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Os crimes em causa revestirão, contudo, a feição mili-
tar (crimes acidentalmente militares) quando forem pra- ticados por militares ou quando, por circunstâncias par- ticulares, a lei assim entenda dever considerá-los. Será o caso de tais crimes ocorrerem em tempo de guerra ou de emergência.
A este assunto se voltará a propósito do foro compe tente.
Do que fica exposto resulta que as infracções de que nos estamos ocupando bem poderiam ser contempladas ua lei penal comum. E não há dúvida de que elas são previstas de uma maneira geral no projecto do novo Có- digo Penal.
Simplesmente, não se vê inconveniente, mas antes se tem por avisado prevê-las nesta lei do serviço militar, não só porque elas têm manifesta ligação com este, mas ainda porque a lei penal comum em vigor as não prevê suficientemente. Importará, todavia, ter presentes as in-
dicações do projecto do novo Código Penal, já revisto por uma comissão de juristas e publicado no n.º 157 do Bo- letim do Ministério da Justiça. E importará ainda con- frontar os novos textos que se propõem com o estatuído na Lei n.º 1961, vigente, e no Código de Justiça Militar. Da ponderação de todos estes elementos é que deverão extrair-se as soluções.
26. Na proposta atribui-se aos tribunais militares a competência para conhecer e julgar os crimes a que se referem as disposições penais previstas.
Trata-se de uma orientação que o direito vigente não consagra. Justificar-se-á?
Segundo uma certa tendência, só os crimes cssencial-
mente militares, justamente por eles violarem as neces- sidades de obediência e disciplina militares, devem ficar
sujeitos ao foro militar. Todos es outros — mesmo os 'ometidos por quem tenha a qualidade de militar — de- vem ser julgados nos tribunais comuns.
Dentro de outra orientação legislativa, o foro militar é competente não apenas relativamente aos crimes essen- cialmente militares e aos crimes acidentalmente milita- res, mas estende-se ainda a vários crimes comuns come-
tidos por indivíduos meramente civis, máxime os crimes contra a segurança do Estado.
Entre nós, os tribunais militares são competentes para julgar os crimes previstos no Código de Justiça Militar, quer sejam essencialmente militares, quer acidental- mente militares (artigo 355.º do Código de Justiça Militar). Relativamente aos civis, houve a preocupação de só em casos restritos e em circunstâncias excepcionais — tempo de guerra ou de emergência — os sujeitar ao foro militar (cf. o artigo 164.º, $ único, e o artigo 166.º).
Quanto aos crimes respeitantes ao recrutamento mi- litar, que interessam à proposta em apreciação, o Có- digo de Justiça Militar preceitua, no seu artigo 356.º, que «os tribunais militares não são competentes para conhecer da regularidade ou irregularidade das operações de recrutamento militar».
No mesmo sentido se orientou a Lei n.º 1961, em vigor, cujo artigo 76.º dispõe o seguinte:
Todas as fraudes de que resulte omissão da ins- crição de qualquer mancebo no recenseamento são julgadas pelos tribunais ordinários e punidas com prisão de um mês a um ano. |
Os funcionários públicos civis ou militares autores ou cúmplices em fraudes do recenseamento militar serão abatidos aos quadros a que pertençam e em seguida julgados nos termos estabelecidos.
DIARIO DAS SESSÕES N.º 114
Por sua vez, os artigos 78.º e 79.º da mesma lei sugei-
tam ao foro comum todos os indivíduos, mesmo militares
(oficiais, sargentos, membros das juntas de recruta- mento), que pratiquem os factos neles previstos.
Em suma: a orientação do nosso direito é no sentido de colocar fora da jurisdição dos tribunais militares as infracções à Lei do Recrutamento e Serviço Militar.
27. À proposta, ao contrário, decide-se pela competên- cia do foro militar, mesmo quando as infracções sejam cometidas por não militares.
Põe-se, porém, a maior reserva a esta orientação, pois
afigura-se-nos não haver razões bastantes para, em cir-
cunstâncias normais — de paz, digamos —, subverter os
melhores princípios do direito e processo criminais. Com efeito, as infracções previstas na proposta de lei
não constituem crimes essencialmente militares, como já
ficou dito no número anterior, visto que não se traduzem na violação de um dever militar, muito embora ponham
em causa interesses de ordem militar. São crimes contra a defesa nacional, que tanto podem ser cometidos por civis como por militares. Assim, só quando forem mili- tares os seus agentes se justifica que intervenham os tri- bunais militares, em razão do foro pessoal,
Repare-se que entre nós a tendência tem sido para restringir a competência dos tribunais militares.
Assim, pelo artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 85 044, de 20 de Outubro de 1945, foi extinto o Tribunal Militar
Especial, passando a sua competência para os tribunais ordinários, nos termos da lei geral. E entre os processos
da sua competência encontravam-se os que diziam res- peito aos crimes contra a segurança do Estado.
Por outro lado, é de assinalar que as infracções de que se ocupa a proposta de lei estão, de um modo geral, previstas no projecto do novo Código Penal, já revisto por uma comissão de juristas designados pelo Ministério da Justiça. IS isso significa justamente que se trata de crimes comuns, por isso mesmo afectos ao conhecimento dos tribunais ordinários.
A solução preferível parece ser, assim, a de entregar aos tribunais comuns o conhecimento e julgamento dos crimes em causa quando os seus agentes forem civis e aos tribunais militares quando aqueles tiverem a quali-
dade militar. Em circunstâncias excepcionais, isto é, em tempo de
guerra ou de emergência, já se compreende que o foro militar se estenda aos próprios civis, como, aliás, o admite
o direito actual quanto ao crime de inabilitação volun- tária para o serviço militar (artigo 77.º da Lei n.º 1961; cf., no mesmo sentido, o n.º 8.º do artigo 402.º do pro-
jecto do novo Código Penal) e quanto a alguns crimes previstos pelo Código de Justiça Militar [S único do artigo 164.º (mobilização de mão-de-obra), artigo 166.º e 8 único (convocação de mancebos com mais le 18 anos e mobilização de pessoal técnico ou especializado) ].
E serão também circunstâncias excepcionais, merecendo por isso o mesmo tratamento, aquelas que obriguem, em todo o território ou em parte dele, à execução de operações militares ou de polícia destinadas a combater as perturba- ções ou ameaças dirigidas contra a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas e a integridade do território nacional, embora não tenha sido declarado o estado de sítio. É, aliás, orientação já seguida, embora de âmbito mais limitado, quanto ao território e às pessoas, no De- creto-Lei n.º 45 308, de 15 de Outubro de 1968.
E esta extensão do foro militar, nos termos acabados
de referir, que parece oferecer a necessária garantia dos interesses a tutelar.