O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

284 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 70

Gente nova de Portugal, prezados jovens do meu país, erguei os olhos, volvei-os aos horizontes largos, lembrai-vos de que a Pátria e o Futuro não são apenas uma estreita repartição do Terreiro do Paço ou um cubículo de uma comissão reguladora, aceitai estòicamente sacrifícios na tarefa de desbravamento, de iniciativa, de engrandecimento que se impõe aquém e além-mar!
Há poucos anos o Governo Inglês editou uma série de brochuras - de que possuo alguns espécimes -, das quais constavam as descrições detalhadas dos requisitos, dos preparatórios, dos cursos e das perspectivas de emprego para mais de uma centena e meia de carreiras masculinas e femininas, as mais variadas. Não eram omitidas as qualidades morais entre as condições de acesso e figuravam na série algumas profissões menos vulgares entre nós, como dança, apanha de mel de cortiços, linguística, psicologia, publicidade, serviços de reabilitação, peritagem de avaliações, etc.
Não me parece que seja uma tal propaganda a mais necessária entre nós, mas impõe-se que, através do ensino, desde o mais elementar, e por todos os "meios de publicidade, se difundam o respeito por todas as profissões, a ideia de que devem ser concordantes com as exigências especiais de cada uma destas as condições individuais dos candidatos, mesmo a notícia de que já hoje possuímos meios para determinar cientificamente as vocações, sendo um erro - talvez mesmo um crime - das famílias persistirem na mania de, em vez de considerarem os cursos como instrumentos de formação e cultura, pretenderem apenas fazer deles os degraus para empregos ambicionados, sem olharem ao indispensável ajustamento das aptidões às actividades correspondentes.
Apoiados.
Toda a profissão exercida com amor, dignidade e competência é honrosa. O trabalho honesto dignifica, seja ele qual for. Não há profissões degradantes.
Não resisto à tentação de relatar alguns factos que ainda recentemente presenciei nos Estados Unidos. Encantou-me não encontrar ali classes nos comboios e verificar que tanto possui automóvel o banqueiro ou o director dum grande estabelecimento como o mais modesto operário.
Um milionário não se distingue dum trabalhador modesto pelo trajo, pela sua mesa ou pelas atitudes. Estive em casa uns e doutros. O único título de nobreza dum milionário é fundar Universidades e hospitais.
Claro que se trata dum país novo e rico, em que o nível de vida é alto para todos. O problema é mais difícil nos países pobres e naqueles em que os séculos consolidaram tradições de gerarquia.
Mas o que desejo sobretudo acentuar como exemplo que sugere meditação e aplauso é a naturalidade com que ali se põem no mesmo plano de respeito profissões como as chamadas liberais e os serviços mais modestos de trabalhadores manuais. É que uns e outros, todos, concorrem para o bem comum e são necessários. Contarei alguns episódios que vêm a propósito.
Tinha eu ido jantar com colegas portugueses à International House, magnífica residência de 600 estudantes dos dois sexos, fundada por Rockfeller junto da Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque.
Depois de jantar, conversávamos no bar, tomando o café. Tínhamos falado com estudantes das mais variadas nacionalidades. De repente, diz-nos alguém: a Os senhores são portugueses?»: À resposta afirmativa, a .mesma pessoa esclareceu: «Eu também sou, e este meu companheiro (o que estava a seu lado) é brasileiro». Sentaram-se junto de nós.
Era um jovem de Macau que concluíra um curso de agronomia na Califórnia, como o brasileiro que o acompanhava. Ouvindo-nos ao fim de alguns minutos de agradava! conversa anunciar o propósito de irmos para a cidade baixa de Nova Iorque, a fim de recolhermos ao nosso hotel, ofereceu-se para nos transportar no seu magnifico automóvel, que o esperava junto da residência.
Não me contive sem lhes dizer que deviam ser grandiosas as mesadas recebidas das famílias, de modo a permitir-lhes o luxo de tão belos carros.
Esclareceram-nos, porém: «Não. As mesadas dão-nos apenas para viver. Se queremos automóvel, inscrevemo-nos na estação própria como ceifeiros nas searas' da Califórnia e lá ganhamos o bastante ...».
Na International House soubemos também que estudantes que não dispõem de recursos para a sua sustentação os obtêm prestando serviço na limpeza, no restaurante ou na cozinha da residência ou até de estabelecimentos comerciais da cidade.
Um médico altamente graduado conheço que, durante os seus estudos de aperfeiçoamento na América, resolveu, num período difícil das suas finanças, recorrer ao mister de lavar copos, limpar mesas e fazer carretos e arrumações numa cervejaria. Passou assim um ano.
Não cito estes factos para aconselhar os nossos intelectuais desempregados a fazerem o mesmo. Reputo lamentável que intelectuais especializados e competentes tenham de recorrer a tais soluções de vida, em vez de cultivarem os domínios em que são competentes e onde poderão prestar .serviços que não prestam em tais sectores de trabalho em que qualquer não especializado serviria com eficiência.
Mas, sem trocar o meu modo de ser de europeu pelos figurinos americanos, não posso deixar de manifestar simpatia pelos seguintes factos: ali ninguém se sente diminuído por exercer qualquer profissão honesta, como nenhum dos jovens intelectuais arvorados em ceifeiros ou moços de cervejaria era de qualquer modo rebaixado no conceito dos outros. Pelo contrário! Como é nobre, de facto, lutar assim pela vida!
Nós, infelizmente, não somos educados assim. Todos deveríamos ter capacidade para exercer, se preciso fosse, uma profissão manual. Devemos reconhecer que passou o tempo em que mecânicos e mesteirais eram subalternos na hierarquia profissional.
Recordo a página humorística de Daudet no Port Tarascon em que as direcções-gerais das repartições várias trocam entre elas ofícios em barda por causa da chuva que entra por um buraco do telhado no barracão em que estão instalados os departamentos governamentais, e só cessa de cair quando, em vez dos ofícios, uma moça desembaraçada tapa simplesmente aquele buraco com uma chapa de zinco ...
E recordo também a minha tristeza quando, num longínquo país exótico, alguém, ao ver-me pegar num pequeno embrulho ou pacote, me avisou amavelmente de que não fizesse tal, pois a minha categoria oficial e pessoal sofreria se fosse eu o portador do embrulho e não antes um humilde serventuário indígena ... Que atraso social isto revela!
Retomando o fio das minhas breves considerações, direi que só há uma verdadeira hierarquia, não a de diplomas ou de títulos sem conteúdo positivo, mas a da capacidade e da idoneidade reais para as actividades úteis à colectividade, entendendo-se a utilidade num sentido largamente pragmático.
Contava eu a pessoas amigas -algumas delas com muito mais largo conhecimento da vida americana do que eu as minhas impressões da América e tive ocasião de me referir à relativa equiparação de salários e vencimentos que lá há entre profissões que, entre nós, estão em planos hierárquicos muito diversos.
Disse eu, por exemplo, que conheci ali um carpinteiro que ganha tanto, ou quase, como lá ganha um professor universitário.