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2820 DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 140

Entre os contactes que tal visita me proporcionou, foi incluída uma audiência com um dos mais elevados dirigentes que o era também à escala europeia e do Mundo. Estávamos em 1966. Naturalmente a conversa recaiu sobre os nossos dois países, e quanto a Portugal, mais insistentemente sobre a situação dos territórios ultramarinos.

Com satisfação ouvi então palavras de compreensão e estímulo, mas não esquecerei de modo particular as que se referiram ás nossas responsabilidades perante o Mundo e a civilização cristã ocidental. Nestas últimas se inseriram alusões claras à posição que Portugal ocupa na segurança do Atlântico Sul, dada a especial localização dos seus territórios metropolitanos e ultramarinos de Angola, Guiné e Cabo Verde.

Quem dominar estes territórios tem na sua mão o destino do Atlântico Austral.

Mas porque não compreendem assim todos os países ocidentais? — perguntei.

Simplesmente porque são tão grandes os interesses em jogo que as maiores potências os desejariam para si, invejando a posição que a tal respeito ocupa Portugal. O que é um erro, pois assim estão em mãos seguras, e de outra forma nunca se saberá . . .

Ora esta conclusão interessa a Portugueses e Brasileiros que numa e noutra margem do grande oceano repartem entre si as responsabilidades do hemisfério Atlântico Sul.

E se da segurança passarmos à economia, também não são menores os factores de solidariedade entre as duas nações irmãs.

Ninguém desconhece que por vezes os seus interesses não são complementares, situando-se pelo contrário no domínio da concorrência recíproca.

Mas, por isso mesmo, a solidariedade entre os dois Estados maior deve ser ainda.

Devem, antes de mais, um e outro, explorar convenientemente os aspectos em que as suas economias se completam.

E importantes são alguns desses aspectos. Haja em vista os fluxos tradicionais de exportações metropolitanas de Portugal para o Brasil e vice-versa e agora as imensas possibilidades que os territórios ultramarinos oferecem e podem receber de um e outro lado do Atlântico. Não enumerarei produtos, mas tenho presentes, do lado brasileiro, a imensa capacidade da sua indústria e, do lado ultramarino português, grandes riquezas em matérias-primas de que o Brasil carece e melhor poderá encontrar no seio da comunidade luso-brasileira.

Questão é que hábeis acordos comerciais saibam encontrar o caminho do interesse recíproco, não apenas nas trocas das mercadorias, mas também no mercado dos capitais. E que uma e outra parte se sinta compensada e satisfeita com o que recebe e dá em troca.

Idêntico caminho importa percorrer quanto aos produtos em que ambos são concorrentes.

Tal concorrência significa, antes de mais, riqueza unitária da comunidade considerada como um todo. Reunidas as potencialidades de uma e outra parte e coordenados os respectivos interesses, maior será a força do conjunto e maior a sua capacidade de negociação e influência nos mercados mundiais. E muitos são os produtos em que sob este aspecto a coordenação de esforços e a concentração de potencialidades só poderá trazer vantagens aos dois membros da comunidade.

Mas essa necessidade e vantagem da coordenação não se impõe apenas para maior concentração da força comum e capacidade de intervenção exterior. Essa coordenação vale ainda pelo ajuste que permite, transformando muitas vezes em complementar o que é concorrencial ou procurando diversificar aqui o que mais importa concentrar além, ou ainda evitando que os caminhos da concorrência confluam entre si, quando devem procurar antes linhas paralelas de mercados não coincidentes.

Todo um mundo de possibilidades a explorar, que transformem aquilo que muitos consideram fraqueza da comunidade — a posição concorrencial — numa riqueza potencial comum, ainda maior para cada um dos seus membros.

E a verdade é que, quanto maior for o entendimento recíproco, acrescidas potencialidades se podem oferecer também. Sabem-no os produtores e industriais brasileiros, que olham cada vez com maior interesse para as nossas províncias ultramarinas, e devem-no saber também os nossos industriais e produtores, por quem o mercado brasileiro deve ser cada vez mais apetecido e procurado. E aqui está uma vez mais demonstrada a vantagem da dimensão que a comunidade luso-brasileira pode oferecer, agora valorizada pela igualdade dos direitos entre Brasileiros e Portugueses.

Importa, por último, referir o aspecto político do interesse dessa dimensão.

Quem o ignora?

Como portugueses, todos sabemos quanto vale inter-nacionalmente a solidariedade político-social do Brasil no concerto dos interesses mundiais, mas estamos em crer também que a nenhum brasileiro passa despercebida a vantagem política da sua maior solidariedade com Portugal nos caminhos do Mundo que começaram na Europa mas se alargaram depois aos outros continentes, passando pela América, pela Ásia e pela África, onde se espraiaram em largos horizontes.

Acresce o peso natural de uma comunidade imensa, como é a luso-brasileira, neste mundo que parece ser cada vez mais pertença de duas ou três superpotências que tudo discutem e decidem acerca dos outros, como se tudo lhes pertencesse. Isolados, por grandes que já sejamos, seremos pedras de xadrez que os outros jogam. Unidos e solidários talvez possamos ser jogadores da mesma partida. E repare-se que o que está em causa não é apenas o nosso destino e os nossos interesses, mas também o destino e os interesses da civilização que ajudamos a construir e a espalhar pelo mundo.

Eis por que, chegado a este ponto, de novo o meu espírito se aquieta e tudo volta ao ponto de partida: Serão de louvor e de concordância as palavras que aqui entusiàsticamente importa proferir sobre a convenção destinada a estabelecer a igualdade de direitos e deveres entre Brasileiros e Portugueses.

Sei que não era necessário percorrer todo o caminho exposto para chegar a tal conclusão, de tal modo ela é evidente e incontroversa. O que é evidente não se demonstra, mostra-se.

Pela minha parte, no entanto, não dei por desperdiçado o tempo, pois que melhor será louvar com fundamento do que aplaudir apenas com entusiasmo.

Bem radicada no passado, a comunidade luso-brasileira ajusta-se em plenitude ás exigências do presente. E porque original, talvez sem paralelo no mundo, teria de encontrar na sua expressão político-jurídica fórmula também inédita de definição.

Ela aí está, na titularidade de direitos e deveres concedidos aos cidadãos de ambas as pátrias, numa identidade que não anula nem se sobrepõe à individualidade de cada uma delas: os portugueses serão brasileiros no Brasil e os brasileiros portugueses em Portugal, em necessidade de