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8 DE FEVEREIRO DE 1984

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mesmo que, no capítulo u do título t do livro n do Código Penal, é claGsTicado: crime contra a vida intra-uterina.

A economia, a lógca ou o raciocínio deste projecto de lei traduz-se, em poucas palavras, no seguinte: o aborto continua colocado na área dos crimes contra a vida intra-uterina, mas alguns casos são de lá tirados, para :hes excluir a ilicitude. Portanto, estamos perante um projecto de lei que pretende legislar em termes excepcionais. Esta é, aliás, a base do raciocínio do PS para dizer que é um projecto de lei restritivo, na medida em que se coloca na área da excepção.

Mas este artigo 2.° entra'propriamente não na área da exclusão, mas na área generalizada dos crimes contra a vida intra-uterina, na medida em que, ao colocar-se naquela situação, o médico não beneficia da exclusão da ilicitude. Mas o mesmo diploma —o Código Penal — diz que o crime só existe quando há dolo. Para haver crime com negligência é preciso que a lei o diga expressamente, o que consta claramente do artigo 13.° do Código Penal, embora com uma linguagem diferente daquela que usei.

Diz então este artigo que «só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência». Atente-se bem na expressão «nos casos especialmente previstos na lei». Logo, quando a lei não fala em negligência, e se estivermos na área criminal, esse crime exige necessariamente dolo. Porque só há crime com dolo, a não ser que a lei diga expressamente que, num certo caso, o crime está previsto mesmo que se pratique com negligência.

E agora regressaria ao artigo 2° do projecto. Se os Srs. Deputados lerem atentamente o n.° 1 do artigo 2.°, verificam que ele coloca o médico na área do crime contra a vida intra-uterina. Desde que aqui se não refira que o seu acto, praticado com negligência, o coloca lá, ele só lá está colocado se agir com dolo. Porque o crime contra a vida intra-uterina é sempre um crime —e não estou a discutir susceptibilidades de cada um; o que interessa é que, em termos de nomenclatura jurídica, é um crime—, e só quando há dolo é que existe, visto que a lei não prevê este crime com negligência.

Não sei se estou a ser claro. Eventualmente, a minha forma de expressão não será muito feliz, podendo algum dos senhores deputados ter dificuldade em me entender, mas estou disposto a desenvolver, por outras palavras, a mesma ideia. No fundo, posso sintetizar isto: sempre que a lei prevê um crime, se lá não estiver escrita a expressão «negligência», sÒ existe crime se houver dolo. Se estamos aqui a remeter o médico para a área do crime contra a vida intra--uterina, retiraremos o dolo, porque, em termos gerais, a lei já obriga a esse dolo. E assim, quanto a mim, aperfeiçoaremos o texto em termos de técnica jurídica.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado

fosé Magalhães.

O Sr. losé Magalhães (PCP): — Sr. Deputado Correia Afonso: Comprendemos as dúvidas suscitadas por si. Em todo o caso, creio que não há realmente causa pata swàttatt as questões que suscitou. E tentarei demonstrá-lo rapidamente.

Que hipótese é que é regulada no artigo 2.°? Ê apenas a hipótese do aborto lícito, isto é, do aborto verificado nas circunstâncias previstas no artigo 1.°, apenas nessas, e não em quaisquer outras, caso em que, infelizmente, continua a ser criminoso, em que o médico não se tenha premunido dos documentos exigidos pela lei. Portanto, neste artigo, deixarem-se de fora muitos casos, como, por exemplo, as situações de erro na verificação dos pressupostos. Como o Sr. Deputado bem configurará, os pressupostos podem não se verificar, mas, no entanto, por erro, o médico, julgando que eles se verificam, praticar a interrupção da gravidez. Como é que se resolvem essas hipóteses? Pela aplicação das regras gerais do Código Penal. Portanto, neste caso não há qualquer problema.

O Sr. Correia Afonso (PSD): — Não é crime!

O Orador: — Exacto, Sr. Deputado. Ê crime, mas por aplicação das regras contidas na parte geral. Dadas as circunstâncias, o tratamento penal é adequado por forma a não conduzir à punição concreta do médico.

O Sr. Correia Afonso (PSD): —Não é crime.

O Orador: — Não, Sr. Deputado. A hipótese que estou a figurar é a de haver erro na verificação dos pressupostos. Outra hipótese é a de haver erro em relação ao consentimento: o médico julga que tem o consentimento da mulher que se submete à interrupção da gravidez, mas o consentimento ou foi mal expresso ou expresso por forma inadequada ou não foi expresso.-

O Sr. Correia Afonso (PSD): — Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: — Faça favor, Sr, Deputado.

O Sr. Correia Afonso (PSD): — Sr. Deputado José Magalhães: Creio que as hipóteses que está a descrever — salvo o devido respeito, pois estamos a discutir uma matéria técnica, na qual não sou especialista, não sou penalista— configuram hipóteses de negligência. Aquele que se enganou nisto, aquele que julgou aquilo configuram nítidas hipóteses de negligência. Como sabe, em termos de direito —e não lhe vou explicar isto a si, pois certamente que não é necessário, mas sim, em termos generalizados, a alguns dos senhores deputados, que poderão não o saber—, a vontade tem vários graus. O dolo é o grau mais seguro e mais forte: é uma vontade perfeitamente definida em determinado sentido, embora a lei distinga três espécies de dolo.

A negligência é uma forma de vontade, mas uma forma de vontade indirecta: é aquela que resulta do erro. Quando chego à janela e atiro distraidamente o cigarro para a rua, provocando um incêndio num carro que está parado, estou a agir com uma forma de vontade que é a negligência, não por que quisesse incendiar o carro, mas porque, quando atiro fora o cigarro, tinha obrigação de pensar que pode lá estar um carro em baixo e que posso incendiá-lo.

Ora, as hipóteses que o Sr. Deputado está a configurar — o médico engana-se nos pressupostos, juí-