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II SÉRIE — NÚMERO 61

4 — Em geral, entende-se por inconstitucionalidade material o não cumprimento (inacatamento) da Constituição (por acção ou omissão) por parte dos órgãos do poder político, mas não deve, consabidamente, emprestar-se a tal noção o sentido — demasiado amplo— de equivalência a toda e qualquer mera descorrespondência entre ura acto ou uma omissão, sejam quais forem, e uma norma constitucional.

Ê que «inconstitucionalidade como conceito jurídico relevante é apenas a inconstitucionalidade directa, ou seja, aquela que afecta um acto que esteja já por si em relação directa com a Constituição e que a Constituição regule, a título, senão exclusivo, pelo menos principal» (v. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. li, p. 577).

Mas no que toca ao presente caso logo se poderá falar, em tese, de inconstitucionalidade material por acção (a revogação dos preceitos que constituíram a essência da execução pragmática do preceito constitucional, por si só tradutora da intenção de obstacular àquela execução) como também, e sobretudo, de inconstitucionalidade material por omissão (a revogação criaria um vazio que se tornaria inevitável e consumado por sequente inércia); e, a optar-se por esta última qualificação, poderia até dizer-se que a norma ora arguida de inconstitucional premeditaria mesmo a impossibilidade de se atingir o objectivo inserto no correspondente parâmetro constitucional.

5 — Uma visão do Decreto-Lei n." 254/82 onde se insere a disposição em causa, em cotejo com o que se dispunha na Lei n.° 56/79, pode, sem dúvida, ocasionar, pelo menos, a hesitação sobre se o desaparecimento dos órgãos que no âmbito desta última se destinavam a assegurar o cumprimento da lei constitucional e a sua não substituição por outros de estrutura ou escopo similares não significará, no campo das actuações práticas, uma subversão nos caminhos que se apontavam como devendo ser percorridos.

E decorrerá, até, a permissão de se pensar que a lei fundamental, pretendendo, como se alcança do espírito informador do seu artigo 64.°, possibilitar uma ampla facilidade de acesso dos seus destinatários aos benefícios de um Serviço Nacional de Saúde, facilidade essa que seria a melhor garantia do respeito pelo direito à protecção da saúde, desejaria a existência de um complexo orgânico de actuação prática pautado fundamentalmente pelo encarecimento dos organismos de base (proximidade, celeridade, desburocratização), em suma, por umas tanto quanto possível maiores descentralização e participação.

isso é o que, de resto, resulta de uma leitura atenta do n.° 3 do artigo 64.° da Constituição e aparece mesmo como indiscutível e inquestionavelmente consagrado no n.° 4 do preceito:

O Serviço Nacional de Saúde tem gestão descentralizada e participada.

Ora algumas das normas revogadas integravam-se no enquadramento traçado pelo diploma constitucional e nas descentralização e participação que na Constituição se eregem como factores

determinantes ou traves mestras para a gestão do Serviço Nacional de Saúde.

Assinalam-se, ainda assim, como exemplos porventura mais expressivos, entre outros, os das normas revogadas dos artigos 21.°, 22.° e 23.° da Lei n.° 56/79 (aquela última a consagradora da participação dos utentes e dos profissionais de saúde no planeamento e na gestão dos serviços), das integradas no capitulo iv — dos serviços particulares dos cuidados de saúde e as do título vil— da articulação com o sector privado.

O desaparecimento dessas regras, dos princípios que assegurariam poder executar e dos órgãos que estariam adequados à prossecução do escopo constitucionalmente idealizados, não foi, por outro lado, no âmbito do Decreto-Lei n.° 254/82, colmatado: antes e ao contrário se insinua na própria nota preambular do diploma uma profunda reserva (profunda e algo preocupante) quanto ao ' êxito de um ensaio de regionalização sem uma definição prévia de estruturas horizontais «que coordenem técnica, funcional e organicamente os departamentos centrais da Secretaria de Estado da Saúde».

Da análise do diploma —em cujo contexto ou ideia— a norma do artigo 17." aparece logicamente inserida e justificada — resulta a conclusão de que a descentralização da gestão, tal como constitucionalmente se comanda, só será pragmáticamente encarada em estádio ulterior (temporalmente, porém, indefinido) e a de que a participação na gestão para que constitucionalmente se aponta terá de adiar-se em função daquela, para que possa realmente ocorrer em termos curiais, uma vez que não é fácil conceber a participação numa gestão que, visivelmente permanece, persiste ... centralizada.

6 — Em constituições programáticas, ou onde se inserem normas de tipo programático — como é a do artigo 64.°—, nem sempre é fácil esperar adequação entre os comandos constitucionais e as normas legislativas hierarquicamente secundárias que hão-de prosseguir aqueles comandos e regular as acções em conformidade aos parâmetros constitucionais.

O que deriva do inelutável facto de o legislador constitucional estabelecer princípios, escopos, tendências, e o legislador ordinário jogar com situações, possibilidades, soluções.

A consequência desta contraposição entre o dever ser constitucional e o que pode ser num momento dado, resulta na existência tíe momentos de inadequação — que podem vir a ter a mais diversa duração— conducentes ou não a situações de aparente inconstitucionalidade.

Tal aparência radicarse, a maior parte das vezes, na carência de meios de actuação imediatos susceptíveis de propiciarem uma adaptabilidade célebre dos condicionalismos disponíveis aos comandos constitucionais.

Tais momentos de hiato — quer se traduzam na preparação da formação de normas que correspondam à realização da orientação constitucional, quer se imponham por uma necessária análise dos dados de facto permissivos cfaqueías preparações e formulação— podem, assim, en-