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16 DE JANEIRO DE 2014

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revela também de aceitação do assistencialismo mais primário e discriminatório devia, no entanto, interpelar

algumas consciências.

Aplausos do PS.

Em vez disso, a justificação para esta violação do compromisso social sobre o qual se fundam as

sociedades democráticas banalizou-se, com tudo o que ela implica de populismo e demagogia. Como pode

alguém responsável defender uma política cultural consistente com o que ela implica de investimento do

Estado quando estão em causa direitos fundamentais como a educação, a saúde, a proteção social e o

emprego? A resposta é Agustina Bessa-Luís que nos dá: porque «a cultura é o que identifica um povo com a

sua finalidade».

A cultura é o que constrói uma identidade, é sobre ela que se cria coesão social, é com ela que se

desenvolve uma economia fundada no saber.

Seria bom que todos os que se proclamam defensores da soberania nacional, pelo menos não

esquecessem que essa cultura de massas que cada vez mais nos é imposta, estandardizada e hierarquizada,

significa uma aculturação, um esvaziamento «do conjunto dos traços distintivos espirituais e materiais,

intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade e que abrange, além das artes e das letras, os modos

de vida, as maneiras de viver juntos, os sistemas de valores, as tradições e as crenças». Esta é a definição de

cultura dada pela Unesco.

Mas voltemos ao concreto. Porque em nome da crise financeira tudo parece justificar-se, voluntariamente

não mencionarei as questões dos apoios diretos ou indiretos às artes. Proponho que olhemos para aquilo que

é revelador da natureza e inoperância da ação governativa, independentemente da questão financeira.

Sobre a inoperância, bastará lembrar que as nossas maiores instituições culturais se encontram

atualmente, e perante a indiferença geral, em autogestão, sem direção. É o caso da Direção-Geral do

Património Cultural, da Direção-Geral das Artes, do Instituto do Cinema e Audiovisual, da Cinemateca, da

OPART — que há três anos espera que seja legalmente nomeada uma administração, apesar dos sucessivos

convites e contratações — e até, pasme-se, da Torre do Tombo.

A razão mais invocada são as novas regras para a contratação pública impostas pelo PREMAC. Regras

estabelecidas de forma cega, não considerando a diversidade e a especificidade dos organismos em causa,

que em vez de promoverem a excelência apenas contribuem para a crescente desresponsabilização do

Estado. Aliás, não consta que a Secretaria de Estado da Cultura tenho tido uma palavra a dizer sobre elas.

Regras tão absurdas que já em certos casos se pondera a anulação dos próprios concursos.

Mas dois casos são particularmente reveladores da natureza política e ideológica deste Governo.

O primeiro é a alteração à lei do cinema e do audiovisual. Lei proposta por este mesmo Governo, votada

por esta maioria e agora contraditada pelo próprio Governo, com o assentimento desta mesma maioria. O que

previa a lei? Que os operadores de televisão por subscrição — ou seja, os principais grupos de

telecomunicações, a saber: a PT, a ZON, a Vodafone, a Optimus, para mencionar os mais poderosos —

contribuíssem com 3,5 €, por ano, por assinante, para permitir que se dessem os primeiros passos para a tal

indústria nacional de cinema e audiovisual que tantos apregoam.

Numa altura em que se pedem contribuições solidárias a reformados, neste caso o que se lhes exigia a

eles era que contribuíssem para o financiamento de uma atividade dos quais eles são também beneficiários e

sobre a qual, aliás, assenta hoje preferencialmente o seu próprio negócio.

De forma espantosa, reveladora de como estes grandes grupos se consideram acima da lei, recusaram. E,

sem hesitação ou pudor, anunciaram que não a respeitariam. A desobediência civil vinda da parte de quem

menos se espera. Aparentemente, a dinamização da economia nacional parece não lhes dizer respeito.

Após dois anos de apatia, o Governo cede e propõe uma revisão da sua própria lei, com uma diminuição

para metade desta contribuição, que o Estado cobrirá a outra metade.

Não está aqui em causa o facto de se saber se o Estado deve ou não cofinanciar a atividade

cinematográfica e audiovisual. Esse debate merece ser feito e deverá ser feito na altura própria. O que

devemos salientar aqui é o que este triste episódio nos diz das opções governativas. Se até agora dominava o

lema «manda quem paga», hoje manda quem não paga.