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II SÉRIE - NÚMERO 35

De resto, só uma tal compreensão do homem, correspondente, aliás, à nossa tradição cultural e jurídica, pode respeitar o espírito de uma Constituição como a nossa, que proclama, logo no seu artigo 1.°, sor Portugal uma República baseada na dignidade da pessoa humana.

Com efeito, a culpa, como pressuposto do direito penal, há-de constituir a mais séria objecção a um direito de índole predominantemente ou exclusivamente proteccionista que, mesmo quando se pretenda inspirado por um humanismo moralizador, não deixa de conceber o delinquente como mero objecto de medidas terapêuticas coercitivas.

Como há-de ainda o pensamento da culpa representar o mais forte obstáculo erguido, tanto a um direito penal defensivo, que degrada o criminoso para mero meio de obter a intimidação geral e, com ela, a defesa da sociedade, como a um direito pensado no quadro de uma defesa social de tipo naturalístico que olha o criminoso como um «inimigo» cuja perigosidade haverá que combater, mesmo pela via simples e segura da sua definitiva segregação ou destruição.

Exemplos flagrantes destes fiscos nos deu a história recente. E a tal ponto se reconheceram os extremos e abusos a que pode conduzir a lógica do cientismo dos positivas e «modernos» que mesmo movimentos confessadamente distantes da tradição clássica, como o da chamada «Nova Defesa Social», se apressaram a repudiar resolutamente o «determinismo positivista», admitindo uma larga margem de liberdade para o ser humano, restaurando as noções de livre-arbítrio e de responsabilidade e condenando um direito orientado pelo puxo pensamento finalista, que o desliga das obrigações morais e não considera a especial posição do homem no universo, a sua particularidade de «ser pessoa» e a sua dignidade própria.

Uma tal maneira de compreender as coisas está, de resto, bem presente nas modernas legislações mais representativas no domínio da ciência criminal. Assim — e para só citar exemplos ilustrativos de diferentes sectores do pensamento jurídico-criminal moderno —, bastará lembrar que dela arrancam o Código suíço de 1937 e, mais recentemente, o Código da República Federal da Alemanha, onde (vem a propósito recordá-lo) o pensamento da culpa constituiu uma das bases sobre que se alcançou o acordo dos maiores partidos políticos representados no Bundestag; que, mesmo nos países nórdicos, onde domina um pensamento de protecção do delinquente de cunho essencialmente naturalista, a mesma ideia de culpa se reafirma na prática e na aplicação dos respectivos sistemas; e, por último, que também na URSS, a reforma de legislação penal, levada a cabo em 1958, embora recusando-lhe exclusivamente, não deixa de atribuir às penas uma finalidade de expiação.

4 — Pressuposto da culpa;, a liberdade do homem há-de também sê-lo da retribuição, da expiação e da pena.

Simplesmente, o facto de se atribuir à pena uma finalidade de expiação e de se lhe reconhecer um conteúdo de reprovação ética não significa que a ideia de uma recuperação social do delinquente seja relegada para um segundo plano, como elemento de segunda ordem na individualização concreta das reacções penais.

O sentido moderno da execução das penas não pode ser compreendido sem que se considere, de forma principal, a ressocialização do condenado. Um pessimismo sobre a possibilidade de reeducação dos delinquentes implicaria, aliás, a negação do próprio sistema preventivo especial, o que comprometeria, em todas as suas perspectivas, os modernos horizontes do direito criminal.

Há, pois, necessariamente que partir — e isto vale especialmente para um direito penal eticamente construído, que não pode aceitar a incorrigibilidade dos delinquentes imputáveis, mesmo porque os censura em nome da sua responsabilidade moral— do reconhecimento do principio de que nenhuma criatura humana está, definitivamente e sem esperança, perdida, e, portanto, de um optimismo pedagógico, que é, moral € praticamente, o pressuposto de todo o trabalho educativo.

É por isso que no projecto a pena aparece concebida como pena de readaptação ou ressocialização do delinquente e se procuram garantir as condições indispensáveis de realização desse objective.

Isso acontece, desde logo, com a própria definição dos limites da imputabilidade penal, onde é fâcií surprender a preocupação de reservar o domínio das penas aos delinquentes qute tenham atingido uma normalidade biológica e psíquica que permita à fase de execução penal estimular a colaboração activa do próprio delinquente e atingir um verdadeiro sentido correctivo e regenerador. Ideia cujo vigor está, de resto, bem traduzido no facto de o projecto ir mesmo ao ponto de praticamente identificar a capacidade de um delinquente para suportar uma pena com a possibilidade real de por ela ser influenciado (artigo 20.°, n.° 3). O que, SÓ por si, mostra bem a grande flexibilidade de todo o sistema punitivo co projecto, ao admitir-se uma extensão mais vasta tío domínio da inimputabilidade. Além de que o regime proposto, na medida em que os critérios para s definição da imputabilidade se vÊo desprendendo do próprio pensamento da culpa, sempre permitirá a quem se ar.ostre mais reticente em aceitá-lo a construção de um direito penal baseado numa ideia de responsabilidade social.

Mas é sobretudo na variedade das p*eaas e nos critérios para a sua escolha e medida que se encontra a exacta expressão do propósito reeducativo e psda-gógico que anima todo o sistema punitivo do projecto.

5 — Um dos aspectos mais salientes da moderna política criminal no capítulo das reacções crimmais é, sem sombra de dúvida, uma decisiva reacção contra as penas institucionais ou detentivas. Não é nova a luta movida contra a prisão e são bera conhecidos os ataques que, de muitos quadrantes, lhe têm sido dirigidos. Por maiores que tenham sido os esforços para fazer dela uma instituição reeducativa e pedagógica que lograsse reintegrar os delinquentes no convívio da sociedade livre, o certo é que não deixou nunca de se reconhecer à prisão um carácter realmente criminógeno, por efeito do qual o internamente, em lugar de corrigir, pode vir afinai, muitas vezes, a preverter o condenado.

E com redobrado vigor se dirigem as críticas às curtas penas de prisão. Bastaria, aliás, recordar a frequência com que ta! tema tem ocupado a atenção das reuniões científicas internacionais da especialidade para se poder avaliar com segurança do