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II SÉRIE — NÚMERO 47

II

A questão posta exige uma interpretação do artigo 20.°, n.° í, da Constituição e do artigo 262.° do Código de Processo das Contribuições e Impostos, a deste último à luz de determinado princípio que enforma o direito fiscal.

1 — Assim é que, no tocante ao primeiro, entendemos que não está assegurado o «acesso aos tribunais» e à «justiça» naqueles casos em que ao cidadão seja vedado, por circunstâncias mais ou menos acidentais, o julgamento pela última instância de recurso que o pleito admita. Por outras palavras, sendo o controle das decisões dos tribunais inferiores exercida, tão-só, pelas instâncias superiores, a justiça e o acesso aos tribunais, com o alcance real e pleno que comportam e que levam ao seu enquadramento nos «Direitos e deveres fundamentais» (parte i da Constituição), serão denegados, se e enquanto o cidadão não puder exercer o seu direito ao juízo da última instância.

Ao referirmo-nos às circunstâncias mais ou menos acidentais — no caso, a possibilidade de prestar caução — e à última instância de recurso que o pleito admita, pensamos, obviamente, naquelas excepções em que a lei, directamente e através do sistema das alçadas, limita a possibilidade de recurso. Em boa verdade, nem de excepções se trata, mas de casos com últimas instâncias específicas ou diferentes das normais.

2 — A esta luz, o mencionado artigo 262.° do Código de Processo das Contribuições e Impostos, ao condicionar, em termos absolutos, o seguimento do recurso no processo de transgressão à prévia prestação de caução — o mesmo é que dizer às possibilidades económicas, ou ao crédito necessário — parece, efectivamente, violar aquele direito fundamental.

Mas, sendo o direito fiscal, no nosso como na generalidade dos países, dominado por princípios próprios, que radicam, potenciando-se, na sua natureza de direito administrativo, entre os quais sobreleva o privilégio da execução prévia, em que medida aquele principio constitucional também neste âmbito se quis impor, ou se deverá impor? Mais concretamente, é perguntar que peso, ou que relevo deve ser atribuído, na presente questão, ao princípio do solve ei repete — segundo o qual o contribuinte só è admitido a discutir a legalidade do imposto depois de o ter pago —, relevo que será, obviamente, tanto menor, quanto mais ténue for a sua consagração no respectivo sistema legal.

Ora, o nosso sistema fiscal não adopta, como regra, o princípio do solve et repete: as reclamações e a impugnação judicial são admitidas e seguem os seus termos sem necessidade de pagamento prévio do imposto, mas também não afectam em princípio e, sem mais, o normal desenvolvimento da relação tributária; é o que resulta do artigo 160.° do Código de Processo das Contribuições e Impostos, segundo o qual a impugnação e o recurso (que não seja de processo de transgressão) suspendem a execução até à decisão, desde que a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, ou, se ainda não houver penhora ou os bens penhorados nào chegarem, desde que o executado preste cauçãc por qualquer das formas já aludidas.

E, abstraindo dos casos de cobrança eventual, onde o pagamento prévio do imposto surge como uma consequência necessária da natureza e regime de tal cobrança e não da consagração como tal, autonomamente, do princípio solve et repete (Cardoso da Costa, Aditamentos às Lições de Direito Fiscal, Coimbra, 1965, p. 21), é só, precisamente, na segunda parte do artigo 262.° que tal princípio foi expressamente consagrado pelo nosso direito [idem, p. 22, nota (!)], ou, em todo o caso, logrou um maior grau de expressão (Ruben Carvalho e Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Coimbra, 1969, p. 456). A sua estatuição nessa parte surge, assim, desta óptica, excepcional. Cremos que a sua razão de ser reside no facto de o legislador, no recurso do processo de transgressão e quando o imposto deva ser cumulativamente nele cobrado (cf. artigos 105.° e 117.° do Código de Processo das Contribuições e Impostos), não ter querido prescindir da prévia garantia de pagamento da quantia devida, garantia que o mencionado artigo 160.° não asseguraria, porque aplicável, em matéria de recurso, apenas aos interessados do processo de impugnação. Daí que tenha condicionado o seguimento daquele à prestação de caução pelo arguido.

a) Mas não será ir longe demais, no único caso onde o princípio do solve et repete foi expressamente consagrado, ou, pelo menos, alcançou maior afloramento, levá-lo logo a abranger também (a garantia de) o pagamento das próprias multas fiscais (em regra, até, só de multas)? Tal principio cobre também as multas? E estará certo que o faça em termos de tolher, na prática, a possibilidade de recurso?

É dizer que duvidamos da justeza e da coerência da solução no próprio âmbito do direito fiscal.

b) E o mesmo se diga fora desse âmbito, mas ainda dentro do direito ordinirio.

Com efeito e não obstante a exposta razão de ser do normativo em causa, discorda-se que o legislador tenha adoptado para o (recurso do) processo de transgressão uma solução, cujas consequências práticas podem ser mais gravosas para o contribuinte do que a perfilhada para os demais processos fiscais, esquecendo, naquele, ou, de qualquer modo, menosprezando o principio in dúbio pro reo, agora com assento constitucional no artigo 32.°, n.° 2. É que, nem pelo facto de, em princípio, se tratar de ilícito . ministrativo, deixa de ser ilícito e cuja ave-riguaçà está sujeita ao princípio da verdade material (v. artigo 121.° do Código de Processo das Contribuições e Impostos), onde aquele outro princípio pode e deve ter pleno cabimento. E não nos parece que esta conclusão seja invalidada pelas circunstâncias de, no caso, já haver unia sentença condenatória e de o princípio in dúbio pro reo ser, pelo menos para certos autores, atinente só à prova. É que, nem a sentença transitou em julgado, nem fixou e apreciou a prova em termos que possam ser considerados inalteráveis (v. artigos 257.° do Código de Processo das Contribuições e Impostos e 749.° do Código de Processo Civil).

Por outro lado, se passarmos em revista os diversos ramos de direito, cremos não se encontrar situação idêntica, ou seja, de o seguimento de o recurso estar condicionado a prévia prestação de caução pelo recorrente.