo-nos, nem lucramos nada em cruzar os braços. São realidades, e as realidades não se discutem; aceitam-se para as considerar devidamente no estudo dos problemas que elas influenciam.
O pão não é só trigo; é milho, centeio e ainda pode ter a contribuição de outros produtos panificáveis. E talvez de aceitar que 50 por cento do povo português consome pão de trigo, 39 por cento broa e 11 por cento pão de centeio. Sabe-se, por outro lado, como aqui foi dito, que o pão de trigo comporta, entre outras, a mistura de milho e centeio.
Não podemos encarar o problema apenas no aspecto continental português, mas sim temos que o ver ligado às possibilidades das nossas províncias ultramarinas, quer dizer, no plano imperial.
Encontramo-nos diante de uma população crescente - dentro em pouco l milhão por década - que temos que alimentar e ocupar.
Parece, portanto, existir a necessidade de fomentar as culturas de cereais panificáveis.
Afloremos separadamente alguns dos pontos ligados aos complexos problemas respeitantes à cultura do trigo, milho e centeio.
Sr. Presidente: a cultura do trigo distribui-se por todo o País, mas o Alentejo é, quanto a este cereal, «o celeiro eterno desta eterna Pátria», como um dia tive ocasião de afirmar.
Trata-se de uma cultura que é praticada com o fim principal da venda da colheita. Na média de 1933-1946 verifica-se que a lavoura vendeu aproximadamente 60 por cento das suas produções, ficando com o restante para semente e auto-abastecimento.
Com os devidos pormenores temos à mão elementos referentes à colheita de 1944 e, dado que a colheita foi pequena, observa-se que a quantidade manifestada para, venda desce para 47 por cento.
A grandeza do número não interessa neste momento; o que importa é destrinçar o que se passa no Alentejo (distritos de Portalegre, Évora e Beja) com o que se regista no resto do País.
Naquele ano, no Alentejo, anotaram-se 55:158 manifestos acusando uma produção total de 211.000:000 de quilogramas e uma produção para venda de 116.000:000 aproximadamente, de onde resulta:

Produção por manifesto (quilogramas). . 3:827
Quantidade vendida por manifesto (quilo-
gramas) . . . . . . . . . . . . . . . . 2:107
Percentagem para venda. . . . . . . . . 55

No mesmo ano, no resto do País, anotaram-se 161:948 manifestos, acusando uma produção total de 148.000:000 de quilogramas e produção para venda de 54.000:000 de quilogramas aproximadamente, de onde resulta:

Produção por manifesto (quilogramas). . 917
Quantidade vendida por manifesto (quilo-
gramas) . . . . . . . . . . . . . . . . 334
Percentagem para venda . . . . . . . . . 36

Encontramo-nos, pois, em face de duas zonas, em que numa domina a grande propriedade, onde o trigo é cultivado principalmente com destino à venda, e, noutra, domina a pequena propriedade, onde o trigo é cultivado principalmente com destino ao auto-abastecimento.
É evidente que se tomássemos os dados referentes a anos de colheitas maiores, o fenómeno aparecia-nos com maior relevo.
Ora, se as coisas se passam deste modo, parece poder-se concluir que a subida do preço do trigo além da influência que exerce no custo de produção - pelo valor das sementes, auto-abastecimento e sua acção no salário - representa grande interesse para o consumidor.
Por outro lado, se queremos produzir trigo, temos que garantir-lhe um preço que remunere convenientemente a lavoura. Sem isso, as virtudes peculiares desses bons portugueses acabariam por ser ultrapassadas pelo empobrecimento gradual.
Mas qual é o preço conveniente?
Não existem infelizmente para a cultura do trigo estudos sistematizados sobre o cálculo do custo da produção, tal como já possuímos para a cultura do arroz e para certas zonas da cultura da batata. Uma ou outra conta de cultura isolada não pode servir para se tirarem conclusões certas sobre assunto tão complexo.
Em boa hora o Sr. Ministro da Economia anunciou, no seu discurso de Portalegre, que ia mandá-los elaborar. Em boa hora os ilustres Deputados que fizeram o aviso prévio em diseussão consideram esse estudo como indispensável.
Gomo havemos de ajuizar aproximadamente a posição do problema relativo ao preço conveniente do trigo?
Tentemos um raciocínio examinando a evolução dos preços através da doutrina que tem inspirado a sua fixação.
Considero que o preço do trigo antes de 1935 era l$50. As grandes colheitas de 1934 e 1935 trouxeram uma perturbação no mercado deste cereal, dando origem ao abaixamento da tabela. No regime cerealífero de 1938 novamente se volta ao preço de l$50 para o ano corrente e para os futuros conforme deliberação tomada pelo Governo» (relatório do decreto-lei n.º 28:906).
Este preço foi fixado tendo em atenção os encargos normais de produção num ano médio e considerando a área da cultura que habitualmente é destinada à produção do trigo. Com este preço a lavoura tem tido em cada ano maiores ou menores receitas, consoante o volume das colheitas; são as naturais consequências do risco de exploração, mas o sistema permite-lhes que receba na média de alguns anos o que efectivamente é justo que perceba como remuneração da cultura» (relatório do decreto-lei n.º 34:737, de 6 de Julho de 1945).
Parece terem sido considerados pelo Governo como justos, na média das produções verificadas no ciclo anterior à guerra, os preços que vigoraram.