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3 DE ABRIL DE 1979

1076-(27)

Justiça solicitando que este pedisse ao Conselho da Revolução a declaração de inconstitucionalidade dos Decretos-Leis n.os 808/76, 809/76, 814/76 e 484/77 ou que, de qualquer modo, usasse a sua influência no sentido de impedir a aplicação dos diplomas em questão.

A Comissão de Trabalhadores juntava um parecer do Dr. Miguel Galvão Telles e outro do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, ambos favoráveis à sua pretensão. E falava ainda num terceiro parecer que teria sido elaborado pela Presidência da República e que teria concluido no mesmo sentido. Pude confirmar a existência de tal parecer, mas a Presidência da República não nos quis facultar uma cópia, pelo que desconheço o seu conteúdo.

Dispenso-me de reproduzir aqui as considerações do Dr. Galvão Teles e do Dr. Moitinho de Almeida, relator do parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, por se me afigurarem inteiramente pertinentes, ao menos quanto à questão de fundo, a inconstitucionalidade dos diplomas em causa.

Fica, pois, já assente que também o autor desta informação considera inconstitucional o Decreto-Lei n.° 484/77, de 16 de Novembro, que criou a NAVIS, E. P., por violar o artigo 13.° da Constituição e juridicamente inexistentes, por violação do disposto no artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 260/76, de 8 de Abril, os Decretos-Leis n.os 808/76, 809/76 e 814/76.

II — A grande dúvida, para nós, reside no que se afirma no n.° 5 das conclusões do parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, que se transcreve:

Não cabe ao Procurador-Geral da República solicitar, nos termos do artigo 281.°, n.° 1, da Constituição, a declaração de inconstitucionalidade de normas jurídicas.

A razão de ser da dúvida apontada reside na circunstância de se afigurar discutível que a expressão «normas juridicas» do n.° 1 do artigo 281.° tenha o sentido que se lhe atribuiu no referido parecer.

O Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República parece considerar (v. p. 9 do parecer) que na expressão «normas juridicas» se reconduziu o conceito de norma jurídica à ideia de comando ge-al e abstrato ou, se se preferir, lei formal de duração potencialmente ilimitada (Crisafulli, «Atto normativo», Enciclopedia del Diritto).

III — Acontece que a generalidade e abstracção como características essenciais da norma jurídica há muito que foram postas em causa não só pelos defensores da «novidade» como característica da norma jurídica, como Jellinek e Laband, mas também por muitos autores italianos modernos, como Donati, Virga e Crisafulli.

E tal sucedeu fundamentalmente por duas razões:

a) Por um lado, nos Estados modernos tende a atenuar-se o princípio da sepai io dos poderes, fundamento e sustentáculo principal da existência da generalidade e da abstracção como características da norma jurídica (v. sob a epígrafe «Lei» o artigo do Dr. Miguel Galvão Teles, na Enciclopédia Verbo);

b) Por outro, assistimos a um alargamento sempre crescente da intervenção do Estado, enquanto poder organizado, nas vidas dos cidadãos: tal intervenção não se limita à produção de normas jurídicas no sentido tradicional de normas de conduta, vertidas no usual esquema previsão--estatuição, assumindo frequentes vezes a forma de disposições organizativas e instrumentais que visam fornecer ao Estado meios para prosseguir determinados objectivos de natureza política ou administrativa. São as chamadas leis-medida ou leis--providência (Massnahmegesetz), que criam um serviço público ou nacionalizam uma empresa, por exemplo.

IV — Deverão estas leis-medida ser consideradas normas juridicas para efeitos do disposto no artigo 281.° da Constituição?

Antes de tentar responder a esta questão, haverá que prestar um esclarecimento prévio: as leis-medida não se identificam com os actos administrativos praticados sob forma de lei.

O acto administrativo traduz sempre a aplicação de uma norma a um caso concreto. Ainda quando se trate do exercício de poderes discricionários, a entidade que pratica o acto irá decidir, ou deverá decidir, optando pela solução que admite que o legislador escolheria se tivesse que resolver o caso concreto.

É possível, embora bem pouco ortodoxo, praticar um verdadeiro acto administrativo sob forma de lei: mas isso é diferente de criar uma lei-medida que, sujeitando-se embora ao mesmo mecanismo de produção legislativa das restantes leis, não traduz a aplicação a um caso concreto de uma determinada norma.

Temos plena consciência que a distinção envolve grandes dificuldades, mas entendemos indispensável trabalhar nela.

Note-se que estamos a versar estas questões obviamente ao nível do conceito de lei em sentido material, pois rejeitamos que, ao menos para efeito da aplicação do artigo 281.°, se considere norma jurídica toda e qualquer disposição constante de um diploma com força de lei (lei em sentido formal). Adiante voltaremos a este ponto.

Crisafulli, no artigo epigrafado «Atto normativo» que escreveu para a Enciclopedia del Diritto e que já referimos afirma:

[. . .] Contestare che simili disposizioni (o autor está a referir-se às disposições que criam e regulamentam um ente público) siano costitutive delFordinamento statale, repugna indubbiamente al senso comune, prima ancore che al senso giuridico.

Mas o problema não é só, embora o seja também, de bom senso; é que, se não se admitir a fiscalização a posteriori da constitucionalidade das chamadas leis-medida, as possibilidades de defesa do cidadão contra estas ficam fortemente cerceadas, limitando-se à fiscalização judicial da inconstitucionalidade (artigo 282.°). Para 'provocar tal fiscalização o cidadão teria de impugnar judicialmente um acto praticado