14 DE ABRIL DE 1951 853
Parece, portanto, Sr. Presidente, que estaria em contradição comigo próprio ao apresentar uma proposta de emenda à proposta do Governo que à primeira vista parece não conter uma alteração essencial.
Todavia, em primeiro lugar desejo acentuar que prefiro a redacção proposta pelo Governo àquela que propõe a Câmara Corporativa para o n.º 6.º do artigo 6.º, que se limita a dizer: "zelar pela melhoria de condições das classes mais desfavorecidas".
Quanto à redacção proposta pelo Governo, acho-a realmente preferível à que consta do actual texto. E porquê?
Porque me parece que ela se harmoniza mais com as condições reais do problema.
Com a redacção actual do texto, quando se dizia: "obstando a que aquelas classes desçam abaixo do mínimo de existência humanamente suficiente", o Estado afirmava, por assim dizer, apenas uma posição defensiva contra a pressão, contra a tendência natural para a miséria. Adoptando a redacção agora proposta parece que realmente o Governo se dispõe a trocar essa posição defensiva, essa posição por uma atitude de ataque e de ofensiva contra as causas da miséria.
Mas, Sr. Presidente, quando atentei nas palavras "procurando assegurar-lhes um nível de vida compatível com a dignidade humana", pareceu-me que ainda esta redacção não era suficientemente clara e peremptória para significar a obrigação em que o Estado se considera de conseguir, para todos os cidadãos portugueses um nível de vida compatível com a dignidade humana.
Com efeito, Sr. Presidente, pode parecer, por esta redacção, que neste momento o Estado ou, melhor, o Governo que o representa ainda anda procurando no mundo das teorias, no mundo da problemática, quais os meios que pode utilizar para conseguir para toda a população portuguesa esse nível de vida compatível com a dignidade humana. E eu penso, Sr. Presidente, que neste momento, depois de vinte e cinco anos de uma administração pública, como já tenho tido ocasião de dizer, que não conseguiu apenas melhorar a situação material do País mas modificar para muito melhor a psicologia e a moral da população portuguesa, o Governo Português já conhece, já tem à sua disposição, os meios necessários para evitar que haja em Portugal quem tenha um nível de vida inferior àquele que é compatível com a dignidade humana.
Quais são esses meios, Sr. Presidente? Peço licença para dizer algumas palavras em resposta a esta interrogação, que, de certo modo, justificam não apenas esta alteração que: proponho ao texto, mas outras que tive a honra de propor a vários artigos na parte propriamente doutrinária do texto constitucional.
Os meios que eu entendo que o Estado Português tem hoje à sua disposição para realizar o ideal que promete no n.º 6.º do artigo 3.º são, por exemplo, a instituição do salário mínimo para todas as modalidades do trabalho, a instituição do salário familiar, as medidas já preconizadas na Constituição para a defesa da família, o princípio da possível associação do trabalho à empresa, o reforço das verbas destinadas a assistência pública, a descentralização na aplicação dessa forma de assistência e, ainda, o estudo cuidadoso da revisão do problema da previdência subordinado ao critério de que não é talvez a melhor forma de fazer previdência confinar-nos dentro do critério rígido da teoria da capitalização, mas sim combinar sabiamente, acertadamente, o doseamento entre a forma de previdência por repartição e a forma de previdência pela capitalização.
Foi nesta ordem de ideias que eu me permiti apresentar algumas emendas à proposta do Governo e outras sob a forma de projecto de lei em matéria que não foi abordada pela proposta do Governo.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não me repugna que neste n.º 6.º do artigo 3.º, em vez da redacção, de certo modo evasiva, de "procurando assegurar-lhes", o Governo diga à Nação: "garantindo às classes mais desprotegidas da população portuguesa a existência de um nível de vida compatível com a dignidade humana".
Desejava, Sr. Presidente, uma vez que estou no uso da palavra, fazer uma pergunta à Mesa, que porventura V. Ex.ª traduzirá numa consulta à Assembleia.
Eu apresentei um projecto de lei de algumas alterações à matéria contida no artigo 8.º da Constituição, que, por sua vez, é também objecto de alteração na proposta do Governo.
Essa alteração ao artigo 8.º consiste na introdução do direito ao trabalho e na inserção dos deveres gerais dos cidadãos portugueses, um dos quais se contém no artigo 40.º do texto constitucional.
Desejava perguntar, Sr. Presidente, se V. Ex.ª vê algum inconveniente em que na altura em que se discutirem as alterações propostas pelo Governo ao artigo 8.º da Constituição entrassem também em discussão as minhas propostas de aditamento a esse artigo, embora, como digo, não tenha parecer da Câmara Corporativa e não se refiram designadamente às alterações propostas pelo Governo.
Desejava também acrescentar que, quanto ao n.º 4.º que se propõe, na proposta do Governo, adicionar a seguir ao n.º 3.º "defender a salubridade da habitação", que lhe dou o meu voto, a minha concordância de preferência com a redacção que lhe propõe a Comissão de Legislação, contanto que realmente seja eliminado do texto constitucional o artigo 40.º, que trata da mesma matéria.
Diz o artigo 40.º:
Leu.
Parece-me que é isso mesmo que propõe a Comissão de Redacção e Legislação.
Terminando, Sr. Presidente, depois das considerações que fiz a propósito da alteração que propus para o artigo 6.º, julgo-me talvez dispensado de tomar tempo à Assembleia, fazendo a justificação das propostas de alteração que apresentei relacionadas com este mesmo assunto.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Continua em discussão.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: a Comissão de Legislação e Redacção, tendo considerado atentamente o parecer da Câmara Corporativa sobre a disposição que está a discutir-se, entendeu que devia manter-se a da proposta do Governo.
Não a convenceram as razões produzidas no parecer da Câmara Corporativa no sentido de a disposição ficar redigida nestes termos:
Zelar pela melhoria das classes sociais mais desfavorecidas.
Não nos convenceram, dizia, as razões produzidas pela Câmara Corporativa e que se cifram, no que contêm de específico, essencialmente no seguinte: não1 pode determinar-se o que há-de entender-se por nível de vida compatível com a dignidade humana. E como não pode determinar-se o que há-de entender-se por "nível de vida compatível com a dignidade humana", o melhore eliminar essa parte.
À Comissão pareceu que, raciocinando assim; se deveria ser conduzido a eliminar toda a disposição, porque também há-de ser difícil determinar o que se entende por classes sociais mais desfavorecidas.