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14 DE ABRIL DE 1951 859

que também o vai adoptar o Seminário de Lexicografia da Real Academia Espanhola. Coube, porém, a Portugal e ao Brasil a honra de haverem sido os primeiros países a considerar francamente o problema no plano internacional, ou intergovernamental, pela assinatura da Convenção de 29 de Dezembro de 1943, instrumento diplomático sui generis, que o notável filólogo Prof. Ramón Menéndez Pidal recomendou como exemplo à Espanha e às nações íbero-americanas, e nos termos de cujo artigo 3.º o statu que ortográfico só pode ser alterado por acordo entre os dois Governos, ouvidas, como órgãos consultivos, as duas Academias. Nem todas as nações, porém, em regime de condomínio atingiram ainda tão elevado grau de perfeição na política da unidade, porque nem em todas elas o problema se apresentou com o mesmo carácter de urgência e de necessidade. A política de expansão teve recentemente o seu jubileu durante a crise de exacerbação dos nacionalismos da Europa. A política da unidade encontrou a sua mais típica expressão nas negociações linguísticas luso-brasileiras. É a expansão que faz o prestígio das línguas; mas é na unidade que reside a sua força.

II

5. A difusão universal da língua portuguesa foi a consequência da política das navegações e dos descobrimentos e culminou aio século XVI com a expansão do imperialismo português no Mundo. Não houve de início propriamente uma «política da língua»; houve uma língua ao serviço de uma vasta política de domínio económico, de investigação científica e de evangelização cristã. Levámos connosco a língua na nossa deslumbrante aventura; conduzimo-la em triunfo até aos confins do Oriente; demos com ela a volta ao planeta; fizemos dela a melhor das propagandas - propaganda pela acção -, sem ter de nenhum modo ia intenção de a fazer; vimo-la pulular em dialectos na índia, tomar-se língua diplomática com os reis de Ceilão, língua jurídica com os tabeliães de Batávia, língua comercial com os traficantes da Arábia, da Pérsia, das Molucas, da China e do Japão; e a nossa vocação universalista foi de tal ordem que não nos contentámos em levar uma parte considerável da humanidade a falar como nós; aprendemos também a falar como ela; fomos, nas mesmas/línguas dos povos orientais, os seus catequistas e os seus pedagogos. E nossa a .primeira gramática japonesa; nosso o primeiro dicionário sino-português; nosso o primeiro glossário tamul. Basta ler o que da prodigiosa influência da língua portuguesa no Oriente nos dizem os Fokker, os Schuchardt, os Murakámi, os Marre, os Heyligers, os David Lopes, os Sebastião Dalgado. Hoje a ipropagaiida da língua faz-se decerto com mais comodidade, mas com menos êxito e, decerto, com menos brilho. Outrora não precisámos de defender a língua, a não ser, episodicamente, contra Maurício de Nassau, que não queria que se falasse português em Java; hoje temos de defendê-la de nós próprios. Devido à acção benemérita da antiga Junta da Educação Nacional e do actual Instituto para a Alta Cultura, ensina-se hoje a língua portuguesa em muitas Universidades europeias (Paris, Bordéus, Poitiers, Montpellier, Toulouse, Londres, Oxford, Liverpool, Madrid, Salamanca, Santiago de Compostela, Colónia, Hamburgo, Heidelberg, Bruxelas, Zurique, Amsterdão, Centro Universitário Mediterrâneo de Nice); e, por iniciativa e administração dos próprios países, em Universidades americanas e asiáticas. Mas só pudemos dar execução e seguimento a esta obra considerável de expansão depois de ter resolvido um problema que durante os últimos quarenta anos, e, em especial, durante os últimos vinte, foi o ponto nevrálgico da nossa política linguística: o problema da unidade da língua portuguesa; quer dizer, o problema da uniformidade dia expressão ortográfica em Portugal e no Brasil.

6. A evolução da língua portuguesa no Brasil fez-se com inevitáveis desvios (ortofónicos, semânticos, sintácticos), o que é perfeitamente natural se atendermos às diferenças, por vezes sensíveis - mormente no domínio citoépico- existentes em Portugal de província para província. A ortografia, porém, manteve-se a mesma nos dois países até 1911, data em que entrou em vigor a reforma a que ligou o seu nome o filólogo Gonçalves Viana: uma ortografia preferentemente etimológica, em muitos casos arbitrária, não sujeita, em qualquer tempo, a revisões que houvessem assegurado a sua disciplina e (quanto possível no domínio das línguas) a sua lógica. Até aí, pode dizer-se que não existia o problema linguístico luso-brasileiro. Começou então. E os culpados fomos nós, porque a comissão de 1911 (que não era uma comissão académica, mas um grupo de gramáticos e de filólogos ilustres nomeado ad hoc pelos Poderes Públicos) entregou ao Governo a reforma sem ter previamente estabelecido contacto com os mestres linguistas brasileiros, e o Governo deu-lhe execução antes de procurar, por via diplomática, conhecer a opinião do Brasil. Éramos obrigados a fazê-lo? Juridicamente, não. Não tínhamos firmado ainda com a nação irmã qualquer acordo nesse sentido. Mas assistia-nos o dever moral de o fazer, tratando-se de um país que usava a nossa língua; e, em qualquer caso, a mais rudimentar intuição política nos aconselhava a que se praticasse esse acto de cortesia internacional. O Brasil representava já cerca de quarenta milhões de brasileiros; e o prestígio das línguas modernas - prestígio político e económico - é tanto maior quanto mais vasta for a área geográfica que essas línguas dominam. Não soubemos ser políticos; e as consequências não eram difíceis de prever. O Brasil não nos acompanhou. O Mundo encontrou-se em presença de duas línguas portuguesas de expressão escrita diferente - uma etimológica, outra simplificada. Teria sido ainda possível, mediante intervenções rápidas e cordiais, evitar o cisma iminente. Infelizmente, porém, o nosso país, a braços com as dificuldades de um regime político novo, a que em breve viriam juntar-se as preocupações da Grande Guerra, pensava nesse momento em tudo, menos na língua portuguesa. No Brasil, certos elementos, mormente as correntes de opinião nativista, aproveitaram-se do caos existente para arvorar a bandeira da diferenciação e da autonomia linguística. Alguns filólogos e dialectologistas de além-Atlântico consideraram oportuno reconhecer então a existência de uma «língua brasileira», derivada, sim, do tronco comum - o português imperial do século XVI -, mas distinta do português moderno, do qual, na sua rápida evolução, cada vez mais se distanciaria. «Se somos um povo económica e politicamente independente (diz o autor de uns Rudimentos de Gramática Brasileira publicados em S. Paulo, 1921), por que razão não havemos também de servir-nos de uma língua independente para expressar o nosso pensamento?». A repercussão deste estado de coisas fez-se em breve sentir. A baixa, do livro português nós mercados brasileiros, já acentuada, agravou-se. A nova ortografia repugnava decididamente aos leitores brasileiros, mais ainda do que, nos primeiros tempos, tinha repugnado aos portugueses. E quando, passada a guerra, pretendemos - nós por um lado. o Brasil por outro - criar leitorados e cadeiras de Língua Portuguesa nas Universidades europeias; quer dizer, quando acordámos e quisemos, na hora em que Thomas Mann pregava o «humanismo novo» e Keyserling o «ecumenismo fraterno», realizar