O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

2206 I SÉRIE - NÚMERO 56

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Pires de Miranda): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este debate tem mostrado que o Governo não tinha conhecimento do programa que a delegação da Assembleia da República pensava cumprir na União Soviética, apesar de várias vezes o ter solicitado por escrito e telefonicamente.
A responsabilidade da concepção e da condução da política externa de Portugal cabe constitucionalmente ao Governo. Não se trata, hoje, de discutir a política externa portuguesa, mas de avaliar as condições em que se realizou uma visita oficial ao estrangeiro de uma delegação da Assembleia da República.
Precisamente porque lhe incumbe a responsabilidade de conduzir a política externa nacional, o Governo deve colaborar na preparação das iniciativas de outros órgãos de soberania em matéria de visitas oficiais a países estrangeiros. Como é evidente, estas visitas têm de ser organizadas com todas as cautelas, de maneira a assegurar a dignidade do Estado e a coerência da sua representação externa.

O Sr. António Capucho -(PSD):- Muito bem!

O Orador: - Tal implica um cuidado muito particular nas comunicações entre os órgãos de soberania, para que todos os aspectos das projectadas visitas sejam
devidamente, e em tempo, considerados. E o mínimo que se terá de exigir nesta matéria, será que os órgãos de soberania está estabeleçam comunicações oficiais, formais, e naturalmente escritas isto, bem entendido, sem prejuízo de outro tipo de contactos adicionais.
É, por isso, surpreendente que o Sr. Presidente da Assembleia da República considere que, na preparação de uma visita da segunda figura do Estado Português a uma grande potência como é a União Soviética, a informação ao Governo sobre o programa se poderia processar através da publicação da Assembleia da República Assembleia Dia a Dia, invocando que esta é distribuída no Gabinete do Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
Há que seguir os canais apropriados, o que não foi feito, pelo que a preparação desta visita pela Assembleia da República se revestiu de aspectos que, o interesse do País recomenda que se evitem.
Na mesma linha, aliás, se insere a alegação de que o programa da visita foi conhecido através de telefo
ema da nossa Embaixada em Moscovo para a Assem-
bleia da República. Além de, como é óbvio, não ser este o canal apropriado para a Assembleia da República transmitir ao Governo ó programa, o que a
Embaixada comunicou, foi apenas uma proposta soviética.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): O Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares não faz rigorosamente nada cá!

O Orador: - Na quinta-feira, dia 5 de Março, a Embaixada de Portugal em Moscovo telefonou para o Soviete Supremo pedindo o programa da visita da delegação da Assembleia da República chefiada pelo seu Presidente. Assim, foram-lhe dadas telefonicamente as linhas gerais do programa, que incluía uma possível ida
á, Estónia. Pediu, e foi-lhe recusado, um programa escrito por se tratar ainda de um projecto de programa e nesse mesmo dia a Embaixada informou, via telefónica, o Gabinete do Sr. Presidente da Assembleia da República sobre o assunto.
Mas o modo como a Assembleia da República conduziu a preparação desta visita levou a que, não tendo o programa sido oficialmente transmitido ao Governo, jamais o Governo tenha emitido a sua opinião sobre ele de modo a permitir a sua negociação pela Assembleia da República.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador:- A contribuição do Ministério dos Negócios Estrangeiros para a preparação de tão importante visita não deveria, a nosso ver, confinar-se á elaboração de um dossier sobre as relações luso-soviétícas. Tal dossier foi preparado e entregue à Assembleia da República em devido tempo, mas, como é óbvio, não se referia, nem tinha que se referir, ao caso específico dos estados bálticos, incorporados em 1940 na União Soviética...

O Sr. José Cargos de Vasconcelos (PRD): - Nem sabia...

O Orador: -... , pois nada faria supor que a delegação parlamentar encarasse a hipótese de visitar esses estados.

Risos do PS, do PRD, do PCP e do CDS.

Como é corrente em todas as visitas de altas figuras do Estado ao estrangeiro, o dossier em causa continha informações sobre a conjuntura política interna e externa do país a visitar, bem como das relações económicas, culturais e políticas, desenvolvida recentemente com Portugal. Mas o programa, repito, que é um elemento essencial em qualquer visita, não chegou ao conhecimento oficial do Governo.
O relacionamento entre a Assembleia da República e o Governo, como órgãos de soberania que se respeitam e que devem zelar pela dignidade do Estado, não pode, na verdade, assentar em procedimentos deste tipo.
É indispensável discutir o programa. A vida diplomática e as relações entre os Estados são normalmente muito difíceis. Não podemos ser ingénuos quanto a isto e, portanto, há sempre que discutir o programa de uma visita. E aqui não se tratava propriamente de organizar uma visita de um grupo não representativo do País, mas de uma alta figura do Estado.
Porque não se cumpriram regras elementares no relacionamento entre órgãos de soberania - e nisso nenhuma culpa cabe ao Governo - a delegação parlamentar portuguesa, caso a visita se tivesse realizado, teria introduzido um desvio na coerência da política externa do País.
Aliás, igualmente surpreende que os parlamentares não se hajam dado conta da situação que podia ser criada, pois ainda em Janeiro passado a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, com os votos favoráveis dos deputados portugueses presentes, votou uma moção confirmando que a Acta Final de Helsínquia de modo algum pôs em causa o direito dos povos bálticos à autodeterminação. Não seria esta visita oficial, a este nível e nesta altura, tomada como um desmentido àquela moção?