28 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 55
Agora, que a Lei de Reconstituirão Económica atingiu o seu termo de vigência, virá a propósito fazer-se o inventário da obra realizada. Sabemos que o Governo tem entre mãos este trabalho. Servirá o mesmo unicamente para dar conta do que se fez e de como foi possível ganhar-se em poucos anos todo o tempo perdido ou mal utilizado? Cremos que não, mas também para se poder partir desse balanço para uma nova lei que em si mesma contenha as novas directrizes para um novo período.
Sabemos hoje o que nos convém, e pode dizer-se que muito poucos serão os grandes capítulos das necessidades portuguesas que ainda não foram considerados em leis fundamentais visando a definição da política a seguir. Aí estão às leis da electrificação nacional, da reorganização das indústrias, do povoamento florestal, da hidráulica agrícola, da colonização interna, da utilização dos combustíveis nacionais, dos melhoramentos rurais, do fomento mineiro, dos portos comerciais e de pesca, da rede rodoviária, da rede telegráfica e telefónica - todas elas a fixar doutrina e acção e constituindo como que as linhas secundárias do plano de conjunto que necessariamente deverá ser traçado em substituição e seguimento da Lei de Reconstituição Económica.
29. No momento presente o problema português, quanto a nós, é mais um problema de enquadramento de necessidades e possibilidades; mais concretamente, o seu fundo reside na definição de qual deva ser o melhor aproveitamento dos recursos financeiros do País para as realizações do maior interesse e necessidade.
É sólida a situação financeira, mas a natural modéstia dos nossos recursos em dinheiro, em mão-de-obra especializada, em maquinaria, em materiais, não permite uma concentração de tarefas sem sujeição a uma ordem de preferências e de possibilidades; como também o não consente o rendimento das indústrias que teriam de trabalhar para satisfazer as nossas requisições e que, em Portugal e lá fora, têm capacidade de produção limitada, sendo certo que as do estrangeiro só com dificuldade vão correspondendo ao grande esforço da Europa ocidental no sentido de uma rápida recuperação.
Teremos de ser realistas, fugindo a planos fora dos nossos meios e condições; teremos de ser prudentes na definição de um programa e firmes e persistentes na sua execução.
Os recursos financeiros para o novo período considerado só poderá o Governo ir buscá-los à receita extraordinária e aos saldos das contas de exercícios findos.
Para uma obra de tanta envergadura e magnitude, não supomos adequado nem conveniente não contar com a ajuda das economias particulares naqueles empreendimentos de fomento que devam ser levados a cabo através de sociedades e empresas privadas.
Graças à modificação operada nos últimos anos nos costumes e mentalidades, o português médio já hoje se afoita a colocar os seus capitais em empresas de interesse público. O que se passou com as hidroeléctricas é indicação que deve sor meditada e serviu de processo educativo para o efeito. Mas se se quiser contar com as economias particulares - e não se vê que possa ser de outra maneira - para o fomento económico e aumento da riqueza nacional, haverá que as tratar por forma a que os naturais riscos que estes empreendimentos comportam e a imobilização de capitais sem rendimento durante alguns anos sejam considerados no cálculo das margens de lucro das empresas, de modo a que as reservas financeiras dos particulares não se afastem para outras aplicações de menor interesse e conveniência.
30. Na alínea a) do § 1.º do artigo 16.º da proposta fala-se no fomento das colónias.
Fomentarem-se as colónias com vista à valorização dos seus recursos naturais, criarem-se nelas condições próprias para a instalação de novos braços, elevar-se o nível de vida e o grau de civilização dos indígenas é obra de interesse próprio e de acuidade no momento presente.
Nós somos, e ninguém nos pode negar a virtude, pelo sentido cristão que temos da vida e por qualidades próprias da raça, um povo de missionários e colonizadores. Dispersos pelas mais distantes e variadas terras, lutando contra a adversidade do clima, afastados do meio em que nascemos e nos criámos e tantas vezes da própria família, nós fomos pelos séculos fora desbravando os sertões, revelando e explorando riquezas para o Mundo e civilizando raças e povos ao nosso familiar e paternal jeito de educadores carinhosos, mas firmes. E hoje, graças à política do Governo Central, ao mérito das administrações coloniais e ao génio e patriotismo dos portugueses de além-mar, os nossos territórios ultramarinos são exemplos de como pode coincidir a solidariedade de europeus e indígenas no mesmo amor a Portugal e de como a política colonial portuguesa foi e é factor de desenvolvimento pacífico, realista e eficiente de territórios e povos.
A experiência do valor e mérito da nossa política colonial está feita. Só há que prosseguir nela com os mesmos métodos e objectivos de sempre, sem nos deixarmos perturbar ou influenciar por novas ideias ou tendências que ignoram o que nós levámos mais de quatro séculos a aprender.
A referência ao fomento das colónias que o Sr. Ministro das Finanças faz na alínea a) do parágrafo em apreciação encontrou o melhor eco nesta Câmara, mas, se é certo que à livre iniciativa dos portugueses caberá sempre papel de relevo - senão o mais saliente - no desenvolvimento da riqueza ultramarina, a verdade é que, como até agora, ao Estado deve pertencer a criação das condições necessárias ao fim que nos propomos como povo de missionários e colonizadores: a valorização dos territórios, o aumento da população, a elevação do nivel de vida e do grau de civilização dos indígenas.
Como na metrópole, também nas colónias as necessidades devem ajustar-se ao seu grau de interesse e conveniência e também aqui devemos ser realistas e prudentes. O enquadramento num plano de conjunto, embora circunscrito a cada colónia, da preferência a dar aos problemas da saúde, do ensino, dos transportes, da energia, da conservação dos solos, da agricultura, das minas, da silvicultura, da indústria, da armazenagem dos produtos, do urbanismo, das telecomunicações, todos eles merecendo de há muito o nosso cuidado e sido objecto de estudo e de princípio de solução, afigura-se-nos trabalho a levar a cabo numa primeira oportunidade.
31. O artigo 17.º da proposta encerra matéria nova e destina-se a fixar as directrizes a observar na utilização dos empréstimos às câmaras municipais, dos auxílios financeiros a prestar por outros serviços do Estado, como a Junta de Colonização Interna, dos financiamentos e comparticipações pelo Fundo de Desemprego, e também na aplicação das verbas especialmente inscritas no Orçamento Geral do Estado, como despesa extraordinária, para melhoramentos rurais. Deseja-se que auxílios, empréstimos, financiamentos e comparticipações obedeçam a uma ordem de preferência e sejam unicamente destinados a pequenos melhoramentos agrícolas, designadamente obras de rega; a povoamento florestal com fins económicos; a defesa ribeirinha; a electrificação rural e abastecimento de água às populações; a estradas e caminhos de interesse local; finalmente, a construções de edifícios para a instalação de serviços.