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4 DE JANEIRO DE 1984

1892-(31)

tucionalmente atribuídos, mesmo que aquelas limitações tenham fundamentação pela Constituição admitida para a sua imposição.

Parece-me, assim, claro que qualquer acto de transferência de um servidor do Estado terá de conter uma especificação concreta dos motivos que a determinaram, visto que é a própria Constituição que impõe que eles só podem ser de «interesse colectivo» (é o caso, por exemplo, de a permanência do funcionário no seu posto de trabalho vir a perturbar os direitos ou legítimos interesses dos seus companheiros de trabalho) ou de «capacidade do próprio transferido» (será, por exemplo, o caso de manifesta incompetência, ineficiência, improdutividade ou inaptidão do funcionário para o lugar para que é transferido) e, de tal forma, que também se possa inferir ainda que aquela transferência tem por fim o interesse público ao qual exclusivamente o funcionário está obrigado.

Ê óbvio que, só podendo o acto determinativo de transferência de funcionários e agentes da Administração apoiar-se em razões de interesse colectivo e capacidade do próprio (artigo 51.°, n.° 3, da Constituição) e ter um fim de interesse público —melhoramento da Administração, inclusive (artigo 270.°, n.° 1, da Constituição) —, ao funcionário transferido só será possível contestar aquele acto, com alegação de que não existem os motivos que o podem justificar, ou o fira que tem de visar, usando o direito de recurso contencioso (artigo 269.°, n.° 2, da Constituição). Dado que o óivus da prova de inconstitucionalidade do acto (por violação do artigo 52.°, n.° 2, da Constituição ou do fim de interesse público imposto pelo artigo 270.°, n.° 1, da Constituição — desvio de poder) cabe ao funcionário transferido, aquela prova só será possível se aquele acto contiver, por si só, os elementos necessários que possibilitem aquela contestação. E tal só se dará, como é evidente, se o mesmo contiver especificados os motivos que o fundamentam.

íulgo, assim, pelo exposto, poder concluir que o acto administrativo praticado pela Administração, no exercício de competência legal e no uso de poder discricionário que a lei lhe confere, em que imponha a um funcionário ou agente de Estado a transferência para diverso posto de trabalho daquele em que foi provido, é inconstitucional, excepto se tiver como fundamento motivos ligados ao interesse colectivo ou à própria capacidade para o trabalho do transferido.

Será igualmente inconstitucional, por violar o artigo 269.°, n.° 2, da Constituição, se não contiver clara e explicitamente expressos os motivos que o fundamentam, visto não permitir assim ao interessado o uso do direito conferido pelo citado artigo.

14 — Segundo se lê no preâmbulo do Decreto--Lei n.° 356/79, de 31 de Agosto, a mera invocação da conveniência de serviço como fundamento do acto administrativo discricionário que imponha uma transferência de funcionário ou agente do Estado «reconduz-se quase sempre a uma avaliação global da actividade desenvolvida pela entidade substituída no tocante ao maior ou menor grau de eficiência demonstrada, às perspectivas

de actuação esboçadas, às omissões reveladas» — o que, a assim ser, justificaria, constitucionalmente, porque reportada à «capacidade do próprio», a violação do direito do funcionário ou agente ao posto e ao género de trabalho que escolhera e em que estava investido, bem como o interesse público (do serviço) que lhe era subjacente.

É a própria lei a reconhecer que a «recondução» da conveniência de serviço a motivos concretos baseados na capacidade do trabalhador para o posto de trabalho de que é transferido se dá quase sempre, o que logo faz surgir a pergunta de como, nada mais constando do acto como fundamentação senão a simples alusão a «conveniência de serviço», poderá o interessado, quando esse «quase sempre» se não verifique e a conveniência de serviço se não tenha apoiado nos motivos citados, usar do recurso contencioso cujo direito a lei fundamental lhe confere, contestando o acto por inconstitucional — tanto mais que, repete-se, o ónus da prova da sua ilegalidade compete ao queixoso (M).

Além disso, a simples invocação da conveniência de serviço como fundamento do acto de transferência, unilateralmente alegada pelo seu autor, impedindo a possível aferição dos motivos que a baseiam com o fim imposto pela lei — o fim de interesse público—, poderá conduzir a actuações com vista a objectivos bem diversos daquele fim, nomeadamente o de afastamento do funcionário por razões de ideologias políticas ou partidárias, que, além de serem contrárias aos imperativos constitucionais [Constituição, artigo 52.°, alínea b)], podem ir mesmo contra o obrigatório fim de interesse público (por exemplo, em prejuízo da própria Administração), não podendo, por falta de fundamentos, ser contenciosamente recorríveis por desvio de poder.

E a pura e simples remissão para um conceito — o da conveniência de serviço — não garante ao interessado (funcionário transferido) usar do seu direito a recurso contencioso, garantido pela Constituição (artigo 269.°, n.° 2), pela impossibilidade prática de provar que aquele conceito se reconduz a uma avaliação da sua «capacidade» ou do interesse colectivo [únicas restrições legais que a Constituição admite para o direito que a mesma lhe confere de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho (artigo 51.°, n.° 2)], ou de impugnar o acto por «desvio de poder».

Não posso deixar de concluir que o acto administrativo, no uso de poder discricionário, que determine a transferência de funcionários ou agentes do Estado e que invoque unicamente a conveniência de serviço, ou não seja concreta e expli-

(*) Conforme jurisprudência, que se vai tornando dominante (v. g., Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, pleno, de 15 de Maio de l%t e Acórdãos da 1.' Secção dc 24 de Abril de 1972, de 3 de Maio de 1973 e de 20 de Outubro de 1977), embora o artigo 19." da Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo preceitue que o exercício do poder discricionário só pode ser atacado contenciosamente com fundamento em desvio do poder, deve admitir-se que, no caso de erro nos pressupostos do uso desse poder, o acto respectivo pode ser impugnado com fundamento em violação de lei.