O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

2 DE DEZEMBRO DE 1983

1491

A primeira dessas questões, uma vez que me parece fundamental discuti-la, é a de saber qual é, com efeito, na estrutura global do Estado, o papel desempenhado por um Ministério da Cultura. A nossa resposta é aquela que deriva da leitura dos dados da realidade, os quais claramente apontam para a necessidade imperiosa da adequação, através de um salto significativo, às múltiplas exigências de verbas que possam corresponder-lhe bastantemente.

Não podemos entender por cultura, obviamente e em termos de um departamento do Estado, alguma coisa que seja puramente emblemática. Temos da cultura uma visão dinâmica que, suponho, o Sr. Ministro sufragará. E, por isso mesmo, pensamos que se impõe, desde logo e dentro desta óptica —sem se defender nenhum tipo de posições como aquelas que há momentos condenava, segundo as quais nunca a cultura poderá ser rateada porque a cultura é a cultura—, que ela não seja discriminada relativamente a todas as outras esferas de intervenção do Estado.

Ora, o que acontece com a cultura no domínio em que estamos a deter-nos, tem a ver com fenómenos anteriores a este próprio Orçamento do Estado. Ela tem sido discriminada negativamente, de um modo bastante severo, em anos anteriores, e nem sequer a melhoria, cm termos de verbas, operada em 1982, a aproximou minimamente daquilo que seria necessário, face — como há pouco dizia — às múltiplas exigências que se colocam no sector. Logo, tudo o que não seja, no presente momento, fazer com que as verbas do Ministério da Cultura acompanhem, pelo menos, o curso da inflação, será agravar esse défice crónico e que tende a ancestralizar-se, o que, de modo nenhum, o PCP pode apoiar.

Uma segunda questão, que nos parece também fundamental, aprecia os problemas numa outra base. Há a própria proposta do PCP em relação às questões da cultura, no seu sentido mais amplo. Mas existe, a par desta, a proposta do Governo. Sendo assim, o que trataremos é tão-só de confrontar estas verbas com a proposta do Governo, programáticamente enunciada aquando da sua tomada de posse e depois frequentemente reenunciada pelo Sr. Ministro, em diferentes intervenções públicas, segundo as quais todo um conjunto de iniciativas deveriam ser tomadas no sector para dar cumprimento àquilo que prescreve a Constituição da República, designadamente no seu artigo 78.° — ou seja, o fornecimento dos «meios e dos instrumentos para a realização cultural», aí onde ela se efectiva, aí onde brota, e também o fomento de iniciativas culturais, aí onde é preciso que elas sejam suscitadas. Portanto, e em cotejo com a enunciação programática do Ministério da Cultura, a ilação óbvia a tirar de todo este orçamento sectorial, e, agora, do discurso produzido pelo Sr. Ministro, aponta para o não cumprimento daquilo que se pretendia, para programas tão-só de sentido demagógico e nunca voltados para uma hipótese de concrescibilidade, o que não pode deixar de ser considerado grave.

Vejamos. Qual é a realidade cultural que este país nos aponta dia a dia? É a do aumento substancial das necessidades das organizações e das associações de cultura e recreio; é a do aumento das dificuldades dos grupos de teatro independentes, e dos grupos que se dedicam à realização de cinema, de artes plásticas, etc; é a do aumento muito significativo das exigências de

implementação de uma verdadeira política do livro, quer dentro do País, quer na conectação da actividade literária e cultural portuguesa com o mundo; é a do aumento relevante das carências em termos da protecção, dos museus, e não só da sua protecção e manutenção mas, sobretudo, da sua vivificação — porque não pode continuar a aceitar-se, em 1983, no Portugal de Abril, que os museus sejam um lugar onde se «mata» o que foi «vivo» um dia, e que importa que hoje continue «vivo», designadamente através de formas de tratamento moderno, adequado e científico, dos seus materiais e dos seus espólios, sendo que tudo isto está por fazer e o Sr. Ministro seguramente não o ignora; é o que se passa relativamente às bibliotecas, que constituíam um ponto básico do seu programa e que, todavia, não estão a ser fomentadas, nem subsidiadas, nem sequer tratadas e renovadas, como se impunha; é o que vemos no tocante aos arquivos de material fundamental, a espólios extremamente importantes de personalidades culturais de relevo no domínio da música, da literatura e das artes, que continuam a não ser adquiridos pelo Ministério da Cultura, podendo, assim, estar a agravar-se uma tendência antiga que é a de, para estudar grande parte da nossa história, termos muitas vezes de recorrer a entidades que se situam no estrangeiro, nos grandes centros -.— em Paris, em Nova Iorque, por esse mundo fora —, quando normas elementares de patriotismo e de defesa do que é nosso determinarão uma clara e imediata inflexão deste estado de coisas. A realidade é também, por outro lado, a de que hoje existem inúmeras associações e organizações populares de cultura e de recreio que não têm tido apoios significativos, quando não mesmo, e em muitos casos, sofrem de ausência total de apoio por parte do Ministério da Cultural, panorama que não pode obviamente manter-se.

A uma situação de extrema carência por todo o País, que é conhecida, não apenas através dos jornais e dc outros meios de comunicação social, mas também dos deputados e das personalidades ligadas às actividades culturais, este Ministério e este Orçamento respondem com uma proposta que é deveras preocupante.

No seu discurso o Sr. Ministro da Cultura não me pareceu tão preocupado como isso, mas, de qualquer modo, aquilo que esta bancada tem a dizer a propósito, desta matéria, é que se sente seriamente inquieta com tudo o que deste Orçamento decorre. O Sr. Ministro referiu, de resto, que se sentiria francamente incomodado se houvesse, dentro da óptica global de constrição de verbas, qualquer discriminação positiva a favor do Ministério da Cultura. Enfim, é uma frase que pertence ao Sr. Ministro, não tenho nada a ver com ela, mas lembro-lhe, que, dentro desse mesmo contexto e apesar de tudo, o Ministério da Cultura acabou por ser muito levemente beneficiado — basta fazer um confronto entre as verbas que acabaram por recair sobre o Ministério e as verbas que recaem sobre outros departamentos do Estado —, o que prova que a discriminação positiva afinal existe, e isso leva-me a entender que aquilo que o Sr. Ministro não desejaria era que ela fosse mais ampla.

Pois bem, a proposta que fazemos —e entraria agora numa outra grelha de argumentação— é r.o sentido de amplificar uma realidade que é, não a da discriminação positiva a favor de um ministério, mas