906 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 101
6. Importa agora focar a posição da iniciativa privada (que na economia da presente proposta de lei parece ter sido o tópico doutrinário do legislador) na estruturação orgânica da Nação.
É fora de dúvida que o maior mérito e novidade que nacionais e estrangeiros, com conhecimentos do assunta, encontraram na teoria corporativa portuguesa e nas regras originais da sua ordenação se concentrou exactamente nesse respeito fundamental pelas virtudes criadoras da iniciativa privada.
A tendência para um corporativismo de associação e para uma tanto quanto possível autodirecção de economia foram sinais certos que se queria evitar a todo o custo em Portugal os abusos do intervencionismo e os riscos sempre graves de um crescente socialismo do Estado, mesmo com bandeira diferente.
O atraso do País, a nossa frequente carência de meios, a debilidade em muitos campos da nossa iniciativa privada e a necessidade inadiável de conseguir determinados progressos de ordem económica e social tornavam muito perigoso o ponto de partida da política nacional ao decidir-se a nova ordem de coisas.
Não teria bastado proclamar os méritos da iniciativa privada e enunciar com ela outros princípios salutares a conservar a todo o custo.
Era ainda mais importante assegurar que tudo isso fosse possível na hora em que começassem as responsabilidade» de uma intervenção na vida económica do País.
A iniciativa privada e as suas liberdades essenciais correriam evidente risco de ser a panela de barro a chocar-se com a panela de cobre do crescente poderio do Estado. Este haveria fatalmente de tornar-se mais autoritário, mais absorvente e mais intervencionista. Tudo levava a tal: desde a necessidade instante de resolver certos problemas internos até às consequências das próprias relações internacionais em matéria económica de contornos cada vez mais estatistas.
Muitas pessoas não compreenderam que, quanto mais não fosse, por motivos estritamente derivados deste último aspecto, íamos ser obrigados a realizar a cada passo actos de intervencionismo económico. Como não compreenderam também que as soluções corporativas eram a única forma de resistir à tendência ou mesmo à necessidade dessas operações de conjunto, muito próximas da economia socialista.
O Estado Português, ao lançar os fundamentos da nova doutrina, teve o mérito inegável de querer defender, quanto possível, os direitos do indivíduo e da iniciativa privada. Um dos maiores objectivos da organização corporativa foi exactamente fortalecer os direitos individuais com uma estruturação que os tornasse mais aptos a conviver com a crescente influência do Estado e a subsistir em plano mais elevado e simetricamente mais consistente. É nesse aspecto que há que entender, primeiro que tudo, as relações da organização corporativa com a iniciativa privada e não propriamente no papel de lhe dar orientação.
Essa defesa da iniciativa privada não podia apenas fazer-se com a enunciação dos princípios: far-se-ia sobretudo com o exercício dos seus direitos.
Daí a extrema importância da doutrina do artigo 7.º do Estatuto do Trabalho Nacional, que tem de ser a regra fundamentalmente informadora da intervenção do Estado nos problemas do trabalho e da produção da riqueza.
Não parece, por isso, que possa pretender fazer-se a defesa isolada dos direitos da iniciativa privada sem II situar no quadro da doutrina económica e social da Constituição e sem atentar bem nas regras do jogo de funções e de interesses que hão-de assegurar essa mesma defesa.
7. Por outro lado, é evidente que a organização corporativa não pode ser apenas consultiva. Tem de ser sobretudo funcional. Tem de existir.
As fronteiras da acção do Estado têm de ser limitadas pela presença real da Nação organizada. Por isso se não pensou inicialmente num corporativismo de Estado, que era o que estava à moda ao tempo com maior ou menor percentagem de ideias socialistas.
Pretendeu-se criar a organização corporativa na periferia da máquina do Estado com independência, património, responsabilidade, numa palavra, vida própria.
Não se alienava nada do que fundamentalmente deveria ser atribuição ou dever do Estado. Mas previa-se que tudo o que este pudesse dispensar passasse para a órbita de funções da orgânica corporativa.
A propósito do caso concreto da integração do condicionamento na nova ordem de coisas, escreveu-se no relatório da proposta de lei de 1937:
Compete também ao Estado organizar os seus próprios serviços por forma que possam acompanhar de perto os efeitos do condicionamento, quer nos preços de materiais e dos artigos produzidos, quer no nível dos salários, e, de uma forma geral, as suas consequências de ordem económica ou social. Tal aspecto pode, sem receio, afirmar-se que não logrou ainda ser encarado com a atenção conveniente. A excessiva generalização do condicionamento afogou literalmente os serviços na papelada do expediente e fez perder de vista o que existe de essencial no estudo e no rendimento das soluções que aquele comporta.
Parece, por outro lado, demonstrado que a organização corporativa oferece todas as condições para se realizar uma política económica no domínio industrial.
A experiência já feita, por exemplo, com as conservas veio provar que é possível fazer beneficiar os fabricantes das vantagens de uma organização cujos fins importam normas restritivas semelhantes às do condicionamento, sem que a respectiva indústria deixe de ser fortemente progressiva ou se arrisque a tombar na fórmula sempre odiosa dos exclusivos de muito poucos.
É-se por isso levado a admitir que o condicionamento não oferece dificuldades desde que se trate de indústrias suficientemente organizadas.
Elas próprias, através dos seus organismos corporativos ou de coordenação económica (ou das suas corporações, quando as mesmas se constituírem), terão de estudar e informar todos os assuntos agora abrangidos pelo condicionamento, atendendo aos aspectos técnico, económico e social. E, uma vez determinada a solução a adoptar (sempre sujeita a sanção superior), serão os mesmos organismos responsáveis pelo seu bom acatamento por parte dos interessados. A fiscalização do Estado passará, portanto, a exercer-se em nível diferente do actual. Os seus serviços poderão evolucionar no sentido da qualidade e da técnica, tornando-se ao mesmo tempo menos dispersos e ganhando em eficiência o que perdem em superfície de acção; as corporações realizarão, a bem dos seus interesses e do interesse geral do País, uma boa parte do trabalho que hoje se pede ao Estado; este coordenará todos esses esforços, dar-lhes-á a conveniente orientação e velará ao mesmo tempo por que aquelas cumpram dignamente as importantes funções que lhes são confiadas.
Tal maneira de ver as coisas já estava de resto muito generalizada. Basta recordar que no relatório do De-