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II SÉRIE — NÚMERO 84

gando que há consentimento, quando ele na realidade não existiu — são casos de negligência. Porque, ele não tem a intenção de iludir a lei, de prefigurar ou de representar determinado objectivo que sabe ser contrariado pela lei; funciona, em termos de estrita intenção, dentro da legalidade, embora se tenha enganado por qualquer coisa. Há aqui uma negligência. Portanto, não seria crime porque os crimes contra a vida intra-uterina pressupõem dolo.

O Orador: — Sr. Deputado Correia Afonso: Eu agarrava na questão por outro ângulo. As duas hipóteses que se quis regular aqui — e que são diferentes — foram as que passarei a descrever. Primeira hipótese: o médico, intencional e deliberadamente, não se mune do parecer, nem o obtém posteriormente à interrupção. Esta é uma hipótese em que, logicamente, o tratamento pena! deverá ser mais gravoso. Segunda hipótese: o médico, por negligenciai em sentido técnico, neste caso), não se muniu do parecer, nem curou de o obter posteriormente. E, neste caso, a pena deve ser inferior e o tratamento penal distinto.

Foram estas duas hipóteses que se pretenderam regular neste artigo. Aliás, na parte em que a podemos conhecer, a história dos trabalhos preparatórios deste projecto de lei assim o revela, pois o antecedente deste normativo é o artigo 153.° do anteprojecto de Eduardo Correia, na versão de 1979, com correcções e aligeiramentos. Portanto, deduz-se claramente — e os autores poderão explicá-lo cabalmente — que se quis excluir o tratamento das hipóteses de erro na verificação dos pressupostos e das hipóteses de erro sobre o consentimento, remetendo-o para os princípios gerais, e que se pretendeu regular só estes dois casos, dando-se um tratamento penal diferenciado ao dolo e à negligência (neste sentido técnico), nestas hipóteses em que o aborto não é crime, sendo, antes, lícito. Mas —diz esta lei — não acarreta despenalização em todas as circunstâncias.

ê preciso que o médico, com um tipo criminal criado aqui de novo, preencha certos requisitos; se não o fizer, incorre em certas sanções, não nas sanções correspondentes ao aborto criminoso, mas noutras sanções específicas e próprias. Em todo o caso, penso que os autores poderão também dar o seu contributo sobre esta matéria, que muito agradecíamos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): —Sr. Deputado José Magalhães: Compreendo perfeitamente os seus argumentos. Entre eles, há um que talvez, para mim, seja muito forte. É que, embora para mim não seja necessária a introdução do dolo aqui, ela pode ajudar a esclarecer. Nesse sentido, aceito-a, embora, em minha opinião, seja desnecessária.

Vozes inaudíveis.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. »osé Luís Nunes (PS):—Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou tentar responder claramente a esta questão. Com aquela lealdade que costumo

usar nestas questões, acho duvidoso que se possa aqui encetar uma discussão destas. Os Srs. Deputados do PCP, que têm lutado com tanta intensidade(?) por uma série de coisas. Ê duvidoso, porque aqui não se configura nenhum crime contra o direito à vida. Aqui configura-se um crime do arco-da-velha, que consiste em saber se, por acaso, um sujeito que não obteve documentos comprovativos, mesmo que o aborto seja lícito, cometeu um crime. Isto é de uma violência extraordinária.

Vozes inaudíveis.

O Orador: — E aquilo que os Srs. Deputados Correia Afonso e José Magalhães estão a dizer é muito parecido: não estão a dizer coisas diferentes, isto nada tem a ver com o aborto. Agora, o médico que interrompe voluntariamente a gravidez, em casos lícitos, e que, por dolo, não pretendeu obter, nem obteve, os documentos X, Y ou Z, apanha a mesma pena que apanharia se o aborto fosse ilícito. O que é que isto quer dizer? Isto quer dizer que o tribunal não vai verificar, a não ser em termos de atenuante gerai, se, por acaso, o aborto foi ou não lícito, mas apenas constatar que aquele médico não quis obter estes documentos. Esta é uma critica clara e nítida em relação a isto.

Ponto I: é possível configurar-se uma hipótese destas como dolosa? Quer dizer: em face do aborto lícito, há algum caso em que se possa configurar uma hipótese destas como dolosa? Não há, ou dificilmente haverá. É uma hipótese meramente teórico.

Só depois é que surge a questão do n.° 2 do artigo 2.° Havendo negligência — e aí, sim, é que normalmente se pode configurar—, então a pena aplicável é a de prisão até 1 ano. Imaginemos que, em despacho de pronúncia emitido em processo de querela, o doutor X é acusado por ter praticado um aborto, nos dias tantos de tal, sem se ter premunido dos documentos referidos. Mas vai-se acusá-lo de ter praticado o acto com que intenção?

Aqui é que surge o problema do dolo, havendo que atentar nos artigos 13.° e 14.° do Código Penal, sobretudo no artigo 14.° O médico não recupera os documentos com que intenção? Que facto é que configurei — no caso do aborto lícito —, que visa uma: coisa destas? Ora, o que aqui estava certo — isso sim —, se examinássemos isto atentamente, era eliminar pura e simplesmente esta punição por dolo no que se refere aos documentos, mantendo-a só para a negligência. Aquele médico que não se premune com os documentos ou que não os tira e que é negligente apanha 1 ano de cadeia — e já é uma «pancada» terrível. Isto era o que seria lícito, porque o tribunal, na incriminação desta hipótese, não é sequer obrigado a verificar se o aborto é ou não lícito, antes pelo contrário. O tribunal pode dizer que o aborto era perfeitamente lícito, legal, claro, mas que este médico irá levar uma «pancada» igual à que levaria se tivesse praticado aborto clandestino, porque não se premuniu com os documentos necessários.

Ora, se tivermos um bom espírito para examinar estes problemas, pura e simplesmente eliminamos esta incriminação por dolo e acrescentamos o seguinte: «o médico que, por negligência, fizer isto apanha uma pena de prisão até 1 ano». Mas, para isso, é preciso que não percamos muito tempo aqui e que pensemos