2100 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 104
cule as relações sociais, é preciso, todavia, defendê-los de penetrações malsãs, não por motivos políticos, mas antes por defesa das próprias instituições, hoje em dia imprescindíveis à vida nacional.
"Mas além de uma fórmula orgânica é um espírito, o espírito da justiçai e da paz social nas relações entre as classes, o espírito da função social posto acima de egoísmos particulares." Hoje a Nação vive um esquema de vida em que o corporativismo, "cada vez mais válido como organização e como doutrina", está presente, afirmando-se e aperfeiçoando-se sucessivamente mediante uma efectiva participação dos grupos profissionais na coisa pública. Não é obra acabada. Tais obras nunca se concluem. O que é mister é manter vivos os ideais e afastar as deformações que não entendam que a institucionalização é para servir interesses gerais, que, naturalmente, se sobrepõem aos interesses próprios.
Como fórmula social o corporativismo, no qual o Estado social bebe os seus fundamentos, constitui um sistema que, se é anti-individualista, por reconhecer que os indivíduos não vivem isoladamente e se agregam em grupos, não é antipersonalista, pois não admite em si fins superiores ao do homem. Deste modo, apenas o bem comum constitui limite aos direitos individuais.
A nossa estruturação constitucional, orientada no sentido de afirmar a relevância dos chamados corpos sociais intermédios na condução e participação da Administração, não consagra, porém, um corporativismo integral, pois reconhece igualmente a existência e a participação dos indivíduos na Administração e na feitura das leis.
Tal significa que a comunidade não é ela toda institucionalmente corporativa: temos, por um lado, os indivíduos e, por outro, os agrupamentos que estes criaram entre si para defesa e representação dos seus interesses. Ora, aceite esta dupla realidade - os indivíduos e os grupos -, a orientação constitucional das estruturas políticas teria de reservar a cada um dos elementos uma participação apropriada aos interesses que ambos representam no contexto nacional.
Aos agrupamentos deu-se-lhes a representação na Câmara Corporativa, organismo representativo de interesses plurais: económicos, sociais, culturais, espirituais e morais. Aos cidadãos concedeu-se-lhes a representação directa de eleitores e membros elegíveis da Assembleia Nacional.
Como elementos estruturais, são os agrupamentos e os cidadãos detentores de direitos de participação na política e na Administração. Um desses direitos é a possibilidade de intervirem na eleição do Chefe do Estado, que. deste modo, não é eleito apenas pelos indivíduos que fazem parte da Nação, mas por estes e pelos corpos sociais intermédios, que, juntamente com os cidadãos, constituem, a comunidade nacional, isto é, são a Nação. Através desta forma de participação na designação do Chefe do Estado, encontramos a Nação orgânica, a Nação corporativa, e não só a Nação convencional, escolhendo o mais alto magistrado do País.
Quanto a mim, o § 3.º do artigo 5.º vem precisar que a concepção corporativa consagrada na Constituição não é a de um corporativismo extremo, no qual o indivíduo se integra, todo ele, na corporação. Que não é antipersonalista, logo compatível com a autonomia individual. Que, se é certo que a realidade primária é a Nação, são, todavia, vários os aspectos em que esta se encara: a Nação em si mesma e os grupos sociais que diferenciadamente a compõem. Daí que o indivíduo seja, ao lado da corporação ou organismo corporativo no seu sentido amplo, um elemento estrutural da comunidade nacional,
como expressamente se afirma no § 3.º do artigo 5.º, a que nos vimos referindo. Não se percebe bem, pois, por que razão a Câmara Corporativa sugeriu que se suprimisse este § 3.º, e os fundamentos invocados não parecem de grande procedência. Tenho a inclusão deste parágrafo por não incidental, considero-a intencional pelo seu alcance e conteúdo.
Se a Nação é constituída pelos grupos sociais e pelos indivíduos, uns e outros são, deste modo, considerados seus elementos estruturais, e como tal legitimamente participam no modo de designação do Chefe do Estado. Em meu entender, o § 3.º do artigo 5.º constitui uma injunção substancial ao actual artigo 72.º da Constituição. Efectivamente, nos termos constitucionais, o colégio eleitoral é composto por membros eleitos por sufrágio directo, e que são os representantes legítimos dos interesses gerais da Nação e a expressão do sentimento político do agregado nacional. Depois, aparecem os membros da Câmara Corporativa, representando interesses pluralistas de ordem económico-social, cultural, administrativa, espiritual e moral.
Finalmente, os representantes das famílias e das autarquias, células base da sociedade.
Afigura-se-me que por esta forma a nossa Constituição mais dignificou as duas Câmaras ao conceder-lhes a participação na eleição do órgão supremo da soberania, o Chefe do Estado, designado pela Nação orgânica através dos seus representantes. Entendo, ainda, que o Chefe do Estado é o Chefe de toda a Nação e património moral de todos os portugueses. A sua figura não pode sair afectada num confronto eleitoral onde impere, ainda, a ausência de espírito e nível cívico, e campeie, antes, a febre da desintegração e o sobressalto.
Quanto à constituição da Câmara, efectivamente, nem todos os interesses diferenciados nela estarão devidamente representados e a sua expressão carecerá de uma certa representatividade e autenticidade para abranger todos aqueles que ali o deveriam estar. O colégio pode ser considerado ainda restrito, o que não contende, porém, com essência da matéria e o princípio constitucional organi-cista.
Seria desejável que caminhássemos no sentido de uma sua, cada vez mais, representatividade e amplitude. Seria até conveniente que se alargasse a representação dos interesses de natureza espiritual, moral, cultural e autárquicos face à ascendente representação económica. Poderia, ainda, acrescentar da conveniência de uma maior representação ultramarina que se poderá ir efectivando à medida que a divisão administrativa das províncias for progredindo e a organização corporativa aí se for projectando.
Mas será a Constituição local próprio para regular tal matéria?
Se assim fosse, seria, a meu ver, comprimir a própria constituição do colégio a moldes que só pelos processos normais do mecanismo da revisão poderiam ser alterados. E isto parece-me não se harmonizar com matéria que pode estar sujeita a alterações e que a lei ordinária pode regular. E quando me refiro à lei ordinária não estou a excluir o órgão por excelência legislativo.
Merece, ainda, uma referência especial a forma sincera, clara e isenta como o Presidente do Conselho pôs o problema- perante a Assembleia Nacional aquando da apresentação da proposta do Governo. Das suas palavras eu creio que todos devemos colher a lição do momento e aguardar o futuro.
Sr. Presidente: Outra das alterações que a proposta prevê é no sentido de introduzir mais amplas garantias nos direitos individuais dos cidadãos (artigo 3.º). Esta matéria em