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1 DE MARÇO DE 1985

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7." Pode compreender-se o princípio de política legislativa que norteou tal distinção: o caso da índia estava longe, e havia que impedir que, pela opção dos interessados, o Estado Português viesse a receber no seu seio cidadãos naturalmente susceptíveis de se tornarem nacionais dos novos países independentes. Para um País em crise, a avalanche dos nacionais próprios e dos novos nacionais poderia ser um catástrofe.

8.° Só que, no entanto, tal «princípio de opção» é internacionalmente aceite como princípio positivo em caso de desmembramento de territórios (v., nesse sentido, Rui Moura Ramos, Revista de Direito e Economia, Coimbra, ii, 2, pp. 331 e segs.).

9.° E se é certo que o legislador do Decreto-Lei n.° 308-A/75 apontou na direcção que levava ao seu respeito, a verdade é que acabou por perfilar um sistema incoerente e equívoco, e, porque não dizê-lo, inteiramente discriminatório,

10." Na verdade, ao conservar a nacionalidade aos nascidos no antigo Estado da Índia, e retirando-a aos demais nascidos nos restantes territórios ultramarinos, impedindo estes de, através da sua opção, declararem querer conservar a nacionalidade portuguesa, é evidente que o legislador privilegiou os nascidos na Índia e privou do direito de cidadania nacional os nascidos nos demais territórios ultramarinos.

11." Do exposto resulta, pois, que o disposto no artigo 1.°, n.° 1, alínea c), do Decreto-Lei n.° 308-A/75, está em manifesta desconformidade com o conteúdo do artigo 13.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa de 1976, como já o estava com o disposto no artigo 5.°, § 2.°, da Constituição da República de 1933.

12.° Está, assim, o preceito em causa ferido do vício de inconstitucionalidade material indicado.

13." Sucede, por outro lado, que, após a primeira revisão constitucional — Lei Constitucional n.° 1/82, de 30 de Setembro— foi introduzido um novo princípio na Constituição — artigo 26.°, n.° 3 — onde se expressa que a privação da cidadania (leia-se também nacionalidade) não pode ter como fundamento motivos políticos.

14.° Tal princípio teria decorrido da recepção no nosso direito interno do artigo 15.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem, onde se consagrava «que ninguém podia ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade [...]», princípio esse que durante muito tempo se entendeu não constituir uma regra de direito vinculativo para os Estados (v. Moura Ramos, ob. cit., p. 339).

15.° Mas pergunta-se: sendo o diploma em em causa de 1975, isto é, anterior à Constituição de 1976, e, por maioria de razão, à Lei da Revisão Constitucional, deverá o mesmo conformar-se com os princípios constitucionais indicados?

16.° Desde há muito que a maioria da doutrina (v. por todos Jorge Miranda, A Constituição de 1976, pp. 120 e seguintes) e, mesmo, a antiga Comissão Constitucional vinham caracterizando tais situações como de inconstitucionalidade superveniente, competindo ao órgão encarregado de fiscalizar a constitucionalidade das normas a apreciação da conformidade do direito anterior com

os princípios constitucionais vigentes ao tempo da apreciação.

17.° Todavia, ainda aqui se pode colocar um problema: não será o Decreto-Lei n.° 308-A/75 um diploma que se esgotou instantaneamente com a sua publicação, ao definir quem conserva a nacionalidade e quem, a contrario sensu, a perdeu no momento exacto da mesma publicação?

18.° Pareceria, assim, que, sendo ta! diploma uma «lei-medida» de eficácia instantânea, já não vigoraria na data de entrada em vigor da Constituição e sua 1revisão, e, consequentemente, só deveria ser apreciado à luz dos princípios constitucionais vigentes na matéria de discriminação ao tempo de sua publicação.

19.° Ainda que assim seja, a verdade é que a norma em causa não deixaria de ser inconstitucional por violar o princípio de igualdade ínsito no artigo 5.°, § 2.°, da Constituição de 1933, princípio esse mantido em vigor pela Lei n.° 3/74, de 19 de Maio.

20.° Todavia, na esteira da Comissão Constitucional — Parecer n.° 3/78, Pareceres, 4.° vol., p. 232 — perfilhamos a opinião de que os efeitos do Decreto-Lei n.° 308-A/75, e, mais concretamente, os dos seus artigos 1.°, n.° 1, alínea e), e 4.°, não se esgotam com a sua publicação.

21.° E isto porque a verdade é que os cidadãos que não conservaram a nacionalidade em consequência de terem nascido nos territórios ultramarinos, que não na Índia, conservam ou mantêm a perda da nacionalidade portuguesa.

22." E, assim, nesta óptica, o diploma em causa continua em boa verdade a produzir os seus efeitos, e daí que se mantenha a conexão com os princípios da lei fundamental com que se há-de conformar, isto é, a sua actualidade.

23.° Afigura-se, assim, que, além do mais, o diploma em causa, e mais concretamente as disposições que determinaram por forma indirecta a perda da nacionalidade de cidadãos nascidos em territórios ultramarinos, que não na India, e fazendo-o inevitavelmente por razões de política económica, violam o disposto no artigo 26.°, n.° 3, da Constituição da República, o que gera o vício de inconstitucionalidade material.

Nestes termos, e nos mais de direito, deve ser considerada procedente a arguição constante do presente requerimento e, consequentemente, declarada (com força obrigatória geral) a inconstitucionalidade material do artigo 1.°, n.° I, alínea é), e do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 308-A/ 75, de 24 de Junho.

4 — Concomitantemente, e com vista a que pudesse ser prevenido, por via legislativa o «vazio legislativo» que poderia ser causado por eventual declaração de inconstitucionalidade no sentido solicitado, o Provedor deu conhecimento à Assembleia da República e ao Governo da posição que sobre o assunto assumira.

5 — Em 16 de Novembro de 1984, o Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República informou que a comunicação do Provedor fora distribuída a todos os grupos e agrupamentos parlamentares.