6 DE ABRIL DE 2017
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como ficou bem patente na audição pública que o PCP realizou, na Assembleia da República, no passado dia
31 de março.
No caso da agricultura, o Acordo afetará a sustentabilidade do modelo produtivo tradicional, que assenta em
normas que, obedecendo ao princípio da precaução, inibem o uso de um vasto conjunto de substâncias que são
utilizadas no Canadá.
Abdicar do princípio da precaução não terá apenas efeitos na produção agrícola, afetará, igualmente, a saúde
dos consumidores pelo facto de existir um fosso enorme em matéria de segurança alimentar, designadamente
no domínio do cultivo e comercialização de organismos geneticamente modificados, do uso de disruptores
endócrinos e de hormonas de crescimento nos bovinos e de compostos clorados nas aves.
Acresce ainda o reconhecimento muito insuficiente das denominações geográficas. No caso português, estão
apenas salvaguardados 20 produtos dos 137 existentes, o que representará a sua desproteção e terá
implicações na quebra de rendimento dos produtores e das regiões.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, as consequências nefastas não se resumem ao que atrás ficou dito, pois
também os trabalhadores veriam os seus direitos ameaçados. Se dúvidas houvesse, bastaria ler o capítulo 23
do CETA, sobre as leis laborais. Nesse capítulo, fazem-se incipientes apelos à manutenção dos níveis atuais de
proteção das leis em vigor no Canadá e na União Europeia.
Exemplo paradigmático da diferença entre o Canadá e Portugal é a não ratificação, por parte do Estado
canadiano, da convenção da contratação coletiva. Só isto mostra bem o que queremos dizer quando falamos
de nivelar por baixo os direitos dos trabalhadores.
Ao invés do que tem sido propalado por dirigentes e altos funcionários da União Europeia, por membros do
Governo português e por outros defensores e entusiastas do chamado «livre comércio», os serviços públicos
não estão salvaguardados. A redação adotada no Acordo e a existência de uma lista negativa muito restritiva
impedem a possibilidade de estes voltarem para a esfera pública caso um Estado decida, soberanamente, que
determinados serviços devem ser prestados e geridos de forma pública e universal. Quer isto dizer que os
serviços públicos que foram já privatizados ou concessionados ficam abrangidos pelo CETA e à disposição das
transnacionais e dos seus interesses, dificultando o seu retorno para a esfera pública.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, os malefícios verificam-se também na área da justiça e no exercício da
soberania e da democracia. O acordo institui um mecanismo de resolução de litígios, conhecido por ICS
(Investment Court System), que atenta contra a soberania nacional e que tem como objetivo maior fugir às
jurisdições nacionais, uma vez que as instâncias arbitrais não estão sujeitas ao enquadramento legal estadual.
Mais uma vez, a realidade contradiz o que afirmam os defensores do Acordo. As instâncias arbitrais
funcionam à margem do controlo democrático e são compostas não por juízes independentes mas por árbitros
escolhidos com base em — e cito — «conhecimentos especializados sobretudo no domínio do direito
internacional em matéria de investimento, do direito comercial internacional e da resolução de litígios no quadro
de acordos internacionais de comércio e investimento», como é afirmado no próprio Acordo. Ou seja, as
instâncias arbitrais são compostas por advogados de grandes escritórios ligados às multinacionais e aos seus
interesses.
Como foi afirmado na audição pública promovida pelo PCP, o ICS não está vocacionado para a defesa do
interesse público, mas para defender os interesses das transnacionais, colocando-os acima da soberania dos
Estados e do bem-estar dos trabalhadores e dos povos.
Perante tudo isto, acaso fosse ratificado, é legítima a pergunta: a quem serviria o CETA? O CETA serviria os
interesses do grande capital transnacional, não serviria nem os trabalhadores nem os povos.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
A Sr.ª CarlaCruz (PCP): — Foi precisamente para esconder a natureza, os propósitos, os objetivos e as
consequências que este Acordo encerra que as negociações entre o Canadá e a União Europeia foram feitas à
revelia e nas costas dos trabalhadores e dos povos. Esta é uma atitude bem reveladora do desrespeito pela
democracia e soberania dos Estados por parte da União Europeia.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr.ª Deputada.