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15 DE JANEIRO DE 1983

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rado — onde, para além de existir um provedor de justiça genérico, hâ simultaneamente outros específicos, designadamente para as Forças Armadas.

Evidentemente não nego tal afirmação, o que afirmo é que em Portugal me parece não ser isso possível, uma vez que, se a Constituição entendeu constitucionalizar a figura deste provedor de justiça, é porque exclui automaticamente a possibilidade da criação, por lei ordinária, de outros provedores de justiça.

Disse depois o Sr. Deputado que lhe parecia que a existência do Provedor de Justiça não é contrária ao princípio da hierarquia e da disciplina, porque estas não podem ser sinónimos de prepotência.

Suponho, em todo o caso, que o problema não está ai. E evidente que a hierarquia e a disciplina não podem ser sinónimo de prepotência. O problema é que haverá efectivamente uma quebra de hierarquia, caso o superior hierárquico seja privado do poder disciplinar. Isto porque a relação hierárquica pressupõe um complexo de poderes e deveres, dos quais faz parte essencial o poder disciplinar. Donde, se se admitir o Provedor de Justiça em termos de poder haver um apelo directo à sua pessoa, saltando por cima da hierarquia, aí haverá claramente uma entorse ao princípio hierárquico, entorse que se nos afigura grave. E grave, na medida em que significa um corte na relação hierárquica; grave, na medida em que significa uma desautorização a priori do superior hierárquico; grave, na medida em que implicará, necessariamente, em relaxamento da autoridade disciplinar.

O Sr. Deputado citou depois um estudo da provedoria de justiça, estudo que naturalmente vale o que vale, mas que não pode ser invocado contra a liberdade de opção do legislador ordinário que esta Assembleia da República é e que tem todo o direito de não concordar com o que se diz nesse parecer.

Quanto ao Sr. Deputado Herberto Goulart, também algumas notas: afirmou o Sr. Deputado que o Serviço do Provedor de Justiça não iria afectar a hierarquia, porque as suas recomendações não são vinculativas.

Tive ocasião de dizer aqui, esta manhã — e repeti-lo-ia rapidamente—, que aquilo que afecta a hierarquia é, desde logo, o facto de se permitir, se for esse o regime, que um militar se dirija directamente ao Provedor de Justiça, sem passar através do canal hierárquico.

Esse facto, em si, muito antes ainda do uso do poder de recomendação, é um facto que afecta o princípio hierárquico em todas as suas conotações. Afecta, em segundo lugar, também a hierarquia o poder de averiguação, se existir sem limites e comportando uma intromissão no funcionamento interno da instituição.

Só num terceiro momento é que se coloca o problema de se saber se a recomendação afecta, ou não, a hierarquia.

Creio que, mesmo nesse terceiro momento e para além dos outros dois, o poder de recomendação afecta a hierarquia se se vier a traduzir em recomendações feitas a órgãos subalternos, e não ao órgão colocado no topo da hierarquia.

Se o Provedor de Justiça, como instituição estranha às Forças Armadas, puder emitir recomendações ao coronel X, ao capitão you ao sargento Z...

Vozes.

Pausa.

«Se*, St . Deputado, eu estou a dizer «se».

Sei muito bem não ser esta a proposta do PS, mas

hoje, de manhã, nas intervenções que houve, ninguém ressalvou esse problema, pelo que me julgo no direito de chamar à atenção para as consequências que advirão, caso for essa a versão que se dê à intervenção do Provedor de Justiça nessas matérias.

Efectivamente, aí haverá um facto grave a afectar profundamente a hierarquia.

Por último, o Sr. Deputado referiu —o que é verdade— que a instituição da figura do provedor de Justiça nesta área é compatível com a existência e p aperfeiçoamento dos outros mecanismos —a que chamei clássicos — de garantia de direitos dos militares.

É evidente que é compatível, mas o problema não é o de se saber se é ou não compatível, mas o de se determinar se neste momento será oportuna, antes de todos esses mecanismos serem repensados, modificados e melhorados até ao limite da sua perfeição, se será oportuna, dizíamos, a consagração de um outro mecanismo — o do Provedor de Justiça—, que é, como de manhã afirmei, normalmente o ponto de chegada de uma longa e lenta evolução, e não o ponto de partida da mesma.

Por último e em relação ao Sr. Deputado Mário Tomé, gostaria de lhe dizer não ter gostado nada de o ouvir afirmar que as Forças Armadas têm uma tendência natural para a prepotência e a arbitrariedade. Não é esse o juízo que faço das Forças Armadas.

Há, com toda a certeza, casos condenáveis em sede das Forças Armadas, como os há, Sr. Deputado, em muitas outras instituições. Não apenas nas Forças Armadas, mas em todas as instituições humanas, e não somente naquelas que assumem estrutura hierarquizada do tipo militar.

Não é só nas Forças Armadas, não é só nas forças de segurança, Sr. Deputado. Prepotência e arbitrariedade, há-as em todas as instituições. Pense o Sr. Deputado, por exemplo, nos colégios internos; pense o Sr. Deputado nas famílias, onde muitas vezes isso acontece mesmo nos ambientes mais íntimos.

Creio, Sr. Deputado, ter sido injusto ao afirmar dessa maneira aquilo que afirmou.

Gostaria igualmente de lhe esclarecer que não fiz qualquer equiparação, em termos constitucionais ou políticos, das Forças Armadas ao poder legislativo e ao poder judicial.

O argumento que utilizei foi este: se em relação ao poder legislativo e ao poder judicial — onde não há, nem tem de haver, com tanta intensidade a consagração do princípio hierárquico — não se prevê a intromissão do Provedor de Justiça, parece que, por maioria de razão, relativamente às Forças Armadas — onde esse princípio hierárquico é o princípio básico da organização— se deve ter, pelo menos, o mesmo cuidado.

O Sr. Mário Tomé (UDP): — De facto, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, não é só nas Forças Armadas que existe hierarquia. A hierarquia existe em todos os serviços, em toda a parte. A actuação do Provedor de Justiça não liquida os pressupostos da hierarquia nem o funcionamento da mesma.

O Orador: — Não é isso, Sr. Deputado. Desculpará, mas não é isso. É que nos outros serviços a hierarquia é um princípio técnico da organização, que pode existir ou não. Mas nas Forças Armadas aquele é um princípio essencial, sem o qual as Forças Armadas não terão nem coesão, nem disciplina, nem prontidão, nem capacidade operacional e, portanto, não alcançarão o seu fim.