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21 DE JUNHO DE 1985

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Se é este o seu entendimento, então haveremos de inferir que o projecto em análise tem correspondente dimensão e qualidade, devendo, nesta perspectiva, ser apreciado e liminarmente rejeitado porque os Portugueses exigem para Portugal uma política de educação e um sistema de ensino à altura dos desafios que os esperam, e não uma qualquer política ou um qualquer sistema ambíguo e indefinido, conservador e estático, debruçado melancólica e sebastianicamente sobre o passado, incapaz de olhar em frente e corresponder às exigências e ao repto que o futuro coloca ao País.
De boa fé, quiçá ingenuamente, acreditámos. Nós, que desenvolvemos um esforço sério no sentido de procurar conhecer a realidade escolar portuguesa e a sociedade em que se insere, que nos preocupamos com as suas carências e dificuldades, que diligenciamos para auscultar de perto os seus anseios e frustrações, nós acreditámos - dizia - que fosse possível, num clima de disponibilidade total e de solidariedade autêntica, estudar e retirar de todos os projectos de lei de bases do sistema educativo presentes, ou ainda a apresentar, elementos que permitissem a elaboração com o máximo de consenso de um projecto de diploma digno da juventude, aberto ao futuro e capaz de corresponder à dinâmica que o País será forçado a ganhar se não quiser perder a batalha da Europa.
Nós acreditámos que, ao menos neste domínio, os interesses nacionais fossem colocados acima de mesquinhos interesses partidários ou grupais; por isso, alimentámos a esperança, direi mesmo a convicção, de nesta Assembleia se encontrar o entendimento bastante para produzir um diploma em que aquela se revisse, reunidos os seus deputados à volta do real interesse do País.
Enganámo-nos, finalmente. Porém, esta atitude do MDP/CDE, constituindo, de algum modo, uma frustração para muitos, tem a virtude de nos tornar mais avisados de futuro, pois ela nos adverte de que, estando o MDP/CDE preocupado com a sua imagem e com a sua sobrevivência, eventualmente angustiado pela eminência da sua entrada no cone de sombra do eclipse total que se avizinha, os seus líderes jamais deixarão de privilegiar os seus interesses, relegando para plano secundário os interesses do povo e da juventude que por palavras dizem defender.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Afirmava há tempos a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura que, tal como Eça de Queirós relativamente a uma das suas obras, também o MDP/CDE já havia apresentado na Assembleia três versões do seu projecto de lei de bases do sistema educativo, mas que não apresentaria mais nenhum.
Não estou suficientemente informado sobre a bibliografia e o carácter do imortal autor de O Crime do Padre Amaro, mas pressuponho que a cada uma das versões da referida obra correspondia acentuada melhoria do texto. A ser assim, cumpre-me realçar o sentimento de humildade e o acentuado espírito perfeccionista do grande escritor que não recusaria, se tal lhe fosse pedido, apresentar nova versão, decerto ainda mais melhorada. E ao mesmo tempo que lhe louvo o gesto, tomo a liberdade de sugerir ao MDP/CDE que lhe siga o exemplo e não tenha relutância em apresentar à Assembleia nova versão do seu projecto de lei, que certamente virá mais adequado à realidade cultural portuguesa, mais voltado para o futuro e melhorado tecnicamente, já que neste domínio ele deixa muito a desejar.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O lugar não é apropriado para a discussão pormenorizada destas questões e não quero abusar da paciência dos Srs. Deputados, obrigando-os a seca (é a influência do Eça) de escutarem catilinárias sobre questões para que não estarão bastante motivados, mas não deixarei de me referir a uma ou outra para demonstrar ao MDP/CDE que vale a pena insistir na ideia de apresentar nova versão do seu projecto de lei de bases do sistema educativo se, entretanto, não entrar no cone da sombra do eclipse total citado.
Razões de natureza psico-pedagógica e didáctica, comprovadas cientificamente, cada vez mais aconselham a que, nos seis primeiros anos de escolaridade, o ensino seja estruturado de forma a que a aprendizagem se processe por áreas do saber e não por disciplinas, começando a ser ministrado por um único professor, passando-se depois, se possível, ao regime de professor dominante coadjuvado por alguns auxiliares para matérias de maior especificidade.
Os alunos atravessam uma fase da vida em que precisam de se apoiar em alguém que lhes ofereça segurança para manterem o equilíbrio afectivo, apoio esse que geralmente é dado pelo professor único ou pelo professor dominante a que eles se dedicam.
Por outro lado, a este nível o ensino das matérias é feito visando generalidades do conhecimento, sendo importante que a formação dos respectivos docentes privilegie a componente pedagógica sobre a científica, uma vez que estes professores devem ser generalistas.
No caso português, isto significa que, de acordo com as leis da psico-pedagogia e da didáctica, os 5.º e 6.º anos de escolaridade, hoje ministrados no ciclo preparatório, devem aproximar-se mais do regime em uso no ensino primário. 15to deve ser tanto assim quanto nós sabemos que uma das causas do insucesso escolar no actual 1.º ano do ciclo radica no facto de as crianças com 9 e 10 anos de idade abandonarem o regime onde tiveram um único professor a quem se prenderam afectivamente para ingressar noutro onde passam a ter 10 ou 11, sem possibilidades de se fixarem afectivamente a nenhum, devido ao regime de horários e distribuição das disciplinas pelos professores.
Mas a realidade económica portuguesa impõe, também, que assim seja, uma vez que o ciclo é, no presente, dos ensinos mais caros do mundo, com espanto geral de técnicos da OCDE que nos visitam e do facto têm conhecimento.

Em face deste panorama, o que propõe o MDP/CDE no seu projecto?
Tendo em conta os arroubos de progressismo patentes no preâmbulo, pensar-se-ia que viria ao encontro de tais correntes pedagógicas. Mas não. O que propõe é a recuperação do sistema que fez carreira nos «tempos ominosos do fascismo» mas que foi banido pelos últimos Ministros da Educação do regime deposto em 25 de Abril, isto é, a integração do 5.º e 6.º anos de escolaridade no ensino secundário.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um diploma com a dignidade e a importância de uma lei de bases do sistema educativo tem de ser, é forçoso que seja, um factor de união entre os Portugueses e nunca um elemento causador da divisão. Ele terá de surgir como a consequência elaborada de lúcida e calma discussão, num clima de entendimento, liberta de paixões e de dogmas, realista e preocupada em encontrar respostas adequadas para os problemas reais que se põem hoje e no futuro aos Portugueses.