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II SÉRIE — NÚMERO 61

dendo deixar de exercê-los por decisão própria, nem modificar livremente os seus estatutos, nem extinguir-se); a inscrição é obrigatória, em cada uma delas, para a respectiva classe profissional, como condição sine qua non do exercício da actividade, podendo todas elas excluir de tal exercício os seus representados.

Impõe-se uma conclusão: as 3 Câmaras profissionais são pessoas colectivas de direito público. A Câmara dos Revisores Oficiais de Contas, designadamente, é-o, apesar de a lei, a nosso ver erradamente, lhe chamar outra coisa.

20 — Dissemos que a qualificação das câmaras profissionais como associações públicas pode afastar as objecções resultantes do disposto na Constituição, nomeadamente nos artigos 46°, n.° 3, e 47.°, n.° 1. Neste sentido subscrevemos as palavras do Dr. Sérvulo Correia:

Nós pensamos que a disciplina constitucional da liberdade de associação incide sobre as associações de direito privado, cuja constituição se baseia num acto negocial de exercício da autonomia individual, o mesmo sucede com os subsequentes actos individuais de adesão ou de exoneração (op. cit., p. 146).

Não estamos, pois, de acordo com aqueles que consideram a obrigatoriedade de inscrição nas associações públicas contrária ao n.° 3 do artigo 46.° da Constituição (neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 1978, p. 128) (5).

Em nosso entender, por conseguinte, a Câmara dos Revisores Oficiais de Contas —como, de resto, as outras câmaras profissionais e as ordens— é uma pessoa colectiva de direito público, do tipo associação pública, o que afasta as suspeitas de desconformidade constitucional atrás apontadas.

V

Questões complementares:

21 — Subsistem, porém, duas questões, sendo a primeira a de saber se a nossa conclusão pode valer contra legem, isto é, contra a expressa qualificação legal da Câmara dos Revisores Oficiais de Contas como pessoa colectiva de direito privado e utilidade pública, feita pelo n.° l do artigo !14.° do Decreto-Lei n.° 519-L2/79.

Trata-se, cremos, de uma questão duvidosa: poderá o intérprete «desautorizar» o legislador, discutindo as qualificações jurídicas por este feitas? Depois, não terá isso inconvenientes práticos, sabido que da qualificação feita pelo legislador decorre muitas vezes a aplicação de um

(!) No mesmo sentido, veja-se a já célebre sentença do 14.° Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, datada de 4 de Outubro de 1982 (caso Pires de Lima), que considerou contrária à Constituição a obrigatoriedade de inscrição dos advogados na respectiva Ordem.

regime específico, como sucede precisamente com a qualificação de um ente privado como pessoa colectiva de utilidade pública (6)7

Vamos supor que nos tínhamos de resignar a aceitar a qualificação legal. Em tal caso, a obrigatoriedade de inscrição como condição do exercício profissional seria inconstitucional, devendo o Provedor de Justiça solicitar ao Tribunal Constitucional a apreciação e declaração da inconstitucionalidade das disposições em causa do Decreto-Lei n.° 519-L2/79.

Para quem, como nós, entende que os preceitos constitucionais sobre liberdade de associação se não aplicam às associações públicas, tal pedido não deixaria de intrigar: afinal, normas idênticas — as que tornam obrigatória a inscrição na Câmara dos Revisores Oficiais de Contas e as que a tornam obrigatória na Câmara dos Despachantes Oficiais— justificariam um diferente juízo de conformidade constitucional, apenas (o que não significa que a diferença seja irrevelante) por se referirem a entidades a que a lei, não obstante a idêntica criação por acto do poder e a similitude de atribuições, confere qualificação jurídica diversa.

Suponhamos então que rejeitamos a qualificação legal. Não implicará tal rejeição pôr era causa a aplicação à Câmara dos Revisores Oficiais de Contas do regime previsto no Decreto-Lei n.° 460/77 para as pessoas colectivas de utilidade pública?

22 — Resta a segunda questão: o artigo 105.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 519-L2/79 estabelece que das deliberações do conselho disciplinar da Câmara dos Revisores Oficiais de Contas cabe recurso para a 1." Secção do Supremo Tribunal Administrativo.

Acontece, porém, que o reclamante viu a sua inscrição suspensa por falta de pagamento das quotizações e não por motivos disciplinares. Nos termos do artigo 134.° daquele diploma legal, tal deliberação é da competência do conselho directivo. Ora nenhuma disposição do Decreto--Lei n.° 519-L2/79 prevê qualquer recurso das deliberações daquele órgão. Poderia até inferir-se, «a contrário», da disposição expressa do n.° 1 do artigo 105.°, que todas as deliberações em matéria não disciplinar seriam contenciosamente irrecorríveis.

Só que, a ser assim, e tendo em consideração que sustentámos ser a Câmara uma associação pública, portanto um ente integrado na Administração Pública estadual (indirecta) (7), estaríamos confrontados com uma ofensa ao artigo 268.°, n.° 3, da Constituição, isto é, da garantia de recurso contencioso.

Mas não cremos que seja assim: é que o n.° 3 do artigo 114." do Decreto-Lei n.° 519-L2/79 afirma que as deliberações do conselho directivo «têm força de actos definitivos e executórios».

(s) Esse regime jurídico específico consta, essencialmente, dos artigos 9." e 12." do Decreto-Lei n.° 460/77. (') Freitas do Amaral, op. cit., p. 399.