1 DE MAIO DE 1951 1007
de Contas Públicas e ao ilustre relator, engenheiro Araújo Correia,, proponho que aprovemos o seu parecer.
Tenho dito.
Vozes:- Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: é a primeira vez que me inscrevo na discussão das contas públicas. O parecer é tão exaustivo, tão objectivo, que sinto desde já que a minha intervenção nada mais fará que acentuar, que sublinhar, o que, com tanto esmerado cuidado, escreveu o nosso ilustre relator. É um panorama económico do País, é mesmo um cosmorama dos diferentes sectores das nossas actividades. Esse parecer representa a história ido nosso recente passado económico-financeiro, o presente e o futuro económico da Nação; dele ressaltam mais do que perspectivas: a certeza de uma realidade económica de amanhã.
Diz, com razão, o parecer que se verifica um provável alívio, pelos efeitos económicos do rearmamento, «na combalida balança de pagamentos nacional», mas acrescenta que é pouco perceptível o acréscimo das actividades em certos sectores da indústria e comércio portugueses. Marca os efeitos da inflação que derivou do último conflito, mas supõe-os em parte obliterados. Releve-se-me que divirja: a inflação não me parece, mesmo parcialmente, reabsorvida nos seus tremendos efeitos económicos.
Agora mesmo está-se a repetir novamente um fenómeno curioso de inflação que, patológica e economicamente, se enquista só tem certos sectores, não se generaliza senão por retardamento, o que acarreta os mais perniciosos efeitos, normal no seu surto, por corresponder a necessidades do mercado de mais avultados meios de pagamento, acaba por contagiar a economia nacional, terminando por desvalorizar o inundo fiduciário português. O aumento de signos monetários, fundados em valorizações de preços internacionais, não devia arrastar a desvalorização da moeda, mas, por um estranho contágio, patologiza-se a circulação. Infelizmente nada se fez para contrariar esses efeitos, terrivelmente maléficos, pois nem uma simples localização por congelamento no outro surto volframista, e neste, que apenas inicia agora o seu voo, não se aproveitaram os ensinamentos do ,passado e nada se fez ou creio que se pense fazer.
O surto inflacionista feriu mais gravemente o sector agrícola, por este ter os seus produtos agrilhoados por tabelamentos de preços e sob a ameaça de importações em que a barateza supria a qualidade do produto.
No sector industrial, abertamente e francamente pela inflação, operaram-se concentrações capitalistas, das mais graves consequências político-sociais, que nem sequer foram esponjadas por uma boa redistribuição de rendimentos, por um sistema adequado tributário.
Existe uma política de recuperação económica em Portugal? Afirmo a boa vontade governamental, saliento o realizado e encareço as soluções positivas no parecer que, não escondo, me serve como text-book nesta intervenção. A bem da verdade, falta-nos unia política activa e empreendedora de capitais, os nossos capitalistas estão um pouco fora da acção do bem comum corporativo, dominados pela imaginação e apetite dos lucros imediatos e muito fora da óptica para uma boa aplicação, iluminada pelo verdadeiro interesse nacional. O Estado não pode intervir, porque a sua Caixa Geral deixou imobilizar capitais de difícil realização imediata.
Criou-se artificialmente uma psicose para um imponderado desenvolvimento industrial, menosprezando o fundo agrário da nossa economia. Honra seja a este parecer em que as soluções positivas que apresenta em matéria de planejamento industrial estão sempre ligadas, estreitamente, à prosperidade agrícola da nossa terra e não alimentam virtualidades económicas que não estejam devidamente amadurecidas e contrariem finalmente a velha índole da nossa economia.
Por agora uma inflação, em face da qual se repetem as mesuras hesitações de há anos, com o valor da moeda desprendido paradoxalmente das reservas do emissor, reservas essas constituídas por valores de divisas, como vinca o parecer, susceptíveis de sofrerem o ataque dos preços.
Sr. Presidente: as desvalorizações monetárias precipitam irreparável mente a queda das elites insubstituídas, que, de certa maneira, se «massificam», se ersatziam, fazendo, sem querer, o jogo do marxismo, ocasionando, pela viciação dos seus naturais fundamentos, o próprio desrespeito da ideia sagrada de propriedade, que passa, não a ressaltar do trabalho longo e honrado, mas tão-sòmente da chance, que nada deve à competência. A própria sociedade volframiza-se, «mestredobriza-se», desaristocratiza-se para se «faustocratizar», para viver na opulência vistosa dos faustos plutocráticos, perdendo a noção superior do bem comum para se integrar na rebusca egoísta e exclusivista do lucro.
Inegavelmente esta sociedade caminha a passos agigantados para a negação da própria essência do cristianismo e aproxima-se involuntariamente do abismo colectivista, por exacerba coes capitalistas que inconscientemente provoca. A luta anticomunista é outra face gémea do necessário prélio antiplutocrático.
Fez-se muito por Portugal, mas muito menos pelos portugueses. É indispensável dar-lhes um sentido, da vida técnico e experimental que lhes falta, desburocratizar as ambições, desviá-los de uma instrução mnemónica, que é uma das nossas grandes fraquezas, redourar o prestígio do funcionalismo do Estado, um pouco empanado pela aristocratização política da burocracia das para finanças, que mão é recrutada por concursos difíceis e tem vencimentos muito melhorados. A escolha de um sistema de recrutamento do funcionalismo e de educação tem quase tamta importância para um povo como ia selecção da sua forma de governo. Todo o esforço que fizermos para o educar, e não sómente para o instruir, rende ao cêntuplo, social e economicamente. Só educando podemos bater o comunismo, e não sómente instruindo, porque uma instrução mal adaptada e absorvida rebaixa a inteligência, a moralidade e o carácter: cria autênticos mestiços intelectuais. A Rússia sabe melhor o valor que tem a educação, porque procura fazê-la em larga escala e muito à sua maneira - à marxista.
A instrução enriquece a memória, mas a educação melhora no homem as suas reflexas úteis e ensina-lhe a dominar as prejudiciais. Afirmavam os romanos que bastavam às vezes meses para instruir um bárbaro, mas que Fatalmente eram precisos anos para o educar, para lhe dar essa força de carácter que gera uma armadura interna de resistência, para dominar em todas as circunstâncias da vida e não ser apenas um joguete delas.
Sr. Presidente: acentua-se com propriedade que Portugal não conhece de perto as crises cíclicas; o que há são ao euforias económicas volframistas seguidas por um marasmo que deflaciona valores, por constrição de credito e de procura. Movimentos contraditórios: a alta tensão monetária na macro economia e baixa tensão deflacionista na micro. Sintomas patológicos dum liberalismo que renega o corporativismo de fachada em que vivemos, que é mais um alfobre de burocratas, um tabo que guarda interesses, senão inconfessáveis, pelo menos ingenuamente ligados à preservação de pequenas digestões administrativas.