16 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 55
A elaboração do orçamento português obedece a prazos, de modo a que todo o trabalho esteja concluído em determinada data e a organização do orçamento seja precedida do completo conhecimento das necessidades dos serviços e das possibilidades do País em matéria de cobrança.
A matéria é regulada pelo Decreto n.º 25:538, e por força do mesmo o Orçamento Geral do Estado relativo a cada ano económico deverá estar concluído até ao fim de Dezembro anterior. Para tanto, os serviços de cada Ministério enviarão os seus orçamentos privativos à respectiva repartição da Direcção-Geral da Contabilidade Pública até 30 de Junho. É a estas repartições que pertence coordenar os orçamentos dos serviços dependentes do Ministério junto do qual funcionam e todo este trabalho tem de estar concluído até 1 de Setembro. Finalmente, a Direcção-Geral, até 20 de Novembro, procederá ao exame dos projectos do orçamento dos vários Ministérios, à organização do orçamento das receitas e à elaboração da proposta de lei de autorização das receitas e despesas, devendo submeter todos estes documentos à aprovação do Ministro das Finanças.
O conhecimento destes prazos e da mecânica da organização revela-nos o grande esforço que o Sr. Ministro das Finanças e os serviços tiveram que desenvolver com vista a poder ser subscrita a proposta com data de 4 de Novembro.
Seria de desejar no futuro uma antecipação ainda maior em relação ao referido prazo legal de 25 de Novembro. Não cremos, porém, que isso seja possível, e isto porque a proposta, necessariamente, só pode ser formulada depois de recolhidos e apreciados os elementos que constituem o chamado «processo de elaboração do orçamento» e de feito um juízo seguro e definitivo acerca das receitas e despesas no novo ano. Se se compreende que os prazos sejam encurtados por forma a conseguir-se a redução verificada este ano, já se duvida da viabilidade de uma maior antecipação, sob pena de se vir a apresentar a proposta - o que não seria justificável - em momento em que ainda não se conhece, pelo menos, o esboço do fecho do orçamento.
3. O artigo 91.º, n.º 4.º, da Constituição dispõe que compete à Assembleia Nacional autorizar o Governo, até 15 de Dezembro de cada ano, a cobrar as receitas do Estado e a pagar as despesas públicas na gerência futura, definindo na respectiva lei de autorização os princípios a que deve ser subordinado o orçamento, na parte das despesas cujo quantitativo não é determinado em harmonia com as leis preexistentes.
É sabido que o referido preceito tem sido objecto de larga crítica. Não nos propomos recapitular a controvérsia suscitada, mas nem por isso deixaremos de chamar mais uma vez a atenção para a necessidade que há de o rever, em ordem a que a Câmara Corporativa e a Assembleia Nacional sejam colocadas em condições de poder apreciar e discutir, com pleno conhecimento de causa e dispondo de informação suficiente, a proposta que em cada ano é apresentada pelo Governo para o fim de fixar as grandes regras e os limites da acção do Estado na sua vida administrativa.
Não se pretende um regresso, neste particular, ao regime constitucional anterior a 1933. A ideia de que o valor político do orçamento se deve medir pela intensidade e extensão da discussão parlamentar de que for objecto fez o seu tempo e foi sujeita em Portugal a uma dolorosa e infeliz prova.
Na verdade, por mais tentativas que no regime anterior se fizessem, a votação do orçamento dentro dos prazos legalmente estabelecidos foi sempre anseio inatingido. Vivia-se graças ao expediente dos duodécimos provisórios, mas porque a vida do Estado - e o mesmo é dizer a vida do País - não podia parar, sucessivos diplomas iam autorizando os Governos a considerar como verdadeiro orçamento a simples proposta orçamental. Entretanto, os parlamentos arrastavam-se numa discussão sem fim e sem limites, que quase sempre concluía por um aumento das receitas e pela criação de novas despesas, votadas umas e outras mais em obediência a razões de interesse local ou de grupo político do que em subordinação a um alto pensamento e a uma ideia de conjunto sobre as necessidades do progresso e bem-estar do País.
Com a Constituição de 1933 não se deu às câmaras o direito de estudar, discutir e votar o orçamento, mas nem por isso deixou de ter um largo interesse político a apreciação da vida administrativa e financeira do Estado.
Ao Governo passou a pertencer a organização do orçamento, mas os seus poderes foram sujeitos a regras de limitação, por via de expressas disposições constitucionais, onde certamente se tiveram em vista os novos princípios e o novo processo orçamental. Neste sentido, é, por um lado, o artigo 63.º da Constituição a estabelecer a unidade do orçamento, isto é, a obrigação de conter a totalidade das receitas e despesas públicas; é, depois, o artigo 04.º, que manda que o orçamento seja organizado em conformidade com as disposições legais em vigor e, em especial, com a lei de autorização das receitas e despesas; é, ainda, o artigo 66.º, pelo qual se impõe o salutar e indispensável princípio do equilíbrio orçamental.
À Assembleia Nacional ficou, por seu turno, aberto vasto campo ao exercício de uma larga acção política em matéria financeira. Sem falar no direito de fiscalização que lhe assiste, e pelo qual lhe cumpre vigiar o cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os actos do Governo ou da Administração -poderes que compreendem a mais vasta intervenção política -, cabe-lhe posição de relevo na própria organização do orçamento, ao conceder, negar ou modificar a autorização que o Governo em cada ano lhe tem de pedir para pôr em vigor aquele.
A experiência da técnica actual está feita, tantos são já os anos de vigência da Constituição, e não há que pôr em dúvida a excelência dos princípios, pelo menos nos seus aspectos gerais: orçamento organizado e posto em execução pelo Governo; lei de autorização estudada pela Câmara Corporativa e apreciada, discutida e votada pela Assembleia Nacional. Na vigência destas regras, durante todos estes anos e através das mais adversas vicissitudes, foi possível manter sempre o equilíbrio orçamental, sanear o defender a moeda, prestigiar Portugal e levar a cabo um sem-número de realizações do mais alto valor para o progresso do País.
Não obstante, reconhece-se que a crítica ao artigo 91.º, n.º 4.º, da Constituição tem sido em si mesma uma crítica construtiva.
4. Como se fez notar no parecer do ano passado, há no orçamento duas zonas inteiramente distintas. Uma é a que se refere às receitas e às despesas certas; outra é a que diz respeito às desposas variáveis, isto é, às grandes dotações que definem uma posição ou uma política de Governo e quer constem do orçamento extraordinário, quer do ordinário.
A Câmara Corporativa não defendeu então, como não defende agora, a modificação da matéria relativa às receitas e às despesas certas. Com efeito, dada a forma como tecnicamente são calculadas as receitas e que se resume necessariamente a uma estimativa ou previsão do rendimento provável com base nas taxas dos vários impostos e em regras de avaliação automáticas, não tem interesse político ou técnico apreciar as receitas através