I SÉRIE — NÚMERO 36
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Mais: lendo o parecer do Sr. Deputado Rui Paulo Figueiredo, devo dizer que metade desse parecer fala
sobre a privatização da água.
Quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que o Governo não pretende, nunca pretendeu e não tem a intenção de
privatizar as águas. E não vou, sequer, às notícias recentes. Relembro aqui a discussão que tivemos do
Orçamento do Estado, em que todas as bancadas fizeram essa pergunta ao Sr. Ministro e o Sr. Ministro foi
cristalino como água — se me é permitida a expressão — ao dizer: «Não vamos privatizar as águas!»
De facto, o que estava em cima da mesa era uma reestruturação do setor,…
Protestos do Deputado do PCP Bruno Dias.
… eram, eventualmente, como já existe, algumas concessões, mas essa privatização, repito, nunca esteve
em cima da mesa e, portanto, essa foi uma notícia que não faz sentido e que foi necessário desmentir.
Queria dizer que o que está em causa na legislação é que ela permite, de facto, que o Governo, a todo o
tempo, com os prazos que estão previstos e com os responsáveis das tutelas, peça ao Conselho de Ministros
que acione o interesse nacional nas áreas que estão estipuladas. Desta forma, parece-me que estão criados
os mecanismos para salvaguardar essas situações.
Quanto ao resto, o que o Governo fez foi: primeiro, alterar o estatuto do Tribunal de Contas, dando-lhe
poderes de fiscalização prévia; segundo, alterar a Lei da Concorrência, para a qual chamo a atenção,
nomeadamente para o artigo 18.º, que reforça os poderes de fiscalização da própria Autoridade da
Concorrência; terceiro, ter uma atenção muito especial aos cadernos de encargos que, esses sim, podem
definir e estão no centro da defesa do interesse público.
Sr. Secretário de Estado, não fugindo à disponibilidade sempre demonstrada de, em sede parlamentar,
podermos fazer ajustamentos, porque acho que é matéria que merece largo consenso e devemos trabalhar
para esse consenso, a nossa disponibilidade é também para encontrar um mecanismo em que todas as forças
políticas se sintam confortáveis com os mecanismos legislativos, respeitando quer o direito interno quer o
direito comunitário em matéria de privatização.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Vou concluir, Sr. Presidente.
O certo é que as privatizações que este Governo fez, consideradas e avaliadas por várias entidades,
resultaram num enorme sucesso: confiança na economia portuguesa, confiança no papel do Governo — aliás,
talvez seja isto que custa ao Partido Socialista admitir.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs. Deputados: A quem
tiver o azar de ler esta proposta de lei, muito provavelmente, duas coisas poderão acontecer, a saber,
primeiro, a dificuldade em acreditar no que se está a ler; e, logo depois, a mais viva e profunda indignação
perante um tão inacreditável e revoltante exercício de hipocrisia política.
De facto, é preciso uma completa falta de pudor para que os responsáveis por décadas de privatizações
em todos os setores venham agora falar da salvaguarda de ativos estratégicos.
Privatizações em que, conforme o PCP previu e preveniu, os ativos em causa, quase todos estratégicos,
passaram para fora do País com todos os riscos para a soberania e para o desenvolvimento soberano daí
decorrentes.
O próprio conceito «ativo estratégico» neste diploma é revelador da visão do Governo nesta matéria:
considera-se, única e exclusivamente, a energia, os transportes e as comunicações, ignorando-se tudo o resto
— até a água ficou de fora. O Governo inspira-se em Maria Antonieta e dirá: «Não têm água, bebam sumo!»
Já agora, os senhores negam a privatização da água e, logo a seguir, abrem a porta à concessão. É um
truque muito antigo!