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4 DE JANEIRO DE 1984

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viço. E 6 meses após a passagem àquela situação poderá ser colocado em vaga da sua categoria.

De tudo isto resulta que a nomeação vitalícia é para os funcionários diplomáticos uma ilusão, visto que a garantia que o artigo 83." do Regulamento pretende reconhecer fica, no fim de contas, prejudicada pelo regime dos artigos 169.° a I73.u do Regulamento e 37." da Lei Orgânica.

É, pois, nítida a desvantagem dos funcionários diplomáticos perante os demais funcionários públicos e pessoal portador de estatuto especial, como é o caso dos magistrados judiciais e do ministério público. Se, para além disso, tal desvantagem se traduzir numa ausência absoluta de garantia do direito ao lugar, estaremos então em presença de uma relação de emprego — a dos funcionários diplomáticos— caracterizada, basicamente, pela instabilidade.

Ora, não sendo esta característica definidora do estatuto do funcionário público í4") — como não o é da genoralidade dos trabalhadores, de acordo com o disposto no artigo 52", alínea b), da Constituição da República (garantia de segurança no emprego mediante a proibição de despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos) —, a disponibilidade específica agrava particularmente a situação dos funcionários diplomáticos em relação aos demais funcionários (incluindo os portadores de estatuto especial), sem que para tanto haja razão para distinguir entre uns e outros C"). E agrava-a também em lermos patrimoniais, uma vez que, tendo o funcionário menos dc 5 anos de serviço, não receberá remuneração alguma e, contando mais de 5 anos. apenas receberá remuneração inacumu-lávcl calculada em condições idênticas à da respectiva pensão de aposentação. A disponibilidade pode, pois, acarretar a suspenssão ou a redução de vencimentos. E todas as consequências provém de acto unilateral da Administração praticado no exercício de um poder discricionário.

b) Não será difícil concluir que este estado de coisas ofende frontalmente o preceito do n.° 2 do artigo 13." da Constituição da República (prin-

(") Cf. o Parecer n.° 20/75, de 10 de Abril, da Procuradoria--Ceral da República. São, a propósito, elucidativas as medidas restritivas à admissão de pessoal na função pública constantes ilo Decreto-Lei n." 140/81, dc 30 de Maio.

(") A manutenção de regime tão severo poderá ficar a dever-se a razões de ordem disciplinar, funcional ou política. Porém, qualquer dos motivos invocáveis para a vigência daquele regime não resiste às exigências de adaptação da disponibilidade aos direitos entretanto reconhecidos aos funcionários e demais trabalhadores rio tocante à estabilidade da relação dc emprego, a qual se traduz, normalmente, na impossibilidade de afastamento do funcionário ou trabalhador sem causa justificada apurada em processo disciplinar. Ê, pois. manifesta a inviabilidade de manutenção do regime da disponibilidade, tal como é entendido pelos diplomas rio Ministério dos Negócios Estrangeiros, não só perante a legislação ordinária, como face ao ordenamento constitucional, pois ambos reconhecem ao funcionário a possibilidade dc se pronunciar a respeito de actos susceptíveis dc afectarem de modo tão significativo a respectiva carreira. Não esqueçamos que. presentemente, o funcionário apenas poderá impugnar contenciosamente a decisão que o colocou na disponibilidade mediante a invocação de desvio de poder.

cípio da igualdade), considerando os factores de desigualdade apontados c a circunstância de o preceito constitucional citado não conter uma enunciação taxativa, mas exemplificativa (J2).

É, com efeito, discriminatório, face à evolução verificada a nível interno — para já não falar no tratamento concedido à disponibilidade em outras ordens jurídicas —, o regime de disponibilidade próprio dos funcionários diplomáticos, por envolver completa falta dc garantia do direito ao lugar e a penalização pecuniária do funcionário, à margem de qualquer processo no qual o visado possa, dc algum modu, delcnder-se da aplicação de um regime que lhe é manifestamente prejudicial.

c) A incerteza de regresso à actividade no prazo de 5 anos c o consequente espectro da aposentação compulsiva ou da perda do lugar completam o quadro deste regime, do mesmo passo que permitem aclarar u oposição do mesmo ao ordenamento constitucional. Como vimos, o funcionário colocado na disponibilidade pode ser chamado ao activo em vaga da respectiva categoria 6 meses sobre a data da passagem àquela situação. Não goza —ou melhor, continua a não gozar— dc alguma garantia de direito ao trabalho (ou ao lugar, se se preferir), porquanto a chamada à actividade de funções na Secretaria--Geral ou no esLrangeiro não depende do funcionário, mas exclusivamente da Administração, precedendo «razões de interesse público». Quer isio dizer que o funcionário apenas sabe antecipadamente da sorte que o espera, caso não seja chamado a retomar funções, ao fim de 3 anos: transição para a situação de aposentado ou afastado do serviço por perda do lugar.

Trata-se, no fim de contas, de aposentação compulsiva ou dc demissão disfarçada pela figura da disponibilidade. Estava, assim, encontrada uma via cómoda de se conseguir o afas-lamento de funcionários diplomáticos eventualmente reveladores dc insuficiências dc ordem profissional, de condutas susceptíveis de implicarem procedimento disciplinar ou de comportamento político (45) lido por menos adequado pelo titular da pasta dos Negócios Estrangeiros. Em lugar de se proceder disciplinarmente contra o funcionário, este, ouvido o conselho do Ministério, é passado à disponibilidade, prescindindo-se da audição do funcionário e de todos os meios de defesa que o mesmo possa querer utilizar para obstar à coloca-

C:) V. Prof. /orge Miranda, «Regime dos direitos, liberdades e garantias», inserto no volume in dos Estudos sobre a Constituição, o. 54.

(") Comportamento susceptível de constituir o funcionário em responsabilidade disciplinar por eventual falta de acatamento dc directrizes recebidas do ministério encarregado da condução da política externa. Já não se compreende, todavia, u colocação na disponibilidade de funcionário diplomático apenas pelo facto de não ser afecto à corrente política do Executivo. Sobre a aplicação do artigo 52.°. enquanto direito fundamental, ao funcionalismo, são de bastante interesse ns reflexões de José Luís Pereira Coutinho no seu artigo «A relação de emprego na Constituição — Algumas notas», in Estudos sobre a Constituição, vol. in, pp. 696 e segs.