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1714 I SÉRIE - NÚMERO 43

Assim sendo, e não havendo intervalo, vamos prosseguir. Tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Almeida.

O Sr. Gomes de Almeida (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O decreto da Assembleia da República n.º 61/IV, sobre licenciamento de estações emissoras de radiodifusão, vem sendo objecto de profunda controvérsia, que repercute, afinal, um conjunto de questões sumamente importantes para o futuro da sociedade, do Estado e das suas recíprocas relações. Questões fundamentalmente políticas que como tal devem ser tratadas, importando menos, assim, algumas considerações meramente técnicas, ainda que pertinentes, mas seguramente marginais.
Com a lei do licenciamento pretendia-se, antes de mais, pôr cobro à confusão reinante no espaço radio-eléctrico, consequente à proliferação do fenómeno das rádios livres, ordenando e legalizando a sua actividade.
Responsável pela total incapacidade de criar, com oportunidade, os dispositivos jurídicos adequados às aspirações gerais, o Estado revelou-se, neste particular, inteiramente à margem do processo de modernização do País.
Mas tal responsabilidade cabe, sobretudo, a determinados quadrantes políticos que desconfiam, por sistema, da legítima emancipação da sociedade e só parecem dispostos a aceitá-la quando os factos se lhes sobrepõem sem remissão e julgam poder controlá-la pela introdução de mecanismos articulados que não raras vezes comprometem irremediavelmente o acerto das soluções.
Votando contra a lei do licenciamento, o CDS não se opôs à regularização do funcionamento das rádios locais, cuja existência e desenvolvimento entende indispensáveis. Manifestou-se, antes, contra um diploma globalmente inaceitável a vários títulos.
Desde logo, por não ser admissível impedir-se o normal e desejável desenvolvimento da actividade das empresas, amarrando-as à dimensão do alvará originário. Trata-se de um regime inexplicável, a não ser à luz de uma visão que não aceita a natural expansão da actividade radiofónica ditada pelas capacidades e méritos próprios, segundo a avaliação da audiência: todo o seu futuro é apenas o seu presente. Como nos sentimos distantes desta concepção constrangedora da lei!

O Sr. Gomes de Almeida (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Mereceu-nos igualmente discordância de fundo a criação, pelo diploma em apreço, do Conselho da Rádio.
Quanto à sua composição, optou-se por um critério que conduz à irremediável politização do órgão. Ou mais claramente: não obstante o legislador sublinhar a sua natureza independente, torna-se certo que, por exemplo, a inclusão de elementos designados por associações sindicais, não podendo visar, no caso, a representação de interesses profissionais dos trabalhadores, tem uma intencionalidade específica, que não é neutra.
E quanto à competência, como aceitar, então, os vastíssimos poderes que lhe são atribuídos, mormente os que dizem respeito à formulação de juízos de valor sobre o exercício da actividade de radiodifusão por empresas públicas ou privadas? E, sobretudo, a indispensabilidade de parecer prévio favorável para atribuição de alvarás de licenciamento? Há, neste particular, uma manifesta violação do princípio da separação de poderes, uma clara intromissão na esfera do Executivo constitucionalmente inaceitável. Ter-se-á querido atingir dada fórmula governativa, fazendo tábua rasa de princípios e preceitos fundamentais? É de crer que não, até porque os governos mudam, como é normal, mais frequentemente do que as leis ...
Mas a disposição que polarizou a grande discussão política gerada por este diploma foi o artigo 48.º, que faz reverter para o domínio público as duas frequências FM, que, em 1985, foram licenciadas, uma à RDP e a outra à Rádio Renascença.
Quis-se sustentar a clara ilegalidade do despacho. É, todavia, indiscutível ter sido exarado no quadro e com estrita observância das disposições em vigor.
Pretendeu-se aduzir a natureza precária da atribuição das frequências. É pacífico, contudo, entre a doutrina mais prestigiada, que o acto administrativo foi constitutivo de direitos.
Sustentou-se, a seguir, que competiria aos tribunais, afinal, decidir sobre a matéria, mas tal atitude não corresponde, seguramente, a uma clara assumpção de responsabilidade pelas Assembleia da República, como o exige a salvaguarda do seu prestígio político.

O Sr. Horácio Marçal (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O veto do Sr. Presidente da República ao decreto n.º 61/IV teve por objectivo, como resulta da mensagem dirigida à Câmara, sugerir a reponderação e reapreciação dos seus preceitos. Por proposta do Partido Socialista, a Subcomissão da Comunicação Social ouviu, em sucessivas audiências, os Secretários de Estado Adjunto do Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares e das Comunicações, os conselhos de gerência da Rádio Renascença e da RDP e a comissão de trabalhadores desta empresa pública. Como os Srs. Deputados terão oportunidade de confirmar, pela leitura das actas que transcrevem a locução registada, estas audiências corroboraram, explicitamente, as críticas que vimos formulando ao diploma, designadamente quanto à controversa reversão.
Que fazer então? Eis a responsabilidade de cada um de nós. Não há paixão política ou desculpável exaltação emocional que se deva sobrepor à consideração dos dados essenciais.
Em primeiro lugar, os direitos conferidos à igreja católica pela Constituição e pela Concordata, sendo de ter presente que a Igreja, através dos séculos, desenvolveu a sua actividade de acordo com as necessidades e exigências de cada época.
Em segundo lugar, os valores prevalecentes na comunidade nacional e a necessidade de preservar a consonância das leis da República com esses valores.
Em terceiro lugar, um critério ponderado e duradouro de limitação constitucional da esfera da autonomia própria dos órgãos de soberania.
Em quarto lugar, a caracterização da República como um estado de direito democrático que impõe, sob pena de grave lesão dos princípios, o respeito dos direitos adquiridos.
Por último, a violação dos mesmos princípios e consequente falta de confiança dos particulares nas instituições, se por absurdo fosse imaginável que o Estado viesse a retirar com uma mão o que havia concedido com a outra.