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20 DE NOVEMBRO DE 1971 2819

Amante das coisas claras, o nosso espírito detém-se e de novo se interroga:

Qual a realidade política subjacente ao estatuto de igualdade assim concebido, uma vez que a cidadania é por essência um estatuto político baseado na independência do estado nacional?

E aqui se aflora o problema da individualização política da comunidade luso-brasileira.

Não há uma nacionalidade luso-brasileira, já que continuam a manter a sua cidadania própria portugueses e brasileiros, ainda que residentes no outro estado.

No entanto, essa comunidade é geradora de uma igualdade político-jurídica que em muitos aspectos quase se identifica com a unidade de nacionalidade extensiva a todos os seus membros.

Chegamos assim ao âmago da questão:

Como definir a comunidade luso-brasileira?

Muitas recorrerão então ao conceito de Nação, já que está presente a generalidade dos pressupostos que individualizam as nacionalidades — identidade de língua, afinidades étnicas, cultura, religião, história, sentido colectivo da existência, etc. —, apenas com uma diferença: é a de que tal Nação se encontra repartida no seu corpo e na sua alma por dois Estados.

E talvez tenham razão os que assim pensam, bem apoiados historicamente na tese da fraternidade que presidiu -à formação do Brasil. Tese por essência contrária à da descolonização.

O Brasil e Portugal sempre se consideraram pátrias irmãs com um tronco comum, aquele que serviu de suporte a ambas até ao momento da autonomia recíproca. Nem Portugal se arvorou jamais em país colonizador, que contrariado tenha cedido perante a rebeldia de antiga colónia, nem o Brasil saiu da unidade lusíada em jeito de libertação contra a dominação alheia.

Foram os Portugueses que fizeram o Brasil como parte da Pátria comum.

Foram portugueses que o autonomizaram e lhe apontaram destino próprio.

Assim o confirmam os homens e os sentimentos que coexistiram com a proclamação da independência brasileira.

Dois irmãos que pertencem à mesma família, mas que atingida a maioridade do mais jovem, resolvem ter vida distinta, sem quebra da unidade familiar.

Este o segredo da comunidade luso-brasileira e sua justificação político-jurídica. A mesma família a apontar à mesma nacionalidade, mas com suportes político-jurídicos distintos a justificar cidadanias independentes.

Tal é o segredo -da comunidade luso-brasileira, mas também a sua originalidade. Que os olhos se espraiem à volta e o mundo não oferecerá muitos mais exemplos de situação político-social congénere.

Ora, se o enquadramento político-jurídico é original, necessàriamente original teria de ser também a solução encontrada para a caracterização estatutária dos cidadãos comuns.

Mérito das reformas constitucionais introduzidas nos diplomas fundamentais de um e outro país e da convenção agora celebrada, sem dúvida, e grande mérito daqueles que a subscrevem e dos que de há muito vêm advogando a sua concretização, pràticamente desde a assinatura do Tratado de Paz, Amizade e Aliança de 29 de Agosto de 1825, confirmado pelo Tratado de Amizade e Consulta, assinado no Rio de Janeiro em 16 de Novembro de 1:953.

Mérito dos juristas ilustres que a conceberam, em que se salientam os nomes dos Professores Marcello Caetano, Barreto Campeio e Cama e Silva, sabendo encontrar na originalidade das soluções o reflexo natural da originalidade das situações.

As leis são feitas para os homens e não os homens para as leis.

Mas mérito, sobretudo, da própria comunidade, que, sendo inédita na sua estrutura, soube conciliar a alma da Nação comum com a força e o dinamismo das vontades estaduais próprias.

Com o que aquietado fica o nosso espírito na primeira interrogação posta, relativa à concepção e justificação político-jurídica da identidade dos direitos e deveres de Brasileiros e Portugueses: dois Estados, uma só Nação.

Mas logo outra questão se levanta, agora que o passado explica o presente e este, naturalmente, olha o futuro.

Fruto da história, bem assente na realidade sócio-política que lhe -está subjacente, original por força das raízes, como se ajusta a comunidade luso-brasileira assim caracterizada com as exigências da época presente, toda ela voltada para definições claras e afirmações definitivas?

E a tese dos grandes espaços que -então naturalmente aflora ao nosso espírito.

Todos sabemos que uma das -características mais salientes da dinâmica político-social do tempo presente é a tendência mundial para a formação de grandes blocos ou espaços económico-políticos, caracterizados pela complementaridade e solidariedade dos interesses comuns.

Estamos na época das comunidades internacionais e das associações de Estados.

Já se fala nos Estados Unidos da Europa, para contrapor a outros blocos continentais, e nenhum Estado isolado se sente seguro no espaço limitado das suas fronteiras de origem. Daí o afã com que se procuram solidariedades, -alianças e associações.

Pois é nesta perspectiva da macropolítica mundial que nos aparece e importa caracterizar a comunidade luso-brasileira.

Dir-se-á, por um lado, que o Brasil e Portugal também, nas suas dimensões próprias, já constituem verdadeiras comunidades à escala universal, tal a dimensão das potencialidades e interesses que integram as respectivas estruturas políticas e sociais.

O Brasil é todo um continente com a pujança de uma riqueza sem limites e uma capacidade de expansão humana sem horizontes; Portugal reparte pelo Mundo o corpo da sua grandeza histórica e afirma-se no presente como uma das nações de maiores potencialidades futuras.

Sendo assim, parece que estão realizadas em relação ás duas nações irmãs as exigências da época na grande escala do Mundo, não se levantando a seu respeito novas necessidades de comunidade maior.

Essa a aparência. Penetremos, porém, mais fundo na realidade. E esta nos diz que, não obstante a sua dimensão individual, os dois membros da grande comunidade lusíada têm tudo a lucrar no arranjo e associação recíproca dos interesses políticos e económicos que lhes são próprios.

Vejamos o que se passa, por exemplo, nos domínios da segurança, da economia e da política mundial.

Quanto ao primeiro aspecto, o da segurança, recordarei aqui um episódio em que tive a honra de participar e que, sem ser inédito nas suas conclusões, nunca mais esquecerei no seu significado profundo.

Encontrava-me em visita oficial, como membro do Governo Português, a um poderoso país estrangeiro.