12 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 55
Agora a ameaça é mais grave: é a de apagar no céu todas as estrelas e na consciência moral da Humanidade todas as nobres lucilações; dissolver na massa, informe da multidão a personalidade humana, essa maravilhosa floração de vinte séculos de Cristianismo; dar à actividade dos indivíduos objectivos meramente temporais e imediatos; substituir o Direito pelo interesse da Revolução, a moral pela utilidade, arrasar as fronteiras das nações, por detrás das quais se temperam os caracteres dos povos, se acumularam tesouros de civilização original, se formou o espírito das nacionalidades; reduzir o Universo a um montão de ruínas materiais e morais e levantar sobre os seus destroços fumegantes o lábaro vermelho da destruição e da barbárie, eis a ameaça que impende sobre a Humanidade. A ameaça é, portanto, mais grave, gravíssima... A unidade tem de ser mais forte.
Senhor Presidente:
Foi para vos saudar que me levantei, mas deixei-me levar por sentimentos que, naturalmente, andam pairantes nos nossos corações neste ambiente e nestas comemorações. Peço que me perdoem.
Conta-se que, entrando a argumentar num acto literário o velho e sábio Doutor Martin de Aspilcueta Navarro, que ilustrou com os fulgores da sua poderosa razão as cátedras da Espanha, de Portugal e da Itália, começou por se desculpar, dizendo: «Licet deliro seni delirare». Faço minhas as desculpas do grande doutor; mas parece-me que exaltar a alta mensagem de espiritualidade e de solidariedade humana do santo que hoje comemoramos talvez fosse um a delírio perdoável...» E volto já à intenção dominante do meu brinde: afirmar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, quanto nos sentimos honrados com a visita de V. Ex.ª, que, pelos seus insignes merecimentos, ocupa na alta esfera intelectual e política de Espanha um lugar da maior representação e da mais evidente responsabilidade.
Tenho pena de que a Assembleia Nacional não esteja a funcionar e que a Constituição Política do País não permita ao Chefe do Estado a sua convocação em situações desta natureza, para recebermos V. Ex.ª naquele recinto, exclusivamente reservado nos representantes da Nação e onde rarissimamente tem sido admitidos entidades ou deputados doutras nações. Que me recorde, depois de Joaquim Nabuco, o eloquente e intemerato paladino da abolição da escravatura no Brasil, não mais foi o Regimento daquela Câmara excepcionado para esse fim. Sêlo-ia agora, sem dúvida com assentimento jubiloso da Assembleia, de cujos sentimentos para com a Espanha, para com V. Ex.ª e para com as Cortes espanholas posso ser neste momento seguro intérprete e garante. Peço a V. Ex.ª transmita às Cortes de Espanha as nossas saudações fraternais e as nossas homenagens sinceras pelo seu esforço em se constitucionalizar e servir assam eficazmente a vertebração política da Nova Espanha.
Diga-lhes, Sr. Presidente, que todos aqui compreendem e admiram a nobreza e. a dignidade das atitudes do vosso país em meio da absurda e exasperante incompreensão dos grandes responsáveis da actual situação do Mundo e da defesa da cidadela do Ocidente; diga-lhes que todos aqui compreendem e admiram a firmeza e a constância de ânimo da velha Espanha - velha e sempre moça -, acastelada na torre invencível das suas tradições sagradas, na força da sua consciência, na sua fé inabalável, frente a terríveis adversidades e à hostilidade aberta ou à simulada indiferença do Mundo. Diga-lhes que seguimos com alvoroço o seu ressurgimento evidente das devastações, dos sofrimentos, das dificuldades de toda a ordem causados por uma guerra interna em que ela já então combateu o bom combate, esse combate para o qual só agora se preparam os povos
que ainda prezam, como valores substanciais da vida humana, a liberdade, a justiça, o pudor, o direito de levantar os olhos para o azul misterioso do firmamento e as almas em ascensão ideal para Deus. Diga-lhes que esperamos com afã que no relógio da Providência soe a hora de justiça para Espanha. Diga-lhes que estamos convencidos de que esse dia de justiça já começou a amanhecer. Diga-lhes que nessa luta contra o imperialismo do mal, do ódio e da miséria nós (continuaremos atentos à lição edificante de S. João de Deus e estamos com a Espanha, que, nas manifestações do seu cavalheirismo e da sua valentia, é a Espanha de sempre, a gesta do Cid e da epopeia do Alcácer de Toledo - guarda do Castelo da Europa, como lhe chamou há pouco o vosso Chefe do Estado.
O problema instante, fundamental, da defesa do Ocidente é, neste momento, o da organização do que ficou da Europa, assolada por duas guerras devastadoras, e não foi absorvido pelo imperialismo Comunista, por forma a elevar ao máximo o seu potencial económico e militar. Problema dramático porque a sua simples posição levanta as susceptibilidades nacionais e produz quase um estado de alarme nas velhas nações históricas da Europa, ciosas da sua inteira soberania política e económica. E todavia não pode haver esperança de salvação, se a avalanche de Leste se desprender e rolar sobre o Ocidente, sem uma sábia coordenação de todas as forças de resistência e de luta.
A insuficiência da coordenação, porfiadamente tentada, deve atribuir-se, em parte, a não se terem tido em conta certas realidade históricas, em parte à introdução de critérios políticos lá, onde só devia aparecer dominante o interesse da valorização desta velha e nobre e fecunda Europa, que num ciclo relativamente curto da História criou a maior humanidade que jamais povoara a Terra e inundou o Mundo e as consciências dos mais altos fulgores da sua ciência, dos mais puros preceitos da sua moral. E se à Europa foi possível e se deve entender-se que foram úteis os particularismos nacionais para a realização dessa portenitosa obra de expansão e assimilação de raças, de alargamento do Mundo, de civilização de bárbaros, de aproveitamento das riquezas e forças naturais, porque não há-de ser possível hoje, quando o perigo é evidente, sem prejuízo das soberanias nacionais e dos regimes políticos de cada país, uma coordenação eficaz da imensa força material e moral que a Europa ainda possui e de que é necessário que tome uma consciência viril e forte?
Sr. Presidente: debruçados sobre o Atlântico, que de norte a sul do País abraça amorosamente «esta estreita faixa de terra ocidental em que se fixou a gente lusitana, atraídos pelos mistérios longínquos do mar, impelidos pelas fatalidades geográficas e económicas e pelo génio aventureiro da raça, corremos largamente o Mundo e deixámos por lá «a vida pelo Mundo em pedaços repartida». Do imenso corpo português de além-mar de outrora restam-nos ainda, disjecta membra, pedaços dispersos do nosso «próprio ser nacional, que integram indissolúvel e gloriosamente o mundo português de hoje em dia.
Estas circunstâncias são elementos dominantes da nossa personalidade nacional, alargam a nossa visão dos problemas europeus para além da Europa, dão a nossa política no Mundo uma projecção extracontinental e inclinam-nos naturalmente para uma larga, cooperação com a grande comunidade atlântica.
Mas nós vivemos na Europa e na Península, quer dizer, sentimos profundamente a solidariedade indispensável da defesa da Península e da Europa, reconhecemo-nos membros da gloriosa família das nações da Europa, herdeiros do mesmo património espiritual e moral e das suas responsabilidades no Mundo.