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2284 I SÉRIE - NÚMERO 56

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à apreciação do Decreto n.º 116/III, que diz respeito ao estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos.
Certamente que todos os Srs. Deputados têm presente as novas disposições regimentais sobre esta matéria que, devo informar, serão rigorosamente cumpridas.
Quero ainda informar a Câmara que na conferência dos representantes dos grupos e agrupamentos parlamentares se decidiu que na discussão na generalidade se seguissem os tempos regimentais e .se reunisse depois a conferência de líderes no caso de haver propostas de alteração em termos de especialidade para então se avaliarem os tempos que poderão ser atribuídos a cada grupo e agrupamento parlamentar.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No exercício de um inquestionável direito constitucional, entendeu, S. Ex.ª o Sr. Presidente da República, vetar o estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos.
Conhecido o nosso voto - inequivocamente contrário ao diploma aqui aprovado - pareceria fácil concluir que outra não poderia ser hoje a nossa posição, senão a de aplauso, sem reservas, à atitude assumida pelo Sr. Presidente da República.
Só que a questão não é tão simples: os resultados a que chegou o Sr. Presidente da República coincidem com as nossas próprias conclusões; as premissas em que fundou estes resultados subvertem o que em nosso entender deveria ser o verdadeiro sentido da recusa do diploma, fazendo dessa recusa não um contributo para a desejável dignificação das instituições - e em particular da instituição parlamentar -, mas antes um instrumento mais ao serviço da campanha que contra elas vem sendo desenvolvida.
Daí que se nos congratulamos com o facto de não ter sido promulgado um diploma que não mereceu, nem merece, o nosso acordo, não deixamos de lamentar a falta de transparência do veto presidencial.
Na verdade, S. Ex.ª o Presidente da República vetou o estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos mas não o fez por entender que um tal estatuto deve ser necessariamente apreciado tendo em conta o estatuto genérico desses titulares e que este, no caso concreto dos deputados, continua sem dar resposta - ou dando resposta insuficiente e criticável - a algumas questões fundamentais.
Questões fundamentais, essas sim, susceptíveis de propiciar uma real dignificação do exercício dos mandatos e condicionadoras do significado autêntico das alterações que porventura se introduzam no regime remuneratório.
Ao pronunciar-se nos termos em que se pronunciou, o Sr. Presidente da República esqueceu que só à luz do modo como tais questões sejam resolvidas se pode, em verdade e sem demagogia, ajuizar das soluções que se encontrem para o regime remuneratório.
De facto, S. Ex.ª o Sr. Presidente da República dá de barato (e a referência tem aqui apenas valor de exemplo) toda a controvérsia em torno da exclusividade ou não do exercício das funções de deputado ou das incompatibilidades que esse exercício deve ou não pressupor, como de barato dá, toda a discussão travada em torno do saber-se se os níveis remuneratórios devem ou não depender do desempenho de outras actividades remuneradas, para centrar e limitar os seus argumentos na existência de benefícios que considera injustificáveis e injustificados face à situação de crise que o País atravessa.
Mas mais, colocando-se nessa perspectiva acaba por reduzir os benefícios que considera inaceitáveis à concessão de subsídios de reintegração e subvenções vitalícias sem curar, aliás, de saber ou de discutir as condições em que a atribuição de tais regalias poderá ter lugar.
Do mesmo modo se exime a explicitar se esses benefícios são, em seu entender, inaceitáveis em qualquer caso, ou apenas porque é de crise a situação nacional, insinuando embora ser esta a razão essencial da sua atitude.
E aqui os argumentos carreados pelo Sr. Presidente da República não deixam de suscitar alguma perplexidade. É que se os benefícios que se recusam não são em si mesmo susceptíveis de criar no país «a convicção de que o exercício de funções políticas pode justificar a atribuição aos seus titulares de especiais benefícios» e só as dificuldades financeiras explicam que devam ser recusados, como o inculca o texto do veto presidencial, dificilmente se entende que se aceite sem reservas as alterações ao regime remuneratório que, essas sim; e ao contrário das que fundamentam o veto, implicam modificações sensíveis no nível de encargos para o Orçamento do Estado. É que não deixa de ser no mínimo curioso que se invoque a crise - e só a crise - para se recusar a criação de subsídios de integração e subvenções e se aceite, sem reparos, os aumentos consagrados quer directamente quer indirectamente através das chamadas «despesas de representação». Isto, quando a incidência orçamental dos primeiros é sem comum medida com a repercussão que a esse nível terão os segundos.
A menos que - o que seria obviamente grave -, pretendendo-se vetar o diploma, se tenha procurado para isso razões em dispositivo que a prática de outros órgãos de soberania não havia ainda consagrado.
E é aqui que corre o risco de assumir todo o seu significado a precaução a que o Sr. Presidente da República se julgou obrigado, ao ressalvar o seu próprio comportamento em relação à pensão vitalícia que a lei atribui aos ex-presidentes da República.
O Sr. Presidente da República, para justificar a promulgação da lei que fixou o estatuto dos presidentes da República e acautelar-se perante eventuais críticas ao veto que apôs ao estatuto dos titulares de cargos políticos vem insinuar que não usará do direito a uma pensão vitalícia que aquela lei lhe confere.
Mas será possível que o Sr. Presidente da República se tenha esquecido que ao promulgar a lei promulgou o «regime de remuneração do Presidente da República» e não o seu próprio regime remuneratório? Que a Assembleia da República havia aprovado uma lei para os presidentes da República e não para o actual Presidente da República e que as cláusulas nela contidas não podem ser julgadas em função do comportamento de S. Ex.ª? Exactamente do mesmo modo que os dispositivos do estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos não podem ser apreciados em função do comportamento futuro desses titulares? Que se assim fosse tão ilegítimo seria pressupor desse comportamento em relação ao Presidente da República como em relação aos deputados e que à míngua de outros argumentos haveria que vetar ou promulgar ambas as leis?