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858 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 98

mente pelos seus instrumentos próprios - a escola, o livro, a imprensa, a tribuna, a Universidade, a Academia, o teatro, o fonograma, o cinema, a rádio -, mas um acto de natureza e de extensão política. O princípio de que os estados não devem intervir na evolução do fenómeno linguístico e muito menos legislar sobre ele (as línguas, organismos vivos, são os povos que as fazem, os escritores que as fixam, os gramáticos que depuram as formas e deduzem as leis) encontra-se em certa medida ultrapassado pela concepção do vernáculo como facto social e bem comum das nações. Os estados reconheceram geralmente a necessidade de instaurar uma política da língua, conjunto de medidas e de providências, mais ou menos eficazes, no sentido da defesa, unidade, expansão e prestígio do idioma nacional. No domínio interno, a política cia língua confunde-se com a política do ensino, na medida em que procura criar, na escola e na vida, uma nova consciência do valor que o domínio do idioma, ou dos idiomas, atribui ao homem moderno, hoje consideravelmente diminuído na sua capacidade de expressão pelo desequilíbrio resultante, por um lado, do excesso de preparação técnica, por outro, da carência de formação humanista. A reforma da pedagogia gramatical na escola popular (Dauzat), destinada a produzir, não sabres em série que analisem com perfeição um texto - o que interessa mediocremente - mas cidadãos capazes de falar bem e de escrever bem a sua língua; o desenvolvimento das humanidades no ensino médio, dentro dos limites em que ele seja indispensável à valorização da personalidade humana; a reabilitação das especialidades universitárias pobres, em especial da filologia, activando a investigação científica no domínio da língua - estas e outras formas de intervenção são comuns às duas políticas. As nações que instauraram uma boa política do ensino têm meio caminho andado na política linguística, que se exerce pelos mesmos instrumentos e se caracteriza pelo mesmo espírito didáctico: organização e dotação de academias ou de sociedades de escritores, gramáticos, filólogos e lexicógrafos, que especialmente se ocupem dos cânones da língua (dicionários, vocabulários ortográficos e ortoépicos, gramáticas, atlas linguísticos); determinação, estabilização e unidade das normas ortográficas nacionais em harmonia com os trabalhos dos técnicos, função que transcende os limites da política interna quando o idioma é comum a outras nações; mecenato literário (estímulo da produção de obras que constituam, na sua pureza, padrões actuais da língua); utilização da rádio, do fonograma e do teatro (companhias itinerantes) na lição da norma ortofónica; propaganda da boa linguagem, realizada pela imprensa e pela radiodifusão ,(consultas, questionários, corrigendas gramaticais, vulgarização filológica); «polícia linguística», expressão e comodidade que compreende a acção de defesa contra o solecismo, o estrangeirismo, as várias formas de corrupção do génio da língua (tabuletas, letreiros públicos, anúncios, legendas de cinema, tecnologias desportivas morfologicamente imperfeitas, publicações estrangeiras vertidas em português incorrecto por tradutores não portugueses). Toda esta função de polícia, de propaganda e de didáctica popular se exerce, aliás, como extensão do ensino nacional. Desenvolvendo o ensino, o Estado estimula, dirige e coordena a obra de defesa da língua; zela aquilo que, não sendo de ninguém, pertence a todos; evita que se converta em logradouro público o que deve ser riqueza colectiva e orgulho comum.

4. A política exterior da língua reveste-se de aspectos mais delicados do que a sua política interna. Tem por objectivo a expansão internacional do idioma, como meio de influência política, intelectual e económica. É, em maior ou menor escala, o «imperialismo linguístico». Só podem exercê-lo com êxito estados representativos de vastas culturas históricas que disponham de línguas de fácil difusão. Começa por exportar-se a escola, com ou sem reciprocidade de tratamento (institutos da língua funcionando junto das embaixadas e legações; leitorados e cátedras nas Universidades estrangeiras; permuta de professores; missões de estudantes; informações pedagógicas internacionais); depois exporta-se a língua por todos os veículos de cultura de que dispõe o país exportador (a conferência, o livro, a revista, o jornal, o teatro, o cinema, a rádio). Às vezes sobre uma única nação-cobaia fazem-se, em ofensivas diplomáticas sucessivas ou simultâneas, experiências de competição de imperialismos antagónicos (inglês, francês, alemão, russo). Outras vezes a corrente de interesse orienta-se na direcção inversa: é a nação imperialista que abre as portas das suas Universidades ao ensino de línguas estrangeiras, quando carece de armar-se com o conhecimento dessas línguas como instrumentos de acção económica. Todas as nações, mesmo as de influência restrita e de línguas inacessíveis, são aliás interessadas em alargar o campo de expansão do seu idioma e da sua cultura, tendo algumas vezes feito para isso, ou mostrando-se dispostas a fazê-lo, o sacrifício do alfabeto nacional (cirílico, grego, árabe). Depois dos tratados de paz de 1919-1920, que procuraram inspirar-se no princípio das nacionalidades, a dispersão das minorias étnicas obrigou algumas chancelarias a intervir diplomaticamente para assegurar a essas minorias o direito do uso e ensino da língua materna. Nas nações bilingues e trilingues a luta entre as línguas nacionais (por exemplo a dos valões e a dos flamengos, na Bélgica), sugerindo, nas suas crises agudas, o dilema da federação ou do separatismo, reveste-se por vezes de aspectos que não são apenas de carácter interno. A situação, porém, mais difícil no domínio da política internacional da língua é a das nações cujo idioma imperial se tornou condomínio de outros grandes povos, sua projecção étnica e histórica no Novo Mundo, e que naturalmente se interessam por que a língua comum, a despeito das inevitáveis variações ortoépicas consequentes da transplantação, mantenha a unidade intercontinental da sua expressão escrita. E o caso de Portugal, da Espanha, da Grã-Bretanha e, até certo ponto, da França. O melindre das negociações diplomáticas respectivas à unidade (além de outros aspectos de ordem psicológica) reside na dificuldade de conciliar dois direitos igualmente respeitáveis: o direito, que assiste às nações americanas, de usar como melhor entendam as suas línguas nacionais e o direito, que tem de reconhecer-se também às nações-mães dessas línguas, de desejar que elas sejam quanto possível respeitadas pelos povos que as adoptaram. O actual chancelar do Brasil, embaixador João Neves da Fontoura, apresentou a questão com luminosa clareza ao receber, na Academia Brasileira de Letras, o escritor argentino Aráoz Alfaro: «As línguas portuguesa e castelhana são deles, portugueses e espanhóis; nosso é apenas o direito de as usar». Mas, se por um lado é assim (a herança de uma língua, como a de um grande nome histórico, obriga ao respeito do valor moral que se herdou), também não parece aceitável que qualquer das três antigas metrópoles - criadoras de impérios e mães de povos - introduza, mediante acto unilateral, alterações sensíveis no regime da língua, designadamente no regime ortográfico - sua expressão concreta e estável -, sem a colaboração e acordo das nações que na América a usam. O princípio da colaboração intercontinental, quer dizer, a «política da unidade», já de maneira geral foi adoptado pelas grandes empresas lexicográficas privadas inglesas e norte-americanas (Philological Society, New Standard Dict); e parece