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II SÉRIE — NÚMERO 47

ao abrigo da lei-medida em causa (por exemplo, a compra de um navio pelo conselho de gerência da NAVIS), com fundamento na inconstitucionalidade da norma que teria fornecido cobertura legal a tal acto.

No que concerne aos actos administrativos sob forma de lei, já não equacionamos a questão da mesma forma: tais actos deverão ser passiveis de recurso contencioso de anulação, pese embora a interpretação contrária que o Supremo Tribunal Administrativo dá ao artigo 16.° da sua Lei Orgânica. Haverá que perguntar se esta norma, na interpretação que lhe é dada, se conforma com os artigos 20.°, n.° 1, e 269.°, n.° 2, da Constituição.

Inclinamo-nos, pois, no sentido de que as leis--medida devam ser consideradas verdadeiras normas jurídicas para efeito do disposto no artigo 281."

V — Já vimos que, em nossa opinião, as leis-- medida são normas jurídicas em sentido material.

Mas, se admitirmos que o não são, e tão-somente normas em sentido formal, nem assim ficaria afastada pela letra da Constituição a possibilidade de recurso ao artigo 281.°

É verdade que o n.° 1 do artigo 281.° utiliza a expressão «quaisquer normas», por contraposição à expressão «qualquer diploma» do n.° 1 do artigo 278.°

Mas tal não significa, como se poderia pensar, que a fiscalização prévia da inconstitucionalidade incide sobre a lei em sentido formal, enquanto a fiscalização a posteriori sobre a lei em sentido formal.

Para confirmar tal asserção basta ler as alíneas a) e c) do artigo 146.°: aí, quer para referir a fiscalização prévia, quer a fiscalização a posteriori utilizou--se exactamente a mesma expressão — «quaisquer diplomas».

Com isto não queremos dizer que o Conselho da Revolução pode apreciar a inconstitucionalidade de actos administrativos sob forma de lei. O que pensamos é que a letra do artigo 281.° não fornece, só por si, solução para o problema.

VI — O Decreto-Lei n.° 484/77 é um exemplo típico da lei-medida. Como tal e por tudo o que ficou dito, avolumam-se as dúvidas sobre a bondade do n.° 5 das conclusões do parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República.

Afigura-se-nos que o Provedor de Justiça, como o Presidente da República, o procurador-geral da República ou o Presidente da Assembleia da República podem muito bem solicitar ao Conselho da Revolução a apreciação e declaração da inconstitucionalidade do diploma em causa.

VII — Mas ainda que se considere correcta a posição da Procuradoria-Geral da República exigindo para a norma jurídica as características da abstracção e da generalidade, entenderemos que pelo menos algumas normas do Decreto-Lei n.° 484/77 têm tais características. É o caso, por exemplo, do n.° 1 do artigo 2.° que viola frontalmente o artigo 11.° do Decreto-Lei n.° 598/73, disposição que visa garantir os direitos dos credores das empresas a fundir.

O artigo 11.° do Decreto-Lei n.° 598/73 é, sem dúvida, uma disposição geral e abstracta. Ora, se se entender que uma norma deste tipo pode ser derrogada por outra sem essas características, então a generalidade e a abstracção deixarão de funcionar, mesmo para os seus defensores, como garantia da igualdade dos cidadãos perante a lei.

Se uma norma geral e abstracta afirma que todos os cidadãos na situação X têm o dever de Y e posteriormente outra vem afirmar que os Srs. A, B e C estão isentos do cumprimento de tal dever, esta última norma tem de se considerar também geral e abstracta, entendendo-se que atinge negativamente todos os restantes cidadãos abrangidos pela primeira.

É, aliás, por este motivo que vários Deputados têm defendido na Assembleia da República que na reserva de competência legislativa fiscal deste órgão — artigo 167.°, alínea o), da Constituição — se têm de incluir as isenções fiscais. Que sentido faria dizer que só a Assembleia pode criar um imposto se o Governo pudesse isentar do seu pagamento qualquer cidadão? Apesar de a isenção, sobretudo quando dele beneficia uma determinada pessoa singular ou colectiva, não se traduzir numa norma jurídica geral e abstracta, ela tem de ser considerada como tal para os que entendem que tais circunstâncias são indispensáveis para o recurso ao artigo 281.°, sob pena de a inconstitucionalidade orgânica de um diploma do Governo que concedesse uma isenção não poder ser apreciada a posteriori pelo Conselho da Revolução.

A norma do n.° 1 do artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 484/77 ê susceptível de produzir grave lesão dos direitos dos credores das empresas fundidas, discri-minando-os relativamente aos restantes credores e com isso violando o artigo 13.° da Constituição. E não só pelas razões que o Dr. Moitinho de Almeida aponta a pp. 7 e 8 do seu parecer, mas também porque os bens das empresas públicas são impenhoráveis com as excepções consignadas na alínea a) do n.° 1 do artigo 823.° do Código de Processo Civil, pelo que os credores das empresas de capitais públicos fundidas podem ver os seus créditos, aeora sobre a NAVIS, despojados de garantia.

VIII — Em conclusão e por todas as razões apontadas:

1 — Não temos dúvidas de que o Decreto-Lei n.° 484/77 ê materialmente inconstitucional.

2 — Afigura-se-nos que o Provedor de Justiça pode solicitar ao Conselho da Revolução, nos termos do artigo 281.° da Constituição, a apreciação e declaração da inconstitucionalidade do diploma referido.

Diríamos mesmo que, ainda que ao Sr. Provedor fiquem dúvidas sobre se o poderá ou não fazer, seria conveniente que o fizesse, pois a Comissão Constitucional seria assim chamada a produzir jurisprudência sobre a matéria.

Sobre este parecer, proferiu o Provedor o seguinte despacho:

Não aceito o ponto de vista do parecer da Procuradoria-Geral da República, quando entende não ser de solicitar a declaração de inconstitucionalidade por considerar o Decreto--Lei n.° 484/77, de 16 de Novembro, não um diploma de normas jurídicas gerais e abstractas, e, portanto, não caber dentro da expressão «normas jurídicas» do n.° 1 do artigo 281.° da Constituição, já que uma tal expressão não abrange leis de conteúdo individual e concreto.

Os argumentos da Procuradoria-Geral da República não convencem e encaram esse pro-