276 DIÁRIO DAS SESSÕES-N.º 132
torias agrícolas -, seria sempre difícil de determinar o que é que desses melhoramentos constituía obrigação normal contratual e qual a quota-parte de benfeitorias.
Isso, sob o ponto de vista de ordem pratica, só se poderia resolver por um pleito judicial, a que o caseiro normalmente não se afoitaria, prevenido por aquele velho conselho, de aplicação corrente: «Com teu amo não jogues as pêras».
Ora, para não se sujeitar a tal situação e evitar um presumível prejuízo, o que acontece é o seguinte:
O arrendatário não faz benfeitorias, não melhora a terra, não aperfeiçoa a cultura e, mesmo quando a renda é sabida e tem de a pagar inteira ao senhorio (se este é duro e não aceita a costumada lamúria: «não colhi, não deu mais, não posso pagar a renda», etc.), vai buscar a outras fontes de rendimento o necessário para complemento da renda.
Trata, portanto, de tirar da terra o mais possível, não vá ser em breve despedido, e, como o senhorio não tem parcela no gado, despreza as culturas cerealíferas e prefere as herbáceas para a engorda.
Como consequência, o desprezo ou menos atenção para as culturas cerealíferas, o empobrecimento e esgotamento da terra por falta de benfeitorias, de compensação sempre aleatória, isto por uma parte, e, por outra, ausência de interesse do senhorio pelo risco que advém de lhe ser de um momento para o outro entregue a terra, o que implica a mudança de arrendatário, sempre, de momento, susceptível de produzir, pelo desarranjo que causa, ainda maior quebra na produção.
Se calcularmos em apenas 25 por cento a percentagem dos rendeiros e parceiros em referência ao total dos produtores (proprietários rendeiros e parceiros) e partindo da base da produção total no continente dos 300.000:000 de quilogramas anualmente, pertenceria àqueles 75.000:000 de quilogramas, e, partindo da hipótese de que, devido às circunstâncias apontadas da manifesta imperfeição dos arrendamentos rústicos, a produção sofre uma quebra de apenas 35 por cento, teríamos anualmente um prejuízo de 18.700:000 quilogramas como resultante das deficiências do arrendamento rústico. 18.750:000 quilogramas - cerca de 34:000.000$.
Parece-me que vale a pena o Governo debruçar-se sobre este aspecto do problema, por forma que numa futura revisão do contracto de locação seja ele devidamente considerado em ordem a assegurar-se a senhorios e arrendatários uma posição de mútua estabilidade e confiança, bem necessárias ao fim, que se tem em vista, de aumentar e melhorar as produções.
E eu sinto-me feliz se, ao ser aprovada nesta Câmara a moção que foi apresentada, ela contiver em sua essência, como me parece, aquela sugestão, que reputo aproveitável.
Tudo isto, porém e em meu critério, são remédios passageiros, embora se tornem de extrema necessidade.
Porque não basta criar condições de se produzir mais e melhor em vista ao consumidor. É também preciso criar condições que possibilitem o produtor nessa tarefa. Há que tê-lo em conta, que contar com ele.
Por isso se preconizam alguns meios tendentes a essa finalidade imediata.
Sem dúvida a adopção dos métodos de mistura de diversas farinhas panificáveis preconizados pelos ilustres autores do aviso prévio são também um meio, e bem sugestivo e importante, de se valorizar a posição do produtor sem se menosprezar a posição do consumidor.
Por isso mesmo dou toda a minha aceitação à doutrina aqui exposta por SS. Ex.ªs, mas com a esperança de que da adopção dos métodos preconizados resulte também (e não só para os produtores de trigo) para os produtores dos cereais modestos (o milho, o centeio, a cevada) uma melhoria de situação pela atribuição de preço compensador.
Estou mesmo convencido de que só por uma repartição equilibrada e equitativa dessa mais valia a atribuir aos produtos é que poderia resultar algum estímulo para que o produtor de milho ou dos outros mencionados cereais se sentisse solicitado a colaborar eficientemente no desenvolvimento desse plano.
Creio firmemente que pela adopção de medidas que estimulem a produção de todos os cereais continentais poderemos vir a conseguir resolver, ao menos para o presente, o problema do pão.
Para futuro, porém, com o crescimento da população do Pais, por um lado, e, por outro, com o condicionamento apertado da emigração para os outros países, parece-me que o problema só poderá ter uma solução capaz com a reimplantação do nosso destino atlântico.
Ontem levámos a cruz e, com ela no peito, evangelizámos- o que quer dizer, civilizámos.
Levaremos amanhã o arado, para, semeando e lavrando, podermos assegurar o pão, senão já para nós, para nossos filhos.
Entretanto rendamos homenagem ao homem que em uma das suas últimas mensagens aponta à velha Europa, cansada e sobrepovoada, o verdadeiro caminho para a sua recuperação, quando lhe lembra que, por um destino providencial, detém nas suas mãos esse inestimável tesouro que é a imensa África.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. André Navarro: - Sr. Presidente: sendo hoje a primeira vez que uso da palavra nesta sessão legislativa, quero apresentar a V. Ex.ª os cumprimentos do meu mais elevado apreço.
Continuam em discussão os avisos prévios dos Srs. Deputados engenheiro Nunes Mexia e tenente-coronel Cortês Lobão sobre os problemas do pão e da crise cerealífera alentejana. Estes assuntos foram focados com um tal brilhantismo por estes nossos dois ilustres colegas que seria, na realidade, pretensioso da minha parte acrescentar qualquer nota valiosa ao que já aqui foi dito.
Porém, o facto de ter observado durante os difíceis anos da guerra, e por prisma especial, estes problemas, mercê das funções que exerci no Ministério da Economia, permitiu que adquirisse conhecimentos que pertencem, na realidade, ao País. Eis a razão por que subi a esta tribuna disposto a prestar o meu modesto concurso na análise de problemas de tão grande interesse na vida nacional.
Sr. Presidente: o problema dos cereais e o problema do pão nosso de cada dia não são problemas de hoje. Desde os meados do século XIII temos vivido quase sempre em redime de déficit de produção cerealífera.
Durante a dinastia de Ávis importavam-se já quantidades muito elevadas de cereais. O trigo do mar, como era conhecido então o cereal importado, era oriundo da Flamlres, da Dinamarca, da França, da Inglaterra, da Sicília, da Mauritânia e, nos anos mais fartos, dos nossos vizinhos de Castela e da Andaluzia.
Alguns períodos de maiores faltas estão mareados nu História Pátria em caracteres bem negros, exprimindo fome, prelúdio de pestes que dizimaram intensamente, em várias épocas, a população do Reino.
A causa destas quebras da produção era umas vezes o excesso de chuvas, noutras a estiagem prolongada. «A irregularidade desconjuntante do clima», de que nos fala mestre Sertório do Monte Pereira, verificou-se, desde sempre, nas planuras semiáridas do Sul.