612 I SÉRIE - NÚMERO 18
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, eis-nos, finalmente, em porto seguro. Após os tormentos da viagem, as vagas naturais e as que de modo artificial se lhe associaram. 14 anos depois de uma partida esperançosa, expedita mas imperfeita, carecida de modificações que tardariam. O Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira aí estará muito em breve, escanhoado quanto possível, conquanto exibindo na face tufos rebeldes de penugem malsã.
Diremos aos Madeirenses e aos Portugueses que, vencidos os entraves erguidos pelo PSD e pelo Dr. Alberto João Jardim, se põe termo a um diploma cuja provisoriedade se ia tomando de pedra corroída pela inadequação, pelo erro, pela manifesta insuficiência.
Diremos que o novo texto legislativo, beneficiando de um quadro constitucional propício e enriquecido em 1989, responde às exigências da autonomia regional, assumindo-se como um corpo de normas flexíveis e responsáveis, capazes de garantir relações institucionais sadias, a par do desenvolvimento económico-social.
Diremos que o cais do presente, consagrando as expectativas da vida, é ainda uma instancia de largada. Há muito a fazer no sentido do progresso e da justiça, dificuldades a superar, rumos a corrigir, práticas iníquas a erradicar. Isto afirmado, imporia sublinhar que persistem em aberto questões relevantes, designadamente no âmbito financeiro. As negociações entre as entidades regionais e o Governo de Cavaco Silva não se saldaram por um clima de descrispação frutuosa. Pelo contrário, inquinaram as águas, concluíram-se por situações não raro centralistas e por um capital de queixa que se destinará a render em tempo e terreno perversos. Terá o facto determinado a razão da recusa in totwn, por parte da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, das benfeitorias introduzidas pelo consenso da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias? Talvez sim, e ainda mal! Por muito que se compreendam os motivos tácticos da postura, era de esperar gesto mais consentâneo com a atmosfera cooperante de que nasceu o articulado que iremos votar.
Cabe aqui referir as posições que defendemos aquando da apreciação na generalidade. No seguimento da leitura do molde que se inscreve na Constituição da República para as autonomias, com o arrolamento de ganhos e perdas, acentuando estas com patente satisfação, sinalizámos os traços de novidade da proposta originária, aqueles em que se detectavam as lógicas de aproximação ao legítimo e ao razoável, bem como os que traduziam a renúncia a velhos propósitos nocivos e inarrematáveis porque feridos de inconstitucionalidade e politicamente inaceitáveis. Destacámos, com clareza, os núcleos subsistentes de violação da nossa lei fundamental e os que, em sede de escolha legiferante, advogando o imperativo de uma severa poda de especialidade, se colocavam. Essa operação ocorreu valha a verdade em escala significativa. Para lá dos melhoramentos técnico-redactivos, inúmeros, foram ficando pelo caminho os preceitos que pior se insinuavam, com excepção dos que, pela sua gravidade, sobrevivendo, impuseram que recorrêssemos ao instituto da avocação.
Neles me deterei. Os artigos 10.º, 11.º e 12.º, retomando a tentativa por parte do PSD de alargar, ineditamente, o colégio eleitoral, configurando regras de engenharia ilídima, violam o princípio da proporcionalidade no apuramento da representação popular e introduzem mecanismos inconstitucionais de conformação do poder. Aquém e além dos círculos uninominais e de quanta justificada controvérsia alimentam, avultam alterações inidóneas nas cotas de eleitores recenseados necessários à eleição de deputados, ampliações do direito de voto para os emigrantes, a fixação de requisitos de elegibilidade que entendemos incontestáveis.
O propósito é óbvio: favorecer modelos eleitorais que diminuam o peso institucional das oposições e promovam a perpetuação da «maioria laranja». Quaisquer que sejam as roupagens, os discursos e os argumentos de índole tecnicista. Não corroboraremos naturalmente o intuito nem os instrumentos que o servem e agiremos em conformidade, na Assembleia da República e fora dela.
Flagrantemente agressor da Constituição é o n.º 4 do artigo 65.º, lesivo de um direito indeclinável dos trabalhadores: o direito de greve. O problema é conhecido, a circunstância de se pretender outorgar dignidade estatutária a uma má norma de legislação comum não é aplaudível nem permite a menor contemporização.
Por último e a título emblemático, segundo uma atitude de não exaustividade, chamámos à apreciação do Plenário a norma constante da alínea j) do n.º 1 do artigo 29.º que, claramente, contende com regras de autonomia financeira da Região Autónoma da Madeira e que julgámos ser uma intromissão compressora, por parte do PSD/Governo/Maioria nesta Casa, em justas aspirações dos representantes da Madeira, os que aqui têm assento e os que lá, na Assembleia Legislativa ou na sociedade civil, gostariam de ver consagrados preceitos bem mais conformes com a Constituição. Chamámos à avocação este artigo apenas para demonstrar que quem tem um discurso a favor das autonomias e uma prática que lhe é oposta é o PSD, que, no hemiciclo, votará como vai votar. Nós, hoje como no passado, assumimos uma postura claramente coerente, afirmativa e ponderada.
Em todo o caso, Sr. Presidente, Srs. Deputados, o que acaba de asseverar-se comprova que o texto que, dentro em breve, se transformará em lei nada tem a ver, em muitíssimos aspectos centrais, com aquele que aqui aportou, inçado de inconstitucionalidades, altamente imperfeito, num belo começo de tarde em que o debate da generalidade teve lugar. Quanto produzimos em Comissão foi não apenas em benefício de uma melhoria técnica e legislativa elementar, mas, acima de tudo, em favor da escorreiteza política e institucional que se nos exigia.
Eis-nos, pois, chegados, como principiei por lembrar, a bom porto. Com isso nos congratulamos. O momento é fogueiro para a Região Autónoma da Madeira, para nós, presentes - porventura escassamente - e para a democracia portuguesa, apesar das sombras cujo desenho apenas se esboçou. Que sejam igualmente fecundas as vindouras instâncias de aprofundamento da experiência autonômica nas malhas condignas da Constituição e do Estatuto, já não decerto provisório, que vamos aprovar.
Aplausos do PCP e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca, José Magalhães e Raul Castro.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há inscrições, vamos proceder à votação dos requerimentos de avocação. A questão que coloco à consideração dos Srs. Deputados chamo a vossa atenção para ela é no sentido de saber se estão de acordo em que se votem os quatro requerimentos em conjunto, três do PCP e um do PS.