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860 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 98

os actos necessários à expansão da nossa língua e da nossa cultura, foi-nos respondido, aliás com toda a razão: «Não é fácil ensinar a estrangeiros uma língua que, nas duas nações que a usam, se escreve de maneira completamente diferente». Cometemos um erro - e recebemos uma lição. As nações que possuem o condomínio de um idioma não podem resolver sozinhas os seus problemas linguísticos fundamentais. Convém-nos ter presente a lição de há quarenta anos. A língua não é apenas para nós um assunto de ordem interna (ensino); é, acima de tudo, um problema de carácter nitidamente internacional.

7. Data de 1923 a intervenção da Academia das Ciências no sentido de fazer cessar este estado de coisas, a que, aliás, fora até ali completamente estranha. Tendo resolvido recomeçar os seus trabalhos lexicográficos, interrompidos desde a proclamação da República, julgou aquela corporação indicado solicitar a colaboração da Academia Brasileira de Letras. Neste meio tempo, a ilustre Casa de Machado de Assis convidou o presidente da Academia das Ciências de Lisboa a visitá-la; e o Governo Português, conhecedor desse facto, expediu a portaria de 25 de Maio de 1923, encarregando o referido presidente de na sua visita ao Brasil, estudar a possibilidade de um entendimento no sentido da unidade da
língua escrita. Entrava-se, embora tarde, no caminho das negociações diplomáticas. A Academia Brasileira aceitou, em termos primorosos, a nossa proposta de colaboração, o que praticamente lhe oferecia a oportunidade da revisão, em comum connosco, do regime linguístico de 1911. Só, porém, em 1928, com a segunda investidura do Sr. Doutor Oliveira Salazar na pasta das Finanças, pôde ser inscrita no orçamento a verba necessária para ocorrer às despesas dos trabalhos lexicográficos da Academia, que imediatamente recomeçaram, sob os auspícios de quatro filólogos insignes: José Maria Rodrigues, José Leite de Vasconcelos, David de Melo Lopes e José Joaquim Nunes. Três anos depois, inesperadamente, a Academia Brasileira de Letras, em mensagem assinada pelo seu presidente, então Fernando de Magalhães, declarou que o Brasil aceitaria a ortografia portuguesa simplificada, desde que a Academia das Ciências concordasse em introduzir no sistema adoptado algumas alterações. Nem todas as alterações propostas aliás poucas - pareceram aceitáveis. Mas, «Paris valia bem uma missa», e a Academia Portuguesa, ouvido o Governo, aceitou-as. No dia 30 de Abril de 1931, o acordo era assinado solenemente, em Lisboa e no Rio de Janeiro, pelos dois embaixadores e pelos presidentes das duas Academias, e logo mandado executar, aqui pela Portaria n.º 7:117, de 27 de Junho de 1931, no Brasil pelo Decreto n.º 20:118, de 15 do mesmo mês. Bastou a simples notícia do acordo que acabava de assinar-se, para que as Universidades estrangeiras, que haviam oposto legítimas dúvidas à criação de cadeiras e leitorados da Língua Portuguesa, nos abrissem de par em par as suas portas (Junta de Educação Nacional, Relatório dos trabalhos efectuados em 1931-1933, p. 19). Se outras consequências o facto não tivesse, bastaria esta para o justificar. A paz linguística, porém, tão auspiciosamente instaurada, era uma paz de compromisso, que pouco mais durou do que o tempo que as duas nações levaram a festejá-la. Ambas as Academias se mantiveram inalteravelmente fiéis ao acordo; mas, em volta delas, e por vezes contras elas, a guerra das línguas começou - guerra de gramáticos, guerra de doutrinas filológicas, guerra de interesses criados. Laudelino Freire publicou, como expressão do acordo de 1931, um Vocabulário que diferia bastante dele. O próprio Governo Brasileiro, na intenção de restabelecer a paz ortográfica, promulgou o Decreto-Lei n.º 292, de 23 de Fevereiro de 1938, que, mantendo em vigor o acordo de 1931, introduzia nele, de facto, alterações apreciáveis. Por seu turno, a Academia das Ciências, empenhada na organização do vocabulário com que se propunha solenizar a passagem do Ano Áureo, reconheceu que não podia em consciência manter nem o acordo nem o que havia de inaceitável no próprio sistema simplificado de Gonçalves Viana. A despeito da boa vontade de todos, a situação tornara-se confusa. Mas o Vocabulário académico de 1940 salvou-a. Esse código ortográfico notável, a que o Prof. Rebelo Gonçalves vinculou perduràvelmente o seu nome, foi, logo que apareceu, adoptado como padrão da língua pelo Governo Brasileiro, cujo Ministro da Educação e Saúde, Sr. Doutor Gustavo Capanema, no seu memorável discurso de 29 de Janeiro de 1942, reconheceu e proclamou a existência de «uma só língua portuguesa em todas as partes do Mundo», convidando a Academia Brasileira a elaborar imediatamente um vocabulário igual, diferindo apenas do texto português no registo integral dos brasileirismos, flora verbal opulenta que constitui (Meyer Lubke, Leite de Vasconcelos, Antenor Nascentes) a diferença substancial do idioma usado no Brasil, e parte da qual, além do tupi e do afro-negro (Jacques Raimundo, O elemento afro-negro na língua portuguesa), proveio dos dialectos indo-portugueses, mormente do dialecto de Goa (Solidónio Leite, A língua portuguesa no Brasil). Tudo parecia resolvido. Ao receber-se, porém, em Lisboa o Vocabulário brasileiro de 1943, que devia ser a expressão da unidade proclamada pelo Ministro Capanema, verificou-se que havia entre ele e o português, seu paradigma, inesperadas divergências. Não desejou o Governo de Lisboa dar execução a um acordo a que de facto se não chegara, ou a que se chegara incompletamente, e o assunto teve de ser de novo examinado pelas duas chancelarias. A intervenção do Ministro dos Negócios Estrangeiros, Sr. Doutor Oliveira Salazar, e do Embaixador do Brasil em Lisboa, Sr. Dr. João Neves da Fontoura, conduziu-nos, clarividentemente, às duas melhores soluções:
1.º Negociar uma convenção, pela qual as duas nações se obrigassem a regular de mútuo acordo o sistema ortográfico comum, ouvidas as respectivas Academias, e a não introduzir no acordo fixado quaisquer alterações sem prévio entendimento;
2.º Reunir em Lisboa, nos termos desse instrumento, diplomático, uma conferência de delegados da Academia das Ciências de Lisboa e da Academia Brasileira de Letras, com poderes para fazer cessar, mediante cuidadosa revisão, as divergências verificadas entre o Vocabulário português de 1940 e o Vocabulário brasileiro de 1943.
A Convenção foi assinada em 29 de Dezembro de 1943 pelos dois Plenipotenciários, o Presidente Doutor Oliveira Salazar e o Embaixador João Neves da Fontoura. Nos termos da Convenção, a Conferência Interacadémica Luso-Brasileira realizou-se em Lisboa, em Julho-Outubro de 1945, tendo chegado a perfeito acordo (acto complementar de 10 de Agosto e bases analíticas de 30 de Setembro, aprovadas para execução, em Portugal pelo Decreto-Lei n.º 35:228, de 8 de Dezembro de 1945, no Brasil pelo Decreto-Lei n.º 8:286, de 5 do mesmo mês e ano). Em 1947 as duas Academias deram a lume, como expressão do entendimento a que tinham chegado, dois novos Vocabulários. Eram, finalmente, iguais. Restaurara-se, ao fim de trinta e seis anos, a unidade perdida em 1911. Mas, com maior rigor científico e sob a égide de uma convenção internacional, Carta Magna da Língua Portuguesa, nos termos da qual os dois Estados se comprometeram, não só, como ficou dito, a assegurar a unidade ortográfica intercontinental, mas a zelar em comum (palavras do próprio texto) ca defesa, expansão