266 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 132
Meras hipóteses, meras dúvidas, mas, a serem verdadeiras, possivelmente se poderia concluir que o aumento da área da cultura do trigo não é prova de que os preços tenham sido remuneradores.
Mas, a ser exacto verificar-se uma grande baixa nesses rendimentos complementares da exploração que vinham promovendo o seu equilíbrio talvez seja conveniente assegurar por meio de preço remunerador para o trigo os capitais necessários à sua cultura.
De resto, fala-se das dificuldades crescentes em que vem vivendo o pequeno explorador da tema alentejana - ao esforço do qual se deve principalmente o desbravamento do sudeste português -, pois esse encontra-se quase sòmente com os rendimentos da cultura do trigo.
Para estes, como cultivadores, o preço do trigo é uma questão de vida ou de morte.
Não teriam sido estes os motivos pelos quais o Governo, empenhado numa política de baixa ou de estabilidade, tivesse aberto uma excepção - posta tão frisantemente em relevo pelo Sr. Deputado Cortês Lobão- para o aumento do subsídio do trigo nesta campanha?
Mas nós precisamos de produzir trigo.
Gomo o disse um dia o Sr. Presidente do Conselho, só que há de mais prático, útil e barato é fazer do nosso Alentejo o farto celeiro ...».
O Sr. Dr. Rafael Duque afirmou: «A cultura do trigo é factor de principal importância na vida económica e social do País e, cada vez mais, condição da sua própria segurança e defesa».
Mas voltamos a perguntar: qual será o preço conveniente? Já se viu que a cultura do trigo se pratica, designadamente no Alentejo, tendo por fim a venda do cereal, o que quer dizer que cada aumento de preço tem directamente influência sobre o custo de vida geral do País, pois influi no preço do pão nosso de cada dia.
Vejo as coisas do meu lado, e o meu horizonte restrito delimita um quadro onde parece ser agora conveniente, e talvez urgente, uma política de preços que ajude o aumento da produção do trigo nacional.
Mas compreendi e admirei a prudência e coragem dos que, tendo a responsabilidade do interesse colectivo, seguiram a linha geral de uma impopular política de sacrifícios para evitar o desmoronamento das nossas economias no dia em que os preços das coisas se estabilizarem no Mundo. Se nos deixássemos ir para além do nível em que se der a estabilidade, teremos que, em vez de usufruirmos as vantagens de para ele subir, para ele descer, e, então, em troca de um bem-estar efémero, seremos esmagados por escombros.
O que se passa com a cultura da batata e a cultura da vinha não será um sinal de alarme?
Um dia agradeceremos aos que souberam ver largo e longe.
Há que continuar a exigir sacrifícios; o ponto está em que estes não diminuam as forças da produção, das quais se alimenta a nossa vida colectiva.
Mas talvez não só a preocupação do consumidor pode impedir, à luz do interesse geral, uma vigorosa política da subida de preços para o trigo.
Vejamos mais algumas dúvidas:
Parece que é de interesse que a cultura do trigo seja explorada com um grau de intensidade que se coadune com as possibilidades da terra. Ora um preço de trigo exagerado pode levar ao aproveitamento, por um sistema também exageradamente intensivo, de terras que exigem uma exploração repousada.
O bom seria, talvez, poder obter-se a forma de compensar a intensificação cultural apenas nos solos de boa e média fertilidade, pois se julga que muitas práticas que podem levar a um aumento de produção por unidade de superfície e, portanto, para o aumento da produção nacional, só são econòmicamente possíveis se o nível dos preços do trigo as permitir ou, então, estabeleçam-se regras que condicionem a exploração nas terras pobres. Se assim se não fizer ,a subida do preço do trigo poderia trazer também o grave inconveniente de provocar uma ânsia de cultura que levasse os arados a danificarem ou destruírem um admirável património que os nossos antepassados nos legaram e que temos de defender e dilatar.
Refiro-me ao sobreiro, que só em produtos de exportação trouxe ao País em 1947 um valor aproximado de 800:000 contos, valor que chegaria para pagar o trigo importado na última campanha, deixando-nos ainda disponíveis uns 500:000 contos.
Por outro lado, dentro da conjuntura agrária actual, os preços do trigo insuficientes conduzem-nos a uma baixa de produção, não só pelos motivos acima apontados, como ainda pelo facto de a lavoura se recolher à exploração das suas terras melhores, onde corre menos risco, diminuindo por isso a área das explorações de conta própria ou de arrendamento àquelas onde se empregam boas sementes, se preparam bons alqueives, se aduba convenientemente, e procura que os seareiros lhe tomem a área restante e até aumentada em sistema de parceria.
«O lavrador socorre-se da boa administração para não ser vencido pelo boa técnicas, como diz o engenheiro Franco de Sousa, mas isto dá-se com graves repercussões económicas e sociais; económicas, porque a produção diminui; sociais, porque se transfere gradualmente para obreiros de pequena resistência económica riscos incomportáveis, que acabam, depois, de os terem esgotado em trabalho, por os lançar na miséria.
Sr. Presidente: continuo a olhar o panorama através do prisma da minha deformação.
Mas, já que vim a esta tribuna para tomar parte no debate, faltaria à lealdade para com VV. Ex.ªs e para comigo próprio se não pusesse perante esta Assembleia mais algumas dúvidas que julgo merecerem meditação.
Chegado aqui, volto a afirmar a necessidade imperiosa de um preço de trigo conveniente. Mas, sabendo-se que cada tostão a mais que subimos no preço do quilograma de trigo é pago pelo consumidor, pode perguntar-se se esse salutar sacrifício que se lhe exige reverte sempre para uma lavoura trabalhando dentro de uma estrutura agrária isenta de injustiças. Queremos dizer: o sacrifício de uns não irá aumentar uma riqueza não socialmente útil de outros?
Se há injustiças ou desleixos para com o interesse geral, julgo deverem ser corrigidas, embora com aquela delicadeza com que se podem tocar assuntos agrários. Mas não devem muitos pagar pelos pecados de poucos.
Aparece-nos agora como primeira dúvida se se pode deixar ao acaso o problema dos arrendamentos, que interessam a uma tão vasta área do agro português, pois sabe-se que a percentagem de superfície arrendada atinge 27 por cento no distrito de Santarém, 30 por cento no de Setúbal, 36 por cento no de Évora, 39 por cento no de Portalegre e no Norte excede por vezes a percentagem de 60 por cento.
A exploração pelo arrendamento é uma forma simples de tornar possível o acesso à terra dos que, tendo aptidões para a explorar, não dispõem, no entanto, dos capitais necessários à sua aquisição. Mas se não for estabelecida a «renda justa», se não for garantido um prazo mínimo e asseguradas as possibilidades de indemnização dos melhoramentos fundiários de recuperação económica levados a efeito pelo rendeiro, temos condenada a área arrendada a poder nunca vir a revelar a potencialidade de riqueza económica e social que guarda em si.